CLÁUDIA DARÉ
“Desde que os mexicanos chegaram, tudo mudou”, diz o guatemalteco Juan (nome fictício). Assustado com a expansão das operações de traficantes de drogas mexicanos, ele fugiu com a mulher e os três filhos de uma área da Guatemala perto da fronteira com o México. “Quem ficar vai morrer ou terá de se aliar a eles. E, no fim, vai morrer de qualquer maneira”, diz. Juan ainda não sabe para onde vai. Por enquanto, se hospeda em uma das dezenas de abrigos para imigrantes, mantidos no norte do México por ONGs. “Só quero um lugar seguro para criar meus filhos.”
A guerra contra o narcotráfico já matou mais de 43 mil pessoas no México desde 2006, quando o presidente Felipe Calderón abraçou a opção militar para enfrentar o problema. O conflito domina a fronteira com os Estados Unidos, onde os cerca de 3.200 quilômetros são disputados palmo a palmo por diversos cartéis – Sinaloa, Juárez, Los Zetas, Cartel do Golfo, entre outros. A região, porém, ficou pequena. De olho no potencial de um mercado que movimenta cerca de US$ 35 bilhões ao ano nos Estados Unidos, os traficantes miram agora as fronteiras do sul. O objetivo é o controle total do comércio de cocaína, maconha e anfetaminas, drogas que saem da América do Sul e passam pela América Central em direção ao insaciável mercado americano.
Em sua expansão territorial, as atividades dos cartéis reproduzem o mesmo grau de violência imposto a moradores de outras partes do México. Em maio passado, o grupo Los Zetas foi apontado como o responsável pela decapitação de 27 trabalhadores de uma fazenda em Petén, na Guatemala. A região de selva, a 550 quilômetros da fronteira, é uma conhecida rota da droga. O alvo inicial seria o proprietário da fazenda, agora desaparecido e suspeito de envolvimento com o tráfico.
Uma mensagem escrita com sangue das vítimas, marca registrada dos assassinatos cometidos pelos cartéis mexicanos, foi deixada no local do crime. Foi o pior massacre registrado no país desde o fim da guerra civil guatemalteca, nos anos 1980. O presidente Álvaro Colom decretou estado de sítio na área por dois meses, numa tentativa de coibir a ação dos criminosos. A medida já fora adotada em dezembro perto dali, na cidade de Alta Verapaz, com a intenção de recuperar áreas tomadas pelos Zetas.
A violência acendeu o alerta amarelo em outros países centro-americanos. Ciente de que o narcotráfico não respeita fronteiras, Colom conclamou as nações que participam do Sistema de Integração Centro Americana (Sica) – El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Belize e República Dominicana – para que se unam contra a expansão dos cartéis mexicanos na América Central. “O crime organizado atacou brutalmente nossa nação, e não vamos deixar esse fato impune”, afirmou Colom, em um discurso em rede nacional. O apelo foi atendido. Nos dias 22 e 23, líderes regionais e europeus, entre eles o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, reuniram-se na Cidade da Guatemala. A conferência, sobre segurança na América Central, tentou lançar as bases para uma estratégia regional comum contra o crime organizado.
Convidado de honra, o mexicano Felipe Calderón não disfarçou sua opinião sobre quem é o culpado pela situação no México: os Estados Unidos, maiores consumidores de drogas no mundo e responsáveis por 70% das armas que alimentam o crime organizado mexicano. Cobrou atitudes mais contundentes do governo americano contra a venda de armas e o consumo de drogas. Apresentou propostas e ofereceu apoio em treinamento a forças policiais centro-americanas. Também presente na reunião, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, prometeu US$ 300 milhões para aumentar a capacidade da região de combater os cartéis.
A abertura da fronteira sul nas operações dos cartéis mexicanos começou como uma prestação de serviços a colegas de profissão. Contratados por traficantes locais para assassinar o chefe de um cartel guatemalteco, em 2008, membros dos Zetas – o nome viria da cor azul do uniforme dos oficiais militares mexicanos, chamada de azul-zeta – gostaram do que viram e resolveram ficar.
Mais experientes e bem armados, logo passaram a controlar o tráfico de cocaína no oeste do país. Segundo o Relatório Mundial de Drogas da ONU de 2010, Petén é uma zona estratégica para os traficantes de drogas, com pistas de aterrissagem no meio da selva, usadas por vários cartéis. Tanto o Los Zetas como o Cartel de Sinaloa têm interesse no território. Autoridades guatemaltecas afirmam que os grupos vêm adquirindo terras e construindo depósitos para arsenais e bases de segurança para suas operações.
