O Brasil se consolida como rota preferencial do tráfico internacional de entorpecentes, mostra relatório da ONU sobre drogas divulgado semana passada pelo órgão. O levantamento contém dados alarmantes: entre 2005 e 2009, houve um aumento de 442% na quantidade de cocaína apreendida na Europa após passar pelo território brasileiro. Com isso, o país passou a ser terceira principal rota do tráfico dessa substância para aquele continente, atrás apenas de Venezuela e Equador. Além disso, daqui é despachado um terço de toda a cocaína consumida na América do Sul.
A pesquisa da ONU também chama a atenção para um fenômeno, igualmente danoso, decorrente do perfil do país como base de distribuição internacional de cocaína e maconha – o incremento do consumo interno. Segundo o relatório, houve um crescimento expressivo, de oito toneladas em 2004 para 24 toneladas em 2009, do total de cocaína apreendida dentro do Brasil (que agora ocupa o oitavo lugar no ranking dos países com maior volume de apreensões em seu território). Alimentam o mercado brasileiro 3% de toda a cocaína em circulação no mundo. De tal quadro salta uma evidência inquestionável: há um preocupante aumento da demanda por drogas no país.
O relatório da ONU deve ser analisado sob dois ângulos. Um diz respeito ao papel do Brasil na oxigenação de uma cadeia internacional de comércio de entorpecentes. Outro, ao consumo da droga que fica no país para abastecer as quadrilhas que dominam o tráfico interno, ao custo da violência, do aumento da criminalidade e do agravamento do problema da dependência. No primeiro caso, constata-se uma mudança na estratégia do narcotráfico internacional, com a pulverização da partilha de entorpecentes no mercado mundial. No segundo, a falência da política brasileira antidrogas.
A ponte brasileira do narcotráfico internacional e o incremento do consumo interno são fenômenos que têm a mesma natureza. No essencial, a tática para combatê-los é a mesma: trata-se de sufocar o tráfico a partir do controle rígido de fronteiras, de fiscalizar com rigor as rotas já identificadas e implementar um trabalho de inteligência que embase operações policiais de repressão.
O ponto de partida é dificultar o movimento do tráfico, de modo a fechar acessos aos mercados interno e externo. O manual de repressão às drogas não pode prescindir dessas ações policial-militares – que não devem ser vistas, no entanto, como único caminho para enfrentar um flagelo que, no Brasil, atinge 900 mil dependentes de cocaína e derivados. É essencial também ter uma política de redução de danos que ajude os usuários a se livrar do vício.
Por outro lado, não ajuda fazer ouvidos moucos à advertência que ecoa do relatório da ONU, como fez o ministro José Eduardo Cardozo ao criticar o documento por não incluir na pesquisa dados relativos às drogas sintéticas. O crescimento desse mercado, de fato, é preocupante, mas não é desautorizando pesquisas que o governo brasileiro terá encontrado respostas para suas demandas. Afinal, números à parte, o que importa é abrir os olhos para o problema concreto do aumento da presença do narcotráfico no país.