Letícia Casado e Guilherme Serodio | De São Paulo e do Rio
O Banco Itaú teve agências depredadas e a Coca-Cola, outdoors pichados durante as manifestações que se iniciaram em junho do ano passado. Ambas as empresas são patrocinadoras da Copa do Mundo. Os fatos levaram ambas as empresas, além de outros patrocinadores do evento, a redobrar a pressão sobre os governos estaduais e federal por maior segurança na Copa.
Se as demandas dos organizadores e a coincidência do torneio com a campanha eleitoral – que começa oficialmente em 10 de julho – já eram motivos suficientes para reforçar o aparato de segurança durante a Copa, a preocupação dos patrocinadores redobra a pressão nos governos.
"Quando as manifestações começaram, a gente rapidamente teve discussões com Fifa e com as polícias locais", disse em dezembro ao Valor Fernando Chacon, diretor de marketing do Itaú Unibanco demonstrando a preocupação da empresa com os protestos. "Me parece, pelo andar da carruagem, pelas conversas que a gente teve com todas as secretarias de segurança pública, que eles também começaram a entender que podem, de certa forma, permitir uma manifestação pacífica mas agir quando há depredação de patrimônio público ou privado."
O relacionamento das multinacionais com as secretarias de segurança pública dos 12 Estados que vão sediar os jogos tem se estreitado desde a Copa das Confederações. O evento serviu como plataforma para testar ações de marketing e descartar o que não funcionava. Mas o que realmente surpreendeu – e preocupou – as empresas foram os protestos. De acordo com um interlocutor de uma das cidades-sedes, desde o segundo semestre de 2013 não há reunião com os patrocinadores em que as manifestações não sejam colocadas como um fato.
Durante dois meses a reportagem ouviu as patrocinadoras da Fifa para saber como as empresas estão se preparando para junho de 2014. A reportagem também procurou todas as secretarias de segurança pública dos estados-sede e conversou com interlocutores dos governos federal, estadual e municipal para saber como estão as conversas sobre a Copa do Mundo entre o setor privado e a esfera pública.
No segundo semestre do passado, executivos da Ambev e do Itaú se reuniram com a presidente Dilma para cobrar um plano de ação para os protestos, segundo apurou a reportagem. O Itaú teve instalações depredadas; a Ambev viu as vendas de suas bebidas caírem 4,1% nos primeiros nove meses de 2013 no Brasil, e teme que o consumo caia ainda mais com novas manifestações.
Outra patrocinadora que investe pesado na Copa, a Coca-Cola tem acompanhado de perto a definição a estratégia de segurança para o evento. A reportagem apurou que a empresa promoveu ao menos um encontro diretamente com as secretarias de segurança estaduais. A reunião foi organizada pelo Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Especial de Grandes Eventos, com participação do secretário-executivo do Ministério do Esporte e coordenador do Gecopa (Grupo Executivo da Copa do Mundo), Luís Fernandes. Na pauta, as medidas de segurança para garantir ações de marketing da companhia como o Tour da Taça da Copa que a Coca-Cola vai promover a partir de abril. "A finalidade era garantir que o tour doméstico fosse o mais amplo possível', assume o Ministério do Esporte.
"Tivemos um encontro com a Coca-Cola visando algum tipo de atualização do conhecimento e gestão para grandes eventos. Realizei um curso em Brasília em parceria com a embaixada americana que tratava dessa temática, e o responsável pela segurança da Coca esteve conversando conosco", diz o secretário-executivo de Grandes Eventos do Amazonas, coronel Dan Câmara. Fontes da secretaria de segurança do Rio também confirmam reuniões com a empresa.
Uma fonte relata que a Johnson & Johnson teria cogitado reduzir os investimentos programados para a Copa do Brasil depois que uma executiva americana da empresa ficou presa dentro de um carro no meio de um protesto em Fortaleza, na Copa das Confederações. A empresa nega.
"Apesar de algumas situações criticas encontradas para acesso aos estádios ocorrido durante a Copa das Confederações, as nossas atividades foram bem sucedidas e atenderam ou excederam as expectativas. Em 2014, aumentamos a verba da Johnson & Johnson destinada para as ações relacionadas à Copa do Mundo e as ativações das marcas", informou a empresa em nota.
Alguns patrocinadores evitam falar sobre o impacto dos protestos. Todos dizem ser a favor de manifestações como "parte do processo democrático", mas contra atos de violência. O temor de associar a marca a um episódio negativo, no entanto, é perceptível na estratégia de marketing das companhias.
Durante os protestos de junho passado, a campanha da Coca-Cola entitulada "a Copa de Todo Mundo" foi criticada nas redes sociais. Nas ruas, outdoors da companhia em relógios e bancas de jornal foram alvos de pichações com frases como "Copa Mata Pobre".
"Independentemente do cenário e do ambiente conturbado, conseguimos executar nossos planos com sucesso", disse ao Valor em dezembro o diretor para a Copa da Coca-Cola, Vitor Bicca. Segundo ele, a Coca não mudou nada em seu planejamento "por qualquer situação que tenha ocorrido".
Outra fonte do governo de uma das cidades-sedes disse que planos de duas das patrocinadoras, Adidas e Coca-Cola, foram alterados após as manifestações de junho: a Adidas pretendia espalhar bolas gigantes nas cidades-sedes e a Coca-Cola, fazer o mesmo com bonecos infláveis do mascote da Copa, o tatu-bola Fuleco. Mas as empresas teriam mudado de ideia por causa da escalada de violência nos protestos do ano passado, temendo que os objetos virassem alvo de vandalismo. No fim de 2012, bonecos da Coca-Cola foram destruídos em protestos em Brasília e em Porto Alegre. As empresas negam o plano de expor esses símbolos em espaços públicos; a Coca-Cola diz que não repete campanhas, e a Adidas informa que sempre planejou expor as bolas em shoppings e estádios.
