Idiana Tomazelli e
Adriana Fernandes
BRASÍLIA – A crise na segurança pública, escancarada na semana passada com a paralisação dos policiais militares no Espírito Santo, que ameaçava se espalhar para outros Estados, adicionou um novo obstáculo para a reforma da Previdência. Segundo levantamento feito em alguns Estados, os militares são responsáveis por cerca de um terço do rombo das previdências estaduais, mas ficaram de fora da reforma proposta pelo governo.
A ideia era enviar um projeto com novas regras para a aposentadoria dos militares até o fim de março, mas fontes do governo admitem que essa possibilidade está cada vez mais distante.
“O momento não é oportuno para entrar nessa discussão, porque o Congresso já vai estar bastante tensionado por conta da reforma da Previdência e da reforma trabalhista. É hora de avançar na reforma previdenciária geral”, avalia o cientista político Murillo de Aragão, presidente da Arko Advice. Para ele, a previdência dos policiais, inclusive civis e federais, que estão dentro do projeto de reforma da Previdência, precisa ser discutida de forma separada por conta do risco da profissão.
Mas, sem equacionar a questão dos policiais militares e bombeiros, os Estados dificilmente conseguirão equilibrar suas previdências. Só em São Paulo, o pagamento de benefícios a 94,6 mil inativos e pensionistas militares deixou um rombo de R$ 5,78 bilhões no ano passado, ou 33,8% do déficit total de R$ 17,11 bilhões na Previdência estadual.
No Rio de Janeiro, Estado cujas finanças entraram em colapso, os benefícios de 43,2 mil inativos e pensionistas militares geraram resultado negativo de R$ 3,012 bilhões em 2016, o que corresponde a 25,1% do déficit geral de R$ 12 bilhões da Rioprevidência. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, já se declarou favorável a medidas que mantenham os policiais militares por mais tempo na ativa.
O governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, por sua vez, até já apresentou um projeto de lei para retardar a aposentadoria dos militares. O objetivo é instituir um tempo mínimo de serviço militar efetivo de 25 anos e extinguir a possibilidade de usar licenças especiais não gozadas para completar o tempo que falta para aposentadoria – o que, na prática, antecipa em cerca de três anos a requisição do benefício.
No caso gaúcho, o rombo com benefícios a militares foi de R$ 2,385 bilhões no ano passado, 27% do déficit geral dos servidores do Estado, de R$ 8,97 bilhões. Essa proporção cresceu em relação a 2015, quando era de 23%.
Não há um dado consolidado da representatividade dos militares no déficit previdenciário de todos os Estados. Em uma carta pública de dezembro, o Comsefaz, que reúne os secretários de Fazenda estaduais, mencionou que PMs e bombeiros representaram 47,3% do rombo nas previdências dos Estados em 2015, mas a origem desse dado nunca foi detalhada.
A Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda disse não ter uma informação resumida do quadro, mas o governo federal está fazendo um mapeamento da situação em todos os Estados. Por serem uma categoria mais numerosa, os professores provavelmente respondem por uma fatia maior do rombo previdenciário, mas eles já estão incluídos no projeto de reforma.
Buraco. Outros Estados também registram déficit na Previdência dos militares. Em Santa Catarina, o resultado foi negativo em R$ 872,5 milhões em 2016. Em Goiás, o pagamento de benefícios a PMs e bombeiros exigiu um aporte do Tesouro estadual de R$ 32,068 milhões só em janeiro deste ano, 19% do total do déficit previdenciário total no mês, que foi de R$ 168,31 milhões.
No Pará, o resultado do pagamento de 8,6 mil benefícios de militares foi negativo em R$ 655,7 milhões no ano passado, 32,3% do déficit total de R$ 2,031 bilhões. No Espírito Santo, o rombo total da Previdência foi de R$ 1,767 bilhão em 2016, mas o Estado não detalhou os dados dos militares.
Apesar da pressão, categoria fica de fora da reforma
Nas Forças Armadas, tem crescido a pressão pública para que as regras de aposentadoria específicas da classe não sejam “desfiguradas”. A categoria ficou de fora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que já tramita no Congresso Nacional porque, segundo a justificativa oficial, a aposentadoria dos militares não é questão constitucional e pode ser endereçada via projeto de lei complementar. No entanto, o envio do novo projeto pode abrir mais uma frente de embates no Legislativo e nas ruas, que já têm demonstrado resistências às propostas em tramitação.
O ponto de tensão aumentou depois que o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, escreveu em artigo no ‘Estado’, no último dia 4, que “desfigurar a essência das nossas Forças Armadas” seria “inaceitável”. Villas Bôas defendeu que as condições diferenciadas de aposentadoria para as Forças Armadas não são reflexo de privilégios, mas sim de “cerceamento de direitos e imposição de deveres” à categoria.
O general ainda questionou se a sociedade deseja militares com prontidão ou “milícias” limitadas por direitos individuais regidos por legislação trabalhista ou “conchavos espúrios”.
No ano passado, o déficit da Previdência de servidores da União ficou em R$ 77,151 bilhões, sendo que R$ 34,069 bilhões, quase a metade, foram referentes aos militares das Forças Armadas.
PARA LEMBRAR
Na proposta original da reforma da Previdência, apresentada em dezembro, havia um artigo que previa diretrizes para a aposentadoria de policiais militares e bombeiros nos Estados e no Distrito Federal. Por meio dele, ficava previsto que as regras previdenciárias de ambas as categoria deveriam se aproximar das regras dos civis, mas caberia aos governos estaduais estabelecer a transição. Menos de 24 horas após a apresentação da proposta, porém, esse artigo simplesmente desapareceu.
Na época, o Palácio do Planalto tratou o sumiço como a “correção de um equívoco”. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que sempre foi dito que os “militares” ficariam de fora da reforma. “Como eles não integravam o sistema, apenas foi corrigido o equívoco.” Os integrantes das Forças Armadas já haviam ficado de fora da proposta original de reforma.
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