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Indústria de Defesa Nacional, postergação dos investimentos

Simone Kafruni
Correio Braziliense


A falta de recursos para projetos considerados estratégicos deve causar danos de difícil reversão na indústria. O comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, admitiu que o corte orçamentário que atingiu os projetos definidos como estratégicos pode provocar um atraso de 30 a 40 anos na indústria de defesa. Uma opinião que encontra apoio no Congresso Nacional. “Mais grave que o corte, é a incerteza de recursos. A indústria que atende as Forças Armadas precisa se planejar. Quando o governo lança um programa, as empresas se mobilizam para atender as encomendas. Quando os contratos são interrompidos, o que governo faz é levar a crise para o setor privado”, alertou o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).

A deputada Jô Moraes (PC do B-MG), presidente da comissão congênere da Câmara, a CREDN, alerta para a urgência do debate sobre o fortalecimento da defesa nacional. “No ano que vem, o país precisa atualizar os três instrumentos de planejamento da defesa (o Livro Branco, a Estratégia de Defesa Nacional e o Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa — Paed). Terá que adequá-los à realidade orçamentária”, afirmou.

O Ministério da Defesa explicou, por meio da assessoria de imprensa, que os documentos estabelecem ações e objetivos de longo prazo, menos sujeitos às flutuações momentâneas de recursos. Mas admitiu: “Claro está que o Paed é ajustado considerando o cenário como um todo”.

Na opinião da parlamentar Jô Moraes, a política de defesa não é compreendida pela sociedade. “Não é só uma questão de estar preparado para a guerra, embora isso seja extremamente importante porque o Brasil pleiteia uma vaga definitiva no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) e suas decisões podem desagradar a outras nações”, disse ela.

“Outro problema é que nós temos dependência da indústria norte-americana para usar até mesmo um GPS, por exemplo. Por isso, o projeto do satélite geoestacionário é tão importante. Infelizmente, é uma área que avança lentamente no Brasil, mesmo comparada com países que não se envolvem em conflitos”, acrescentou Jô.

O lançamento do satélite, previsto para o segundo semestre de 2016, está ameaçado pelos cortes. A indústria de defesa incentiva o desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas em conjunto com universidades, instituições de ciência e tecnologia e empresas, gera empregos, contribui para reduzir a dependência de tecnologia externa, ajudando a equilibrar a balança comercial, melhorando a capacitação da mão de obra, entre outros benefícios, defendem os parlamentares.

“Para um país que precisa focar na reindustrialização, precisamos de mais investimentos e não de cortes. A indústria da defesa é um ramo que pode significar um grande salto de inovação tecnológica”, diz Jô. “Essa indústria garante a continuidade logística do suprimento de itens necessários para as Forças Armadas, a qualquer tempo”, ressaltou o Ministério da Defesa.

Para o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Defesa (Abimde), Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, toda redução de orçamento afeta os programas e projetos em andamento. “Aqueles considerados estratégicos para o país sofrem maior impacto, pois reduzem capacitações de defesa avaliadas como essenciais”, destacou.

Dependência

Como a evolução do setor depende basicamente de compras governamentais, Gambôa assinalou que os programas sofrem por causa do contingenciamento. “Como exemplos, podemos citar o programa de construção de helicópteros HX-BR e o programa de construção de submarinos Prosub, atrasados em face da redução do desembolso”, disse.

A Abimde reúne empresas que empregam aproximadamente 60 mil pessoas diretamente e garantem 240 mil postos de trabalho de modo indireto. São empregos que também correm risco de encolher com o descaso do governo com a Defesa Nacional. “A estratégia nacional de defesa (END) prioriza os setores espacial, nuclear e cibernético. São inúmeros os benefícios colhidos pela sociedade a partir de desenvolvimentos militares.

