POR FABIO GRANER
O Ministério da Defesa iniciou negociações com o Ministério da Fazenda para uma reformulação na política de produtos da área militar. A ideia é atacar os flancos de comércio exterior, financiamento e garantias, regras e regulações e tributação. Nesse esforço, algumas ações já podem ser acionadas no curto prazo, entre elas o ministro Raul Jungmann informou ao Valor que está a possibilidade de o BNDES financiar governos que comprem produtos da indústria brasileira de defesa.
Segundo ele, as negociações com o banco estão em curso e o objetivo é concluí-las a tempo de anunciar o acordo na Laad, a feira latino-americana da indústria de defesa, que será realizada no Rio a partir do dia 4 de abril.
"Estamos solicitando ao BNDES que entre nos apoiando, exatamente tendo uma linha governo a governo. Esperamos concluir até 3 a 4 de abril. A linha financiaria o país que compra o produto", disse Jungmann. "A linha será para o comprador. Até aqui não temos isso. É um enorme salto, porque financia direto para o governo", acrescentou Jungmann. Segundo o ministro, o Paraguai, por exemplo, é um país que recentemente manifestou interesse em comprar os caças Super Tucano, produzidos pela Embraer, e que a linha de crédito do BNDES pode ser uma alternativa para viabilizar o negócio.
O secretário de Produtos de Defesa do ministério, Flávio Basílio, acrescentou que a discussão envolve a modelagem de garantias e contragarantias. "Itaipu, no caso do Paraguai, poderia ser uma contragarantia", exemplifica. "É pensar o Estado, pois se está vendendo para países. E se uma empresa brasileira vende e não entrega também fecha as portas para o Brasil, por isso é preciso trabalhar de forma coordenada", afirmou. "Quando empresta para a compra de um produto de defesa industrial, o banco está fazendo crescimento industrial e gerando emprego e renda dentro do Brasil. Aí ele faz exatamente a sua função", disse o secretário.
Ainda não há definições sobre volume da linha de crédito, taxas de juros, perfil de garantias e outros aspectos operacionais que envolvem a linha de crédito. O ministro e o secretário destacam que a questão não é só de condições de financiamento, mas também geopolítica, envolvendo avaliações de interesse estratégico. No trabalho de reconfiguração da política de produtos de defesa, os técnicos também discutem a possibilidade de reduzir a tributação indireta em produtos comprados pelas Forças Armadas no Brasil e adquiridos pelo governo para igualar as condições de competição com os produtos importados.
As Forças Armadas têm imunidade tributária e conseguem importar diretamente bens sem incidência de Imposto de Importação, mas no caso dos produtos comprados no mercado domésticos, apesar da imunidade, há incidência de imposto de importação nos insumos e ICMS, o que torna o nacional menos competitivo. A secretaria de Produtos de Defesa, que participou de uma reunião com na Fazenda, trabalha na formatação de uma proposta para mitigar essa diferença. "Vamos buscar uma estratégia mais racional do uso de imposto de importação para produtos de defesa, para evitar que a gente importe o que a gente poderia produzir aqui dentro", disse Basílio.
O próprio Jungmann tratou da agenda com o ministro Henrique Meirelles.
Além da parte tributária, as discussões também têm ainda a perna do comércio exterior e uma política de compensações nos negócios entre os países. No capítulo das compensações, o Ministério da Defesa quer criar uma política nacional de "offset", que centralizaria as negociações em torno de transferência de tecnologia, tanto de fora do Brasil para dentro como daqui para fora. Hoje, as discussões sobre essas compensações são dispersas. "Nós queremos que as compensações sejam orientadas para os projetos estratégicos das forças", disse Jungmann. "O que vai ser determinado é que se tenha uma moldura para onde a "offset" deve ser dirigida. Não é pelo interesse da empresa que recebeu ou contou com o "offset". Aquilo terá que ser voltado para o que nós consideramos a prioridade. O Ministério da Defesa vai definir isso, ouvindo a base industrial de defesa e as Forças Armadas", afirmou.
A política nacional de "offset" também deve envolver outras áreas, integrando por exemplo as discussões de um comércio de produtos de defesa feitos no Brasil com a oferta de compensações, por exemplo, na área agrícola, transferindo tecnologia para outros países. No caso do comércio, Basílio comenta situações inusitadas, como o fato de que a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) de biquínis é a mesma de coletes balísticos. Para ele, é preciso tratar o segmento de defesa à parte, conforme suas especificidades e diante do fato de que há concorrência não se dá entre empresas e sim entre países.
"É preciso ter uma política comercial específica para os produtos de defesa, que geram transbordamento para toda a economia", afirmou o secretário. "Se um governo resolver colocar dinheiro em alguma área civil, ele estará sujeito a alguma regra da OMC. Se o governo resolve colocar dinheiro em defesa, não há o que se fazer", acrescentou, destacando que muitos produtos originalmente de defesa são aplicados na vida civil. Jungmann ressaltou que o Ministério da Defesa tem uma grande carteira de investimentos, a segunda maior do governo federal neste ano, e projetos grandes na área de tecnologia, ciência aplicada e inovação, que têm forte relação com a economia e com o avanço da produtividade, um dos temas prioritários da política econômica atual.