Editorial – DefesaNet
Na madrugada desta quarta-feira, 04 de janeiro de 2012, chegou ao fim um seqüestro-relâmpago no Estado do Ceará. Poderia se pensar que pelo nível de violência estabelecido em todo o país, esta seria uma notícia corriqueira e até mesmo diluída na frieza dos números de estatísticas de ocorrência policiais do dia a dia. Seria, se a vítima deste ato criminoso não fosse toda a sociedade cearense. E o pior, deixou feridos graves. No caso, o Exército Brasileiro e a própria Constituição Federal.
Do início
No dia 29 de dezembro, quinta-feira próxima passada, policiais da PMCE – Polícia Militar do Estado do Ceará e bombeiros do CBMCE – Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará, na sua quase totalidade praças, iniciaram um “movimento de paralisação” nas palavras dos coordenadores do movimento que não referiam-se ao fato como greve, o que de fato foi. Mais grave do que isso – ferir norma legal que veta aos Militares o direito de greve que é extensivo aos integrantes das polícias militares e corpo de bombeiros, Art. 42 da Constituição Federal, parágrafo 5º – foi o seqüestro de viaturas, ocupação de quartéis, obstrução de vias e cerceamento do livre acesso de moradores das circunvizinhanças dos locais invadidos às suas residências. Não se tem números exatos, mas estimativas dão conta de que a “paralisação” atingiu 90% do efetivo e correspondente percentual foi o de seqüestro das viaturas operadas em todo o Estado.
Dos danos à sociedade
O Estado do Ceará teve um réveillon nervoso e os primeiros dias do ano de caos generalizado. Escolas, correios, bancos, ônibus e autarquias municipais literalmente pararam. O comércio fechou as portas nas ruas de várias cidades do Ceará. Shoppings e hotéis, até então redutos privilegiados da segurança privada, igualmente se renderam e enclausuraram-se por trás de tapumes de madeira. Invasão e tiroteio em supermercado. Arrastões e vandalismo no centro, áreas nobres e nos bairros da periferia. Houve uma operação “abafa” dos números, desde ocorrências de menor gravidade, passando por furtos, assaltos até homicídios, mas, fontes internas dos órgãos responsáveis pela coordenação de operações integradas, sem quererem se identificar reportaram que o crescimento da violência foi alarmante nos dias de terror que a sociedade cearense viveu. O clima de medo e a sensação de insegurança foram sentidos em toda a capital e várias cidades do interior. Até o momento não chegou-se ao número final do prejuízo causado no comércio, na arrecadação, no turismo (em plena alta estação), na imagem do estado, na saúde física e mental dos cidadãos e nos óbitos registrados.
Do desrespeito à Justiça
Na noite da segunda-feira, dia 02 de janeiro, a desembargadora Sérgia Miranda concedeu liminar determinando a suspensão da paralisação dos policiais militares e bombeiros do Ceará e ordenando a desocupação dos quartéis e instalações e devolução dos bens públicos, viaturas, armas e demais equipamentos. De acordo com a desembargadora, a multa diária para cada policial que descumprisse a decisão seria de R$ 500 e R$ 15 mil por associação envolvida no processo. No país em que lei “pega” ou não, era uma questão de tempo para que decisão judicial também tivesse que “pegar” para ser cumprida. Resultado, a greve continuou, dando de ombros para com a legalidade e as determinações da Justiça.
Do pleito
As reivindicações do policiais e bombeiros eram legítimas certamente, e a própria sociedade em sua maioria reconhecia e apoiava certos itens questionados. É conhecida a realidade de baixos salários, carga excessiva, promoções indefinidas e precariedade das condições de trabalho. Tudo certo até aí. Porém, os fins não podem justificar os meios, e os meios de que se utilizaram tornaram ilegítimas suas condutas, desonraram seus juramentos. Abriram precedente.
Da irresponsabilidade do Governo
Ficou patente a insensibilidade e incompetência do Governo do Estado do Ceará que na melhor das hipóteses foi omisso, se fazendo míope ao problema e mais despreparada ainda, revelou-se uma casa militar que não soube antever a ebulição dos fatos que culminaram com tanto medo e insegurança à população de um estado ordeiro. Num misto de arrogância e fraqueza ao mesmo tempo, deflagrado o estado de greve nas vésperas do réveillon, o governo solicita apoio da Federação. Exército e Força Nacional são acionados e ao chegarem encontram uma situação atabalhoada para exercerem seu papel. As viaturas necessárias aos patrulhamentos estavam de posse dos grevistas e a postura do Governo Estadual expõe principalmente o Exército à situações vexatórias.
Da exposição da entidade de maior credibilidade junto ao Povo Brasileiro
Entre as missões ingratas, e sempre televisionadas, apenas para ilustrar o que pediram ao Exército Brasileiro, a quem – sempre disciplinado, defensor da legalidade e da ordem, patriota acima de tudo – missão dada é missão cumprida, assistiu-se um Coronel da 10ª Região Militar pedir, quase suplicar, aos praças grevistas coordenados por movimentos sindicalistas e um policial suplente de deputado, que liberassem as viaturas seqüestradas para cumprir sua missão de proteção da sociedade. A resposta de uma turba de mascarados foi negativa. Sem falar da quebra da legalidade, do descumprimento de ordem judicial, do desrespeito à Constituição e desprezo ao Código Penal sublinhou-se aí a indisciplina e o desacato de uma força auxiliar para com a Força Armada a quem compõe reserva. Entre os espetáculos lastimáveis “holofoteados” por uma imprensa de responsabilidade duvidosa, que alardeava a boataria para amealhar audiência e literalmente punha lenha na fogueira, uma entrevista constrangedora imposta a um General de Divisão no intuito não de esclarecer e acalmar a população, mas sim, acirrar ânimos entre grevistas e Forças Legais.
Do desfecho lamentável
Ferido o Exército, que no seu acatamento e disciplina cumpriu missões inglórias e funções que tergiversam de sua real natureza, rasgada a Constituição Federal, os representantes do governo cearense, fracos e acuados, notificaram o reajuste de 56%, com a incorporação da gratificação de R$ 850 ao salário-base e a redução de jornada de trabalho de 46 horas para 40 horas semanais. Porém o preocupante, como brinde à ilegalidade e desrespeito ao estado de direito, foi a anistia geral dada aos policiais e bombeiros que participaram das paralisações. Claramente o governo cedeu principalmente às investidas de uma imprensa ligada a grupos políticos contrários à situação, que fez a população refém e acuada torcer pelo fim da greve, mas, pelo caminho diverso da legalidade, o que não diminui a culpa e responsabilidade dos governantes do estado. Se querem fazer uma política ao mesmo tempo arrogante no discurso e vacilante nas decisões, não deveriam poupar as Forças Armadas desta bagunça generalizada? Pergunta-se: Se já não vale a Constituição é pressuposto rasgar também o Estatuto dos Militares?