Entre eles, a internet, os aparelhos de ultrassonografia, o emprego de radioisótopos na medicina, os avançados sistemas de comunicações e sistemas laser”, enumerou Gambôa. Estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) encomendado pela Abimde aponta que o setor de defesa e segurança movimentou R$ 202 bilhões no Brasil em 2014, e que, a cada R$ 10 bilhões investidos, o governo tem o retorno de R$ 5,5 bilhões em tributos. Isso representou 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado.

Portanto, mostra o estudo, a indústria é um importante motor para a economia brasileira e ainda garante alta qualificação de mão de obra. No entanto, quase todos os segmentos da área tiveram desempenhos negativos no ano passado, desde que os recursos para o setor começaram a minguar. Com o contingenciamento deste ano, os números tendem a piorar.

Conforme o Ministério da Defesa, a maior parte do recursos do orçamento é direcionada para a execução das funções essenciais de defesa, como treinamento e emprego militar, funcionamento e manutenção de organizações militares, controle do espaço aéreo e também na “continuidade da execução de investimentos em projetos estratégicos e obtenção de meios (navios, aeronaves, veículo) das Forças Armadas”.

As compras, no entanto, foram afetadas. Na avaliação da deputada Jô, o corte respinga no setor privado. “A postergação de compra dos blindados Guarani abalou a indústria Iveco, responsável pelos equipamentos”, alertou.

Ataque aéreo

As primeiras unidades do Gripen serão importadas da Suécia, porém, mais tarde a produção será feita no Brasil, com participação da Embraer, o que vai gerar 2,3 mil empregos diretos e 14,6 mil indiretos. O desenvolvimento 100% nacional da aeronave KC-390, com 60% de componentes nacionais, também é prioritário e poderá representar até US$ 21,3 bilhões em exportações em 20 anos, mas a previsão da primeira aeronave em série ficou para 2017.

Critério geopolítico nas compras

O Brasil mantém relações comerciais na área de defesa com diversos países e amplia as parcerias entre as indústrias estrangeiras por meio de acordos. A maior parte das importações de produtos de defesa tem origem nos Estados Unidos, na França, em Israel, na Espanha e na Alemanha. No entanto, o Brasil buscou ampliar as parcerias com países como África do Sul, China e Rússia.

Para o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Defesa (Abimde), Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, a concorrência no setor é grande, mas depende também de restrições ao fornecedor. “O Brasil goza de simpatia mundial por não ter inimigos, o que facilita as negociações”, disse. Depois que a Venezuela comprou um lote de caças russos, o Brasil começou a estudar a aquisição do sistema de artilharia antiaérea móvel, armado com mísseis superfície, o Pantsir-S1, também russo. Mas a assinatura do contrato para a compra do equipamento vem sendo adiada nos últimos anos.

Agora, o foco é os Jogos Olímpicos de 2016, visto que o armamento foi desenvolvido para proteger instalações militares, industriais e administrativas. Em entrevista concedida em Moscou ao Correio em agosto, Sergey Goreslavskiy, vice-diretor da Rosoboronexport, braço exportador de produtos militares da Rostec, afirmou que as negociações para compra do Pantsir por parte do Brasil estavam avançadas, com chances de um contrato de US$ 1 bilhão.

Mas o embaixador brasileiro em Moscou, Antonio José Vallim Guerreiro, afirmou que a assinatura do contrato, limitado a US$ 500 milhões, ficou para 2016. Para integrantes do ComDefesa da Fiesp, no entanto, os equipamentos russos não são eficientes no Brasil. “Toda nossa tecnologia é ocidental, e os russos não dão manutenção apropriada.

Esse projeto do Pantsir-s1 é outra compra política que as Forças Armadas vão ter que engolir”, alertou um integrante do órgão. Dos 12 helicópteros MI-35 comprados pelo governo, metade não levantou voo porque é utilizada para reposição de peças.

Guarani

As Forças Armadas sofrem com a postergação dos investimentos. O general de brigada Eduardo Castanheira Garrido Alves, 6º subchefe do Estado-Maior do Exército, explica que o Guarani, que prevê o compromisso de aquisição de 60 blindados por ano, é um dos três projetos prioritários da Força que constam do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC). Além dele, há o Sistema de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) e o Astros2020, sistema de lançador de foguetes guiados e mísseis que alcançam 300 quilômetros.

