HELENA MADER
Em meio à polêmica discussão do projeto de lei que revoga o Estatuto do Desarmamento, deputados federais da Comissão de Segurança Pública da Câmara organizaram um visita às principais indústrias de armas do país. Desde a semana passada, cinco parlamentares visitaram duas fábricas de pistolas, metralhadoras e munições em São Paulo e no Rio Grande do Sul.
A missão, com passagens pagas pela Câmara, teve como objetivo oficial verificar os mecanismos de controle na produção de armamento. Mas especialistas em segurança pública temem que o lobby da indústria armamentista influencie o debate sobre o Projeto de Lei 3.722/2012, que propõe a revogação das normas restritivas à compra e ao porte de armas no país, em vigor há nove anos.
No último dia 6, os deputados Efraim Filho (DEM-PB), Onyx Lorenzoni (DEM-RS),Pastor Eurico (PSB-PE), Hugo Leal (PSC-RJ) e Edio Lopes (PMDB-RR) integraram a missão oficial que visitou a planta da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), em Ribeirão Pires (SP). A empresa é líder nacional em venda de munição. De acordo com o requerimento que autorizou a viagem, a visita era para "avaliar propostas de melhoria do controle de armas e munições do Brasil". Ontem, Efraim, Onyx e Pastor Eurico passaram o dia em visita à fábrica da Taurus, em Porto Alegre, com o mesmo objetivo. A indústria gaúcha é uma das três maiores fabricantes de armas de fogo do mundo.
"Na CBC, pudemos ver de perto o sistema desenvolvido pela empresa, que permite o rastreamento e a identificação da munição fabricada por ela. Eles empregam o que há de mais moderno em tecnologia de munições, tanto que, hoje, a CBC exporta para mais de 80 países, inclusive para as Forças Armadas dos Estados Unidos", comentou o deputado Edio Lopes. "Saímos dali impressionados de ver como a empresa cresceu e expandiu a produção, exportando mesmo com essa política repressiva ao consumo", acrescentou.
Presidente da Comissão de Segurança Pública, o deputado Efraim Filho também elogiou o "rigor técnico e científico" das indústrias de armas pessoais. "A finalidade específica dessas visitas foi observar a aplicação das normas brasileiras em termos de controle da produção. Vimos que a tecnologia adotada praticamente impossibilita que possa haver adulteração das armas", relatou o parlamentar.
Efraim Filho negou, porém, que as visitas tenham relação com o debate sobre o projeto de lei que revoga o Estatuto do Desarmamento: "A posição que defendo é que tenhamos técnicas de controle cada vez mais eficazes e é em busca dessa eficiência que fazemos essas visitas."
O coordenador do Projeto de Controle de Armas da organização não governamental Viva Rio, Antonio Rangel Bandeira, acredita que visitar fábricas não é a melhor estratégia para endurecer o monitoramento desses produtos. "Os deputados vão lá, assistem a um filme lindo, que eu mesmo já vi dezenas de vezes, mostrando como é perfeito o controle das armas e munições produzidas por essas indústrias.
Mas isso é conversa para inglês ver, a realidade é o oposto. Pelo menos 95% da munição apreendida com bandidos no Rio eram da CBC. Não há nenhum controle", critica o especialista. "É preocupante que as visitas aconteçam no momento em que o Estatuto do Desarmamento está ameaçado. Essa lei é inovadora e foi copiada por oito países, mas corre o risco de ser revogada por causa desse lobby da indústria armamentista", finaliza.
O coordenador de Sistemas de Segurança e Justiça da ONG Sou da Paz, Bruno Langeani, lembra que as indústrias têm grande espaço nas audiências públicas que tratam sobre o controle de armas. "As ações de segurança pública têm que ser discutidas por especialistas, pelo governo, não só ouvindo as demandas da indústria", comentou Langeani.
O presidente da Associação Nacional das Indústrias de Armas e Munições, Salésio Nuhs, acompanhou as visitas e disse que a presença dos parlamentares nas fábricas em meio ao debate sobre a revogação do Estatuto do Desarmamento foi "uma coincidência". "Partiu dos deputados o interesse em visitar as fábricas para verificar os sistemas de controle e rastreabilidade.
Eles saíram satisfeitos porque as indústrias oferecem um controle muito maior do que o determinado pela legislação", diz. "O projeto (3.722/2012) sugere a revogação do Estatuto, mas não sugere redução do controle. A proposta corrige e adapta a lei ao resultado do referendo", explica Nuhs.