Por Lúcio Flávio Pinto
Cartas da Amazônia
Em 1978, duas plataformas metálicas flutuantes saíram do estaleiro da Iskikawajima em Kure, um dos maiores do Japão. Uma era uma fábrica de celulose de grande porte. A outra uma usina de energia, capaz de gerar 50 megawatts. Juntas, pesavam 58 mil toneladas e tinham a altura de um prédio de 13 andares. Iriam navegar por quase 30 mil quilômetros, por mares e oceanos, puxadas por rebocadores.
O destino era a Amazônia, mas seu dono era o milionário americano Daniel Keith Ludwig. Em 1967, já aos 70 anos, ele decidira repetir a experiência de outro milionário célebre dos Estados Unidos, Henry Ford. Só que, ao invés de plantar seringueiras para produzir borracha,
Ludwig plantaria uma árvore asiática, a gmelina, Até então essa espécie nunca tinha sido usada para celulose, que era o objetivo de Ludwig. Ele ia surpreender os concorrentes em todo mundo porque a gmelina gerava mais celulose em prazo mais curto do que as fontes tradicionais da fibra, o pinho e o eucalipto.
Por causa da idade e pela certeza de conquistar mercado, Ludwig tinha pressa. Não queria perder tempo montando a indústria no próprio local, à margem do rio Jari, no Pará, a 300 quilômetros da foz do Amazonas. Ia trazer as duas estruturas prontas do Japão, colocadas sobre plataformas de tal modo que podiam flutuar durante a longa e difícil viagem. Mais uma façanha de espantar o mundo, a que D. K. L. já se acostumara.
Ao chegar ao local de sua fixação, as duas plataformas entrariam num dique inundado. Fechado o acesso, a água seria retirada e os autênticos navios de fundo chato pousariam sobre 3.700 estacas de maçaranduba, árvore amazônica mais resistente do que concreto. Os acréscimos introduzidos nas duas estruturas para fazê-la flutuar seriam desmontados e elas estariam prontas para funcionar, ao custo de 270 milhões de dólares (valor da época).
Em 15 de fevereiro de 1979 a fábrica começou a funcionar, produzindo 750 toneladas de celulose por dia, atraindo clientes para o seu produto, de alta qualidade. Enfrentou diversos problemas graves, desde a falta de matéria prima (as florestas plantadas ainda não garantiam sua demanda por madeira) até acidentes industriais.Parou algumas vezes, mas sempre retomou suas atividades. Superou os imprevistos, mas não a morte anunciada.
Seu novo dono, o grupo Orsa, de São Paulo, anunciou na semana passada, em São Paulo, a intenção de interromper por quase um ano, a partir de janeiro, as atividades da fábrica. A paralisação duraria 10 meses. Nesse período a planta, com mais de 30 anos de vida útil, seria substituída por outra unidade e passaria a produzir celulose solúvel, em outubro de 2013. Todos os funcionários atualmente contratados, cujo total varia entre cinco mil e seis mil, seriam demitidos. Um número muito menor continuaria na área.
O encerramento da produção de celulose faz parte de um rearranjo que a International Paper, maior produtora de papéis do mundo, realiza desde que adquiriu recentemente 75% das ações do Grupo Orsa. De acordo com o comunicado feito pela empresa, os ativos de embalagem serão separados dos negócios florestais e de celulose e transferidos para a nova empresa.
Essa seria a estratégia da IP "de crescimento de sua presença global no setor de embalagens e de melhorar os serviços aos seus clientes ao redor do mundo". A expectativa das companhias é que a transação seja concluída no primeiro trimestre de 2013, já que o negócio terá de ser submetido ao crivo de órgãos governamentais.
Dirigentes sindicais e alguns políticos do Pará e do Amapá, onde a Jari se instalou, começaram a pressionar para tentar garantir os atuais empregos. O principal alvo das gestões é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES, que concedeu 145,4 milhões de reais à Jari Celulose, para a modernização da unidade industrial de Monte Dourado, localizada no município paraense de Almeirim, e ao plantio de até 33,7 mil de hectares de florestas de eucalipto no período de 2006 a 2008.
O Projeto Jari começou quando Ludwig comprou uma vasta extensão de terras junto à foz do rio Amazonas para produzir celulose, papel, arroz e bauxita refratária. Três anos depois que a fábrica começou a operar, em 1982, um grupo de 32 empresas nacionais, lideradas por Augusto Antunes, da Caemi, assumiu o controle da Jari.
Ludwig se recusou a continuar pagando o empréstimo concedido pela Ishikawajima, da qual fora acionista durante a ocupação americana do Japão. Como era o avalista da transação, o governo federal teria que honrar o compromisso e executar o americano. Mas ao invés de estatizar a Jari, nacionalizou-a.
Em 2000 o Grupo Orsa, fabricante de papel e embalagens em São Paulo, sucedeu a Caemi no controle acionário. Pagou o valor simbólico de um real e ficou responsável pelas dívidas, em mãos principalmente do BNDES e do Banco do Brasil.
Como a fábrica de Monte Dourado tem capacidade para 410 mil toneladas por ano, a produção acumulada até o final do próximo mês dará para atender os contratos em vigor. O Grupo Orsa diz ainda não saber qual o destino a ser dado à unidade de celulose convencional (que é o papelão).
A decisão, segundo notícia publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, beneficiará as demais empresas do setor, "em um momento no qual há expectativa de maior pressão no mercado", por conta do início das operações da Eldorado em Três Lagoas (Mato Grosso do Sul), neste mês, e de outras duas fábricas de celulose (Suzano e Arauco/Stora Enso), em 2013.
Também os analistas ficaram satisfeitos. O banco americano JP Morgan apontou os efeitos positivos para o mercado de celulose de eucalipto, principalmente para Fibria e Suzano Papel e Celulose.
Apesar do grande impacto que a decisão representa, pondo fim ao sonho de industrialização no coração da selva amazônica, a opinião pública do Pará e do Amapá recebeu com espantoso silêncio a informação.