O Exército também prioriza a Defesa Cibernética. “Ninguém ouviu falar, mas sofremos ataques cibernéticos durante a Copa, que o Exército combateu. Agora, nós nos preparamos para enfrentar nas Olimpíadas. Mas o aporte de recursos está aquém do desejado”, queixou-se Garrido. O prazo de compra de blindados Guarani foi repactuado para 2035 e o projeto Astros2020 adiado de 2019 para 2022, explicou o general.

O percentual de investimento no Exército, reforçou, é muito inferior ao de outros países com economia, população e dimensão similares às do Brasil. A Marinha prevê a necessidade de ter à disposição cerca de R$ 3,6 bilhões em investimentos anuais, para dar continuidade ao Programa Nuclear da Marinha (PNM), ao Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) e à recuperação da capacidade dos meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais. O orçamento atual, considerando o corte aplicado de R$ 2 bilhões, prevê empenho máximo de R$ 3,9 bilhões. (SK)

Caças esvaziam caixa

A visita da presidente Dilma Rousseff à Suécia há três semanas para garantir a compra de 36 caças Gripen NG ao custo de US$ 4,5 bilhões reacendeu a polêmica sobre a necessidade de investimentos em defesa em plena recessão. Para muitos, o fato de o Brasil não ter inimigos declarados nem participar de guerras justificaria deixar os aportes na área em segundo plano.

Na opinião de especialistas, contudo, deixar de investir em defesa, além de colocar em risco a soberania nacional, pode levar o país a uma perigosa defasagem tecnológica, com a postergação de projetos prioritários.

Parte desses projetos é desenvolvida no Brasil, o que levanta outro problema: deve-se priorizar a importação ou o que é feito aqui? O departamento de Defesa da Federação das Indústrias de São Paulo (Comdefesa) chama a atenção para a qualidade dos investimentos. “A indústria tem plena consciência de que investir em defesa beneficia o desenvolvimento tecnológico.

Mas pagar para comprar produtos feitos em outros países, enquanto os projetos prioritários nacionais sofrem contingenciamento e podem se tornar obsoletos, colocando tudo a perder, é uma decisão unicamente política, que coloca todo o setor em risco”, afirma um especialista do Comdefesa.

Competição

Para o Comdefesa, comprar caças suecos enquanto posterga investimentos no projeto do KC-390, um jato da Embraer que poderia competir com o norte-americano Hércules, principal aeronave hoje no mercado, é um atentado ao setor.

“No Brasil, as Forças Armadas são obrigadas a engolir equipamentos que nem conseguem fazer funcionar por conta de acordos comerciais e políticos que em nada priorizam a defesa nacional”, lamenta o integrante do Comdefesa da Fiesp. Há quem pense assim também entre os militares.

Com a postergação dos investimentos, os principais projetos prioritários das três Forças Armadas correm o risco de sofrer com a obsolescência, um risco frequente no caso de produtos de alta tecnologia.

Mas não é por falta de orçamento: o Ministério da Defesa tem um dos maiores do país. Neste ano, a previsão orçamentária é de R$ 81,5 bilhões, mas 72% são gastos com a folha de pagamento já que as Forças Armadas contam com um efetivo de 365,3 mil militares e mais servidores civis. Além disso, a despesa com inativos é gigantesca.

A defesa nacional já movimentou 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). No ano passado, o orçamento caiu para 1,39% do PIB, além de sofrer contingenciamento. Sem mexer no gasto com pessoal, o corte feito pelo governo para tentar reequilibrar as contas públicas atingiu diretamente os investimentos. Das despesas discricionárias, previstas em R$ 22,6 bilhões pela Lei Orçamentária de 2015, o contingenciamento foi de 24,8%. Sobraram apenas R$ 17 bilhões para tocar os projetos prioritários.

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