Tânia Monteiro e Leonencio Nossa
Em meio à discussão da mudança da meta fiscal e de corte de gastos, as Forças Armadas pressionam pela recomposição no Orçamento, que nos últimos cinco anos sofreu redução de 44,5%. De 2012 para cá, os chamados recursos “discricionários” caíram de R$ 17,5 bilhões para R$ 9,7 bilhões. Os valores não incluem gastos obrigatórios com alimentação, salários e saúde dos militares.
Segundo o comando das Forças, neste ano, houve um contingenciamento de 40%, e o recurso só é suficiente para cobrir os gastos até setembro. Se não houver liberação de mais verba, o plano é reduzir expediente e antecipar a baixa dos recrutas. Atualmente, já há substituição do quadro de efetivos por temporários para reduzir o custo previdenciário. Integrantes do Alto Comando do Exército, Marinha e Aeronáutica avaliam que há um risco de “colapso”.
A Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército, responsável por monitorar o uso de explosivos, está sendo atingida. Perdeu parte da capacidade operacional para impedir o acesso a dinamites por facções como Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho, que roubam bancos e caixas eletrônicos.
O Comando do Exército confirmou ao Estado que o contingenciamento reduz “drasticamente” a fiscalização do uso de explosivos, abrindo caminho para o aumento de explosões de caixas. A DFPC é um dos órgãos das Forças Armadas de apoio ao sistema de segurança pública atingidos pela falta de recursos.
A diretoria está tendo dificuldades de manter operações e combater desvios de explosivos para o crime organizado. No mês passado, a Federação Nacional dos Bancos (Febraban) esteve na Comissão de Segurança Pública da Câmara para pedir maior combate ao crime organizado. Há 23 mil agências e 170 mil terminais de autoatendimentos no País. Só neste mês, quadrilhas destruíram com dinamites agências em Lindoia (SP), em Indaiatuba (SP) e em Capelinha (MG). Em junho, os bandidos agiram em Brasília – são 22 ações desde 2016 no Distrito Federal.
Em entrevista ao Estado, o presidente Michel Temer disse estar tomando medidas em relação ao contingenciamento. “Nós queremos devolver dinheiro, digamos assim, para os vários setores da administração e, em particular, às Forças Armadas”, afirmou.
Procurado pela reportagem para comentar as reclamações das Forças, o Ministério do Planejamento, por meio de sua assessoria, disse que se “esforça” para resolver os problemas mais “graves”. “Entretanto, qualquer ampliação de limites, sem que haja redução em outros ministérios, depende do aumento do espaço fiscal.”
Limites
Nas Forças Armadas, a falta de recursos afetou a vigilância da fronteira, os pelotões do Exército na Amazônia, a fiscalização da Marinha nos rios da região e na costa brasileira. Por medida de economia, a Aeronáutica paralisou atividades, reduziu efetivos e acabou com esquadrões permanentes nas bases dos Afonsos, no Rio, de Fortaleza, de Santos e de Florianópolis.
O corte se deu, em especial, nos projetos inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O contingenciamento pode antecipar a dispensa de recrutas, assim como atrapalhar o treinamento de soldados para agir no Rio e impedir a realização de voos para interceptar aeronaves clandestinas.
Para reduzir gastos, as Forças também estão trocando o quadro efetivo por temporário e reduzindo a tropa. De acordo com o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, os cortes “foram muito elevados, fora dos padrões”. Ele usou uma rede social no início do mês para se queixar.
2 PERGUNTAS PARA O MINISTRO JUNGMANN
1. A restrição orçamentária já afeta a operacionalidade das Forças Armadas?
Até agora não tivemos comprometida a capacidade operacional. Mas, a partir de setembro, começaremos a ter problemas. O que nos preocupa, particularmente, é a interrupção ou a necessidade de renegociação dos contratos dos projetos estratégicos.
2. O dia a dia dos quartéis já está sendo afetado?
O limite é setembro. Daí vamos reduzir efetivos, fechar unidades, etc. Mas creio que isso não vá acontecer. |
Mar e Ar
Com 40% do orçamento contingenciado, a Aeronáutica cogita suspender expediente às sextas-feiras. Ela centralizou atividades em Anápolis e Natal para se adaptar. “A FAB já voou 200 mil horas por ano no passado. Este ano havia um planejamento para voarmos 122 mil horas”, disse o brigadeiro Nivaldo Rossato, comandante da Aeronáutica. “As restrições orçamentárias de toda ordem devem reduzir esse montante de 110 mil horas em 2017.”
