Roberto Maltchik e Cesar Raima
Uma das mais valiosas fichas atuais do programa espacial brasileiro terá sua sorte lançada no topo de um foguete chinês de 46 metros de altura que deve ganhar o céu à lh26 (horário de Brasília) da próxima segunda-feira. Se o Longa Marcha 4B for bem sucedido, ele não só garantirá o início da operação do satélite CBERS-3, tapando uma lacuna de quase quatro anos na capacidade própria do Brasil de observar a Terra a partir do espaço, como vai tirar um peso de 2,1 toneladas das costas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O instituto é responsável pelo lado brasileiro de um acordo com a China, firmado em 1988, que já levou outras três naves para a órbita do planeta e é centro de ambiciosa ampliação que prevê, entre outras ações, a construção e lançamento do primeiro satélite meteorológico do país.
Depois de cerca de três anos de atraso, provocado por defeitos em componentes de suprimento de energia sob responsabilidade brasileira, o CBERS-3 deve alcançar uma órbita a 778 km de altitude de onde dará 14 voltas no planeta por dia, cobrindo toda sua superfície a cada 26 dias. Com isso, ele vai recompor o mais importante programa de produção de imagens da Terra via satélite já desenvolvido pelo Brasil e que contabiliza o fornecimento gratuito, pela internet, de dezenas de milhares de observações de áreas desmatadas ou em transformação, seja pela ação humana ou da natureza.
Mas a importância do CBERS-3 vai bem além das imagens de monitoramento. Sua operação representa uma chance de renascimento do historicamente negligenciado programa espacial brasileiro. Em caso de sucesso, o primeiro salto será a recuperação da confiança técnica, abalada pelas falhas que atrasaram o lançamento do novo satélite e que encurtaram o tempo de vida do seu antecessor, o CBERS-2B, evidenciando a dificuldade até agora demonstrada pelo Brasil de manter sua tecnologia funcionando plenamente no espaço.
O segundo é a chance de azeitar a parceria estratégica com a China, que hoje tem o mais dinâmico programa espacial do planeta, com o qual luta pela liderança no setor contra EUA e Rússia. Exemplo disso é que chineses e russos são hoje os únicos capazes de levar pessoas para a órbita da Terra. Além disso, no último dia 10 a China lançou sua terceira sonda lunar, prenúncio do envio dos primeiros taikonautas (astronautas chineses) à Lua, previsto para a década de 2020.
— O sucesso da missão do CBERS-3 é importante por vários fatores. Cria um clima favorável na relação entre os parceiros, sem dúvida, mas também um clima positivo para que o programa espacial busque novos recursos — avalia Petrônio Noronha de Souza, diretor de Política Espacial e Investimentos Estratégicos da Agência Espacial Brasileira.
Assim, se tudo funcionar conforme o previsto, o lançamento do CBERS-3 servirá de impulso para a ampliação do acordo estratégico com a China que permitirá ao Brasil sonhar bem mais alto no campo do desenvolvimento de tecnologia aeroespacial. Se a parceria evoluir, brasileiros e chineses poderão produzir em conjunto um satélite meteorológico de órbita geoestacionária, que fica a 36 mil km de altitude e exige uma engenharia bem mais complicada. Segundo Petrônio, no entanto, a única missão nova concreta é o CBERS-4, com lançamento previsto para 2015 e que "exigirá dois anos inteiros de muito trabalho".
DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA
Além disso, de forma inédita, o Brasil é responsável por 50% dos componentes do novo satélite, desenvolvidos e fabricados a um custo de R$ 160 milhões para o país, contra 30% de tecnologia nacional nas missões anteriores. E, também pela primeira vez, uma das quatro câmeras do satélite foi inteiramente desenvolvida e produzida no Brasil: o Imageador de Média Resolução (MUX). Com resolução de 20 metros, ele serve especialmente ao controle de recursos hídricos e florestais e foi produzido pela empresa Opto Eletrônica, de São Carlos (SP). A câmera, com 115 kg, tem todo o aparato de proteção térmica e resistência a impacto para assegurar seu funcionamento durante o tempo de vida da missão do CBERS-3, estipulada em três anos. De acordo com o Inpe, é um dos projetos espaciais mais sofisticados já produzidos no Brasil.
Para o coordenador do Segmento de Aplicações do Programa CBERS no Inpe, José Carlos Epiphanio, o CBERS-3 fará o Brasil renascer, após três anos de paralisia, no mercado de fornecedores de imagens de satélite de média resolução, com a diferença que elas são gratuitas para cerca de 3 mil instituições, públicas ou privadas, do país.
— Nosso grande tiro no pé foi não ter mantido um sistema de satélites de observação nos últimos três anos. Precisamos ter um programa de satélites sólido, o que não apenas aprimora a tecnologia no segmento como alimenta uma importante cadeia de geração de empregos entre os usuários do sistema — diz Epiphanio.
Um acerto estratégico que precisou ser mantido "na unha"
A demora no lançamento do CBERS 3 não foi o primeiro percalço enfrentado pelo Brasil após assinar o acordo espacial com a China em 1988. Desde o início, as dificuldades do país em entregar sua parte no acerto causaram atrasos que por pouco não levaram ao seu prematuro fim, lembra Roberto Abdenur, embaixador do Brasil na China entre 1989 e 1993. Logo após o acordo entrar em vigor, a mudança de governo em 1989, com a saída do presidente José Sarney e posse de Fernando Collor, congelou os investimentos no programa, que previa gastos de US$ 50 milhões pelo Brasil em equipamentos e transferências financeiras apenas para a construção e lançamento do CBERS-1, com custo total estimado em US$ 150 milhões.
— Em duas ou três ocasiões os chineses ficaram tão irritados com os atrasos que ameaçaram fazer tudo sozinhos e tirar o Brasil do programa — recorda o diplomata, hoje aposentado e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO). — Assim, tive que segurar o acordo quase que na unha, como se diz, argumentando que tivessem paciência com o Brasil pois o projeto seria o pilar fundamental de uma importante parceria estratégica entre os dois países.
Para Abdenur, o lançamento do novo satélite em um momento em que Brasil e China avaliam uma ampliação do acordo espacial com um ambicioso plano decenal vem em boa hora.
— Alegra-me ver esta perspectiva de longo prazo, que dá mais certeza e segurança aos investimentos — diz ele. — Espero que com isso os governos brasileiros de agora e os que vêm por aí se deem conta da vital importância do setor aeroespacial para o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial do Brasil.
(Cesar Baimà)