O narcotráfico mexicano se aproveita da globalização. Como empresas multinacionais, seus cartéis buscam maximizar lucros por meio da terceirização de funções e expansão de atividades para o exterior. No Peru, o departamento de fiscalização antidrogas denunciou a existência de um braço armado do Cartel de Sinaloa, que também age no Equador, e advertiu autoridades regionais sobre sua entrada no resto da América do Sul. Cerca de 70% do negócio no Peru seria controlado pelo Sinaloa, seguido pelo Cartel do Golfo e pelo de Tijuana.
Formado por ex-militares, o grupo Los Zetas passou a controlar a rota da cocaína no oeste da Guatemala.
Jornalista especializado em crime organizado e autor do livro Los imigrantes que no importan (Os imigrantes que não importam), o salvadorenho Óscar Martínez investiga a ação dos cartéis mexicanos. Segundo ele, os grupos já chegaram a Honduras e a El Salvador e as disputas por território tendem a se agravar. “Acredito que haverá um período de violência até que haja uma acomodação de poder”, afirma. Martínez lembra que os Zetas têm grande poderio militar. “Seus membros são ex-militares que treinam jovens recrutados pelo cartel.” O grupo, no entanto, seria menos capaz do que os outros de se infiltrar em meio a autoridades estatais.
Segundo Martínez, além de ser rota de exportação da droga, a América Central também desperta o interesse do crime organizado mexicano pela existência de arsenais abandonados por ex-guerrilheiros. “Há muita arma, inclusive enterrada, na costa do Caribe, em Honduras e na Nicarágua.” Os Zetas são considerados os mais violentos dos traficantes mexicanos e, segundo Martínez, diversificaram suas ações para outras áreas. Hoje também operam com prostituição, sequestros, lavagem de dinheiro, roubo, extorsões, tráfico de armas “e até tráfico de madeira”.
A expansão em direção ao sul não significa o abandono do resto do México. Quem viaja de Torreón para Saltillo, em Cohauila, perto da fronteira com os Estados Unidos, pode ver da estrada uma enorme letra “Z” em um dos morros, o que sinaliza território de Los Zetas. O grupo é acusado de recentes massacres no norte do país, entre eles a morte de 72 imigrantes em agosto de 2010, no Estado de Tamaulipas.
A Guarda Nacional Americana, que há mais de um ano trabalha na patrulha da fronteira, informou que desde o início de seu trabalho foram apreendidas 14.000 toneladas de drogas. Há duas semanas, no Estado de Michoacán, oeste do México, o presidente Calderón inaugurava o Mundial de Futebol Sub-17, com o apoio de um forte esquema de segurança. Nessa região, mais de 40 pessoas foram assassinadas nos últimos 15 dias. Em Acapulco, outras sete. Em 20 de junho, um jornalista foi morto com sua família, enquanto dormia em casa, no Porto de Vera Cruz.
A militarização do México e a prisão de vários chefes dos cartéis provocaram a violenta reação dos criminosos nos últimos anos. Isso, somado à luta entre os próprios grupos de traficantes por poder, tem provocado o número brutal de mortes pelo país. Várias entidades civis denunciam que a presença do Exército nas ruas coincide com o aumento do número de violações de direitos humanos, que teria crescido 20% em 2010.
Ex-ministro do Exterior entre 2000 e 2003 e hoje membro do Conselho da Comissão de Direitos Humanos, Jorge Castañeda diz que há violações de todos os tipos cometidas por forças de segurança, de desaparecimentos forçados e tortura a execuções extrajudiciais. Calderón segue em defesa de sua estratégia e aproveitou a Conferência da Guatemala para dizer que houve avanços: “Dos 37 chefes de cartéis mais procurados em 2009, 21 estão presos”, afirmou. Para Castañeda, os resultados não significam vitória.
“É uma guerra que não se pode ganhar, que não deveria ter começado, tem um custo elevadíssimo e resultados imperceptíveis.” Os líderes da América Central querem evitar o custo social da guerra ao tráfico sofrido pelo México. Além das dezenas de milhares de mortos, outros 40 mil mexicanos solicitaram asilo no exterior desde 2006. São todos “Juans” mexicanos, que querem apenas um lugar seguro para criar seus filhos.