Com navios de 35 anos de idade média, a Marinha coleciona no mar e nas águas da Bacia Amazônica embarcações consideradas ultrapassadas para suas funções. A lista inclui o Almirante Sabóia, uma embarcação de desembarque de carros de combate comprado pelo governo Costa e Silva, em 1967, o Marajó, navio-tanque, adquirido pelo governo Garrastazu Médici, em 1969, e a fragata Niterói, do tempo do governo Ernesto Geisel, de 1976. O navio porta-aviões São Paulo, com 54 anos, o mais velho da relação, da época do presidente João Goulart, está em processo de desmobilização.
O comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, disse que é preciso pelo menos R$ 800 milhões a mais por ano para manter a esquadra. “Isso precisa ser acertado ou a nossa esquadra de superfície vai desaparecer em pouco tempo”, afirmou.
O quadro orçamentário para 2018 preocupa o comandante. “Antevemos o risco para programas estratégicos e também para o funcionamento pleno das nossas atividades diárias, com reflexos em serviços que atingem diretamente a população, como aqueles relacionados à segurança da navegação.”
"O limite é setembro", diz ministro da Defesa
Em entrevista ao Estado, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, admitiu que as Forças Armadas estão "no limite". Ele afirma que, "por enquanto", a capacidade operacional está mantida, mas concorda com os comandantes militares de que o próximo mês é o prazo máximo de recebimento de verbas para manter serviços básicos nas unidades. "O limite é setembro, e daí vamos ter de cuidar de reduzir efetivo, fechamento de unidades". Jungann disse que "espera", no entanto, que o orçamento seja recomposto pelo "compromisso" assumido pela área econômica.
As Forças Armadas estão sofrendo com restrições orçamentárias e já se fala em comprometimento de operacionalidade.
Até agora não tivemos comprometida a capacidade operacional. Mas, a partir de setembro, começaremos a ter problemas, porque as Forças estão no limite em termos orçamentários e financeiros e nos preocupa, particularmente, a interrupção ou a necessidade de renegociação dos contratos dos projetos estratégicos que acabaram de ser negociados.
O dia a dia dos quartéis já está sendo afetado?
O nosso limite é setembro. Daí, evidentemente, vamos ter de fazer redução de efetivos, fechamento de unidades, etc. Mas acredito e espero que isso não vá acontecer porque há o compromisso da equipe econômica.
No dia 03 de Agosto 2017 o Comandante do Exército coocou em sua conta do Twitter o post abaixo
Conduzo seguidas reuniões sobre a gestão dos cortes orçamentários impostos ao @exercitooficial. Fazemos nosso dever de casa, mas há limites. pic.twitter.com/DKVx4kJwh1
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) 3 de agosto de 2017
Efeito. Operações de Garantia da Lei e Ordem, como no Rio, podem ser afetadas
Unidade teve de pedir verba para conta de luz
Além da falta de dinheiro para despesas básicas, contratos para substituir armas estão congelados e cursos, suspensos
Na quarta-feira passada, o Quartel-General do Exército, em Brasília, recebeu um telefonema do comandante de uma unidade de Mato Grosso do Sul. Ele pedia ajuda imediata para evitar o corte de luz da organização, responsável pela área de fronteira com o Paraguai, rota do narcotráfico e contrabando de armas. Após mobilização, o Exército remanejou a verba a tempo de impedir que a unidade ficasse no escuro.
A cúpula das Forças Armadas, que estará hoje em cerimônia de apresentação de militares ao presidente Michel Temer, avisou governo e Congresso de que só tem dinheiro até setembro para despesas básicas. Generais dizem que, com os cortes, foram obrigados a usar reservas de combustíveis e armas, pondo em risco a capacidade de “prontidão” das tropas.
Neste ano, o Exército já foi chamado para atender a 13 pedidos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e ações sociais nos Estados, mas ainda precisa receber R$ 36 milhões necessários para essas operações.
O risco de paralisação por falta de verba chegou ao preparo das tropas. Estoques de munição estão na reserva, frota de veículos e barcos depende de renovação, cursos profissionalizantes de recrutas foram suspensos e contratos para substituir fuzis estão congelados.
Ao Estado, o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, adotou tom diplomático. “O Exército jamais deixará de cumprir suas missões. Os cortes foram muito elevados, fora dos padrões, e, se não forem readequados em curto prazo, terão impacto direto para a continuidade das ações na Força.”
O contingenciamento tirou 43,5% dos recursos de investimentos do Exército – de R$ 2,5 bilhões, mesmo valor de 2008, R$ 1,1 bilhão foi retido.