Em junho, o McDonald's precisava mover as crianças que entram em campo de mãos dadas com os jogadores. Para não colocar as crianças e os pais em risco, a empresa mudou rotas e horários para ir aos estádios. "A gente acompanha de perto todas as manifestações pelo dia-a-dia do negócio", disse David Grinberg, gerente de marketing esportivo da marca. "Mas obviamente [a onda de protestos progrediu de forma tão grande que tivemos que tomar ações emergenciais para poder sair daquilo. E se tornou um aprendizado para a gente."
Dilma deve convocar governadores de 15 Estados
Letícia Casado e Guilherme Serodio | De São Paulo e do Rio
Em duas semanas a presidente Dilma Rousseff deve convocar governadores de 15 Estados para fechar o plano de segurança para a Copa do Mundo. Serão convidados a Brasília governadores dos 12 Estados que vão receber os jogos e três que vão acomodar delegações de atletas (Espírito Santo, Sergipe e Alagoas). O programa deve ser apresentado em março, quando vão começar as rodadas de discussões com a Fifa. No máximo no dia 20 de maio, todo o efetivo de segurança para a Copa deve estar a postos, segundo apurou o Valor PRO, serviço em tempo real do Valor.
Ao menos cem mil homens farão a segurança da Copa, disse Andrei Rodrigues, secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça, que coordena a comitiva federal em visita às 15 capitais envolvidas. O efetivo de segurança para a Copa contará com policiais federais e rodoviários federais, forças armadas, policiais militares e civis e até equipes médicas que acompanharão os comboios. O número é o dobro do efetivo utilizado durante a Copa das Confederações, ano passado, e indica a preocupação governamental com o evento.
Segundo Rodrigues, a atenção recai sobre 15 temas, dentre os quais o risco das manifestações de rua e de atentados terroristas são destacados.
Para um interlocutor do governo do Rio, o efetivo calculado pelo governo federal é subestimado.
A Secretaria de Segurança do Rio deve trabalhar com o total de seus 47 mil homens na segurança da Copa, entre policiais militares, civis e bombeiros.
"A secretaria trabalha com o pior cenário possível", diz uma fonte. Para conter protestos e reforçar o policiamento na capital e outras regiões, como Teresópolis, onde a seleção brasileira fará concentração, o governo do Rio demanda o apoio da Força Nacional de Segurança. O secretário Rodrigues afirmou que a Força Nacional está à disposição dos Estados.
Só o Rio Grande do Sul terá um efetivo de, ao menos, 5 mil policiais militares destacados para o evento, disse o secretário Airton Michels. Em 2012, quando começou a elaborar o plano da Copa, o Estado planejava destacar 3,5 mil oficiais para a Copa. O número foi revisto após os protestos de junho. Há duas semanas uma comitiva federal iniciou uma peregrinação pelas 12 cidades que vão receber os jogos e pelas outras três que vão receber as delegações (Vitória, Aracaju e Maceió). O tour pelas capitais prossegue esta semana, com a visita às últimas seis cidades.
O objetivo dos encontros é reunir as demandas de segurança dos governadores e prefeitos e levá-las à presidente Dilma.
A comitiva do governo é formada por integrantes dos ministérios de Defesa, Esportes e Justiça e da secretaria da Casa Civil, além de representantes do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que coordena a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Também participam das reuniões integrantes da Polícia Federal, do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas e das secretarias de segurança pública dos Estados. Os organizadores do torneio são representados pelo Comitê Organizador Local da Fifa (COL).
Seguindo determinação da presidente Dilma, que quer uma atuação "padrão" do poder público para lidar com as manifestações, cada Estado terá um Comitê Executivo de Segurança Integrada Regional (Cesir) com três integrantes: um representante do Ministério da Justiça (o Superintendente da Polícia Federal no Estado), um do Ministério da Defesa (militar de alta patente, coordenador de Defesa da área) e o secretário de segurança pública. O comitê fará reuniões semanais até a Copa.
Os policiais civis e militares farão hora extra para garantir a segurança no Rio Grande do Norte. O Estado também estuda pedir reforço da Força Nacional para suprir o efetivo necessário, disse o secretário Aldair da Rocha.
Há precedentes para protestos em Copas do Mundo. Em 2010, a África do Sul viveu situação semelhante. Um ano antes, o maior sindicato do país, que inclui trabalhadores da construção civil, começou uma greve por reajuste salarial que parou 70 mil trabalhadores e afetou as obras dos estádios; às vésperas do Mundial, outra greve, desta vez de funcionários do setor de transportes, que chegou a prejudicar as importações de alguns equipamentos que seriam usados na Copa.
A África do Sul também foi palco de protestos. Nos três primeiros meses de 2010, 54 grandes manifestações tomaram as ruas violentamente, segundo reportagem da Reuters. De acordo com a CNN, o governo local investiu US$ 70 milhões para colocar 31 mil homens nas ruas.
As preocupações com segurança variam a cada Copa. Na Alemanha, em 2006, o foco eram as violentas torcidas europeias. Quatro anos depois, a África do Sul enfrentou questionamentos sobre a capacidade de suas forças de segurança atuarem em eventos de grande porte.
Protestos não são exclusividade das Copas. Iniciada na última sexta-feira, a Olimpíada de inverno de Socchi começou sob protestos contra a lei anti-gay do governo russo.