Tânia Monteiro
O Estado de S.Paulo
25 de março de 2020
Publicado Estadão
BRASÍLIA – A narrativa do presidente Jair Bolsonaro de que há uma “histeria” de governadores e da imprensa na condução da crise envolvendo a pandemia do novo coronavírus encontra respaldo entre integrantes do Alto Comando das Forças Armadas. O Estado ouviu dez oficiais-generais sobre o discurso do presidente, que recebeu críticas por estar na contramão dos que o mundo prega para combater o avanço da doença.
Nesta terça-feira, 24, em cadeia nacional de rádio e TV, Bolsonaro se colocou contra o isolamento e fechamento de escolas e do comércio. Entre os generais ouvidos pelo Estado há um consenso: o presidente errou na forma, no tom de confronto ao distribuir ataques a governadores, prefeitos, mídia, e esquecendo a razão e a ciência.
Mas acertou no conteúdo. Esses militares dizem que, de fato, não é possível fechar o País, parar todas as atividades econômicas porque isso trará prejuízos irreversíveis à economia. Lembram ainda que um País, com a população essencialmente jovem, e que tem na informalidade um contingente demais de 38 milhões de autônomos, a dose exagerada do remédio poderá matar o paciente.
Outra preocupação é que esse desespero das pessoas possa levar a um caos social, inclusive com possibilidade de saques. Uma figura de linguagem usada por um desses militares dizia que se alguém leva um tiro na perna em uma guerra, não pode ficar deitado esperando ser atendido para tirar a bala, precisa continuar atacando, reagindo, para garantir sua sobrevivência.
Nas Forças Armadas, os discursos oficiais dos comandantes do Exército, general Edson Pujol, e da Marinha, almirante Ilques Barbosa, são de que o País está em uma guerra e que o momento é de “serenidade” e “firmeza”. O general Pujol fala que “talvez essa seja a missão mais importante da nossa geração”, mas avisa que a tropa tem de “manterá capacidade operacional”, ou seja, trabalhar.
Da mesma forma, o almirante Ilques pede “serenidade, para não sermos envolvidos em mensagens alarmistas quanto à realidade dessa situação”. Depois de lembrar que “já vencemos situações semelhantes e ainda piores”, se referindo a companheiros que teriam tombado, seja na Segunda Guerra Mundial, com a gripe espanhola, ou na tragédia do Haiti, entre outras, o almirante Ilques afirmou que essa situação “será superada”, e pediu que as determinações das autoridades sejam seguidas.
O almirante adverte que é preciso atuar com firmeza e orientar os seus “semelhantes quando percebermos que estão sendo envolvidos por mensagem, que não apontam em solução”. Os comandantes não interpretam as palavras do presidente da República. Mas os oficiais-generais estrelados que, por uma questão de disciplina não expressam abertamente suas opiniões, têm repetido que o momento é de esquecer a retórica de Bolsonaro, que está em guerra com governadores de estado e se concentrem nas ações que o governo está adotando.
O ex-secretário de Assuntos Estratégicos, general General Maynard Santa Rosa, demitido por Bolsonaro, reverbera esse sentimento dos militares, ao dizer que concorda com o presidente no discurso, mas não na forma. “Concordo que ele está certo, entendendo o clima que poderemos viver quando a economia entrar em colapso. Será um caos social, saques, problemas sérios de lei e da ordem, um clima de instabilidade terrível,sem que isso afete o coronavirus”, comentou.
Ponte de equilíbrio entre confinamento e manutenção da atividade econômica
O general ressalvou que, “o grande problema é encontrar o ponto de equilíbrio entre o confinamento necessário em alguns casos e a manutenção da atividade econômica. O general Santa Rosa cita ainda que “o Brasil é um continente, tem uma população jovem, que existem diferentes realidades no País, e que por conta da guerra política, está havendo radicalização de alguns governadores e prefeitos que não estão vendo o day after quando a economia do País implodir”.
Por isso, mesmo, prega um confinamento mais seletivo. Já o presidente do Clube Militar, general Eduardo José Barbosa, reconhece que o problema é complexo, o momento é delicado e, no seu diagnóstico, irá impor “escolhas de Sofia”.
“Se o remédio for muito forte, acaba com o vírus, mas acaba matando o paciente também. Os pacientes vão começar a morrer não pelo vírus, mas de fome e aí será tarde demais para se conseguir reverter a da sobrevivência econômica do País”, comentou. Depois de dizer que toda essa situação é inédita, o presidente do Clube reconheceu que “não existirá decisão perfeita porque não tem como resolver esse tipo de problema, sem causar dano colateral”.
Por isso, fala da importância de proteger as pessoas com mais de 60 anos e as que têm doenças, mas repete o presidente ao dizer que para a grande maioria, a covid-19 será como uma gripe. Para o general, o presidente está sem saber responder os governadores e prefeitos que estão tendo atitudes mais radicais, que querem fechar tudo, e entra no jogo do confronto político-eleitoral, que é absolutamente negativo e desnecessário, neste momento.
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