Edson Luiz
Diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nos últimos oito anos, Hélio Cardoso Derenne deixou ontem o cargo depois da veiculação de reportagem mostrando uma série de problemas nas estradas brasileiras e na própria corporação. Na carta de demissão, foram alegadas questões de foro íntimo para a entrega do posto. É a segunda demissão de um servidor do primeiro escalão do Ministério da Justiça em três meses. A primeira foi a do ex-secretário de Justiça Pedro Abromovay, que saiu por ter anunciado a possibilidade de o governo estudar penas menores para pequenos traficantes. Com relação à segunda dispensa, o ministro da pasta, José Eduardo Cardozo, afirmou, por meio de nota, que todas as irregularidades serão apuradas. Uma inspetora foi nomeada interinamente para o cargo.
Na reportagem apresentada pelo Fantástico, o inspetor Alvarez de Souza Simões fala a um grupo de colegas sobre a ação policial no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, no fim de novembro do ano passado. Alvarez, que era coordenador-geral de Operações da PRF, classificou a ação como “firula” em uma palestra provavelmente ministrada para subordinados. O inspetor foi o primeiro a ser afastado do cargo, ainda na noite de domingo. A reportagem também mostrou tráfico de drogas nas estradas, postos da PRF abandonados e construídos em locais impróprios.
Por meio de nota, o Ministério da Justiça informou que Cardozo “determinou a imediata abertura de sindicância para apurar a ausência de fiscalização e a prática de atos ilícitos nas rodovias federais, a falta de planejamento e o mau uso de recursos públicos pela PRF”. No comunicado, o ministério anunciou as providências que serão tomadas: “Será aberta ainda uma sindicância específica sobre a atuação do ex-superintendente da PRF no Ceará Ubiratan Roberto de Paula, denunciado na mesma reportagem pedindo ‘tolerância’ na aplicação de multas a parlamentares e autoridades. Ubiratan de Paula também pediu exoneração do cargo, ainda na quarta-feira”.
Na PRF, Derenne passou por três ministros da Justiça: Márcio Thomaz Bastos, Tarso Genro e Cardozo. Mas não conseguiu a mesma visibilidade de outros dirigentes de órgãos ligados ao ministério, como a Polícia Federal (PF). Ele seria indicação política de setores do PMDB, principalmente do Sul do país. Durante sua gestão na PRF, Derenne teve que explicar a compra pela corporação de aparelhos de escutas telefônicas — o chamado guardião —, instrumento de trabalho de investigações que cabem à PF.
Para o posto de Derenne, o Ministério da Justiça escolheu a inspetora Maria Alice Nascimento Souza, que é superintendente da corporação no Paraná. Ela terá cinco dias para apresentar um relatório detalhado sobre a situação da PRF no país. Caso seja efetivada, terá que administrar uma instituição totalmente dividida em grupos e com apadrinhamento político, além de defasada. Hoje, seria necessário o dobro do efetivo para melhorar o patrulhamento da malha rodoviária federal.
Sem licitação
A notícia de que a PRF tinha um guardião surgiu em 2008, quando um inspetor da corporação prestou depoimento na CPI das Escutas Telefônicas. O instrumento de investigação foi adquirido sem licitação e conhecimento do Ministério da Justiça. Hélio Derenne chegou a ser convocado pela CPI para explicar a situação, mas negou que a PRF tivesse esse tipo de equipamento.