Cosme Degenar Drumond
in memoriam
Aquiles foi um guerreiro da mitologia grega. Ao nascer, sua mãe Tétis, deusa grega do mar, mergulhou-o nas águas de um rio pensando em lhe dar o poder da invencibilidade. Contudo, durante uma batalha, Aquiles foi ferido por uma flecha envenenada no único ponto por onde sua mãe o segurou e que não foi molhado: o calcanhar. Calcanhar de Aquiles virou expressão popular, significando o ponto fraco de alguém, de organização, de projeto ou de tarefa.
O orçamento público cabe nessa expressão. Poucos anos atrás, houve um grande debate no país visando fortalecer a defesa nacional. A indústria de defesa e as Forças Armadas se adequaram à nova política para o setor, altos investimentos foram realizados e diversos programas estratégicos iniciados. Em certo momento, porém, o orçamento não suportou o pesado encargo. O Estado passou a atrasar o repasse de recursos a indústria fornecedora dos programas.
A dívida é alta e tem causado dificuldades ao parque nacional de defesa. Empresas colocaram parte do seu efetivo de férias e não descartam a hipótese de demitir, pois não têm como buscar receita alternativa para manter a folha salarial. As empresas dizem que o problema decorre da fragilidade orçamentária do país; o governo afirma que se trata de má gestão empresarial. Seja como for, o atraso no pagamento às empresas existe. Por motivo contratual, a indústria não pode interromper o fornecimento. Ou seja: se correr o bicho pega; se ficar o bicho come.
A questão preocupa. Na crise econômica dos anos 1990, muitos profissionais especializados do setor migraram para outras áreas da produção. Várias empresas se voltaram para o mercado civil, passando a produzir inclusive componentes de bicicleta e tintas. A Estratégia Nacional de Defesa trouxe-as de volta à defesa. Mas, ainda há profissionais, como engenheiros navais, trabalhando em áreas e funções diferentes de sua formação acadêmica.
As forças que movem o crescimento da economia estão mais concentradas na iniciativa privada. A geração do conhecimento é movida por altos investimentos, capital humano gabaritado e prospecção tecnológica. As empresas investem na especialização de profissionais. As de maior porte têm mais facilidade de capacitar seus quadros na própria companhia ou por meio de cursos externos e parcerias com instituições de ensino. As práticas são custosas e exigem a manutenção das equipes em permanente atividade.A próxima edição da LAAD 2015, em meados de abril, poderá medir o futuro do estratégico segmento brasileiro. Espera-se que até lá as dificuldades no setor já tenham sido equacionadas. O tempo é curto, mas a perspectiva de solução existe.
Comparando-se a evolução relativa do PIB nacional, o Brasil gasta menos de 1,5% do total de riquezas do país para fortalecer a soberania. Para os analistas, os investimentos estão abaixo do ideal. Se isto não bastasse, o contingenciamento de recursos dificulta manter a velocidade dos programas estratégicos. No orçamento de 2013, a defesa sofreu mordida em investimentos. Em 2014, o fato se repetiu. Os recursos contingenciados voltam à planilha no próprio ano fiscal ou como “restos a pagar” ou ainda no orçamento seguinte. Mas são liberados com muito atraso.
Com a aprovação da Estratégia Nacional de Defesa, em dezembro de 2008, o Brasil conheceu momentos favoráveis para capacitar pessoal especializado para o setor. Não foi tarefa fácil buscar os talentos. A baixa qualidade do ensino médio e o inadequado perfil de técnicos de nível superior dificultaram a seleção no plano industrial. Segundo pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a dificuldade pode ser mais ou menos inquietante conforme o campo de trabalho.
O governo estimulou a capacitação e o crescimento industrial. Para a consecução das metas, estabeleceu referências para investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação. O conhecimento e a inovação precisam ser efetivos no dia-a-dia da produção. As empresas adotaram ações inovadoras de recrutamento, seleção e especialização e passaram apromover a indústria de defesa como um mercado de trabalho atraente. Com o descompasso no orçamento público, porém, o trabalho corre risco de ser descontinuado.
A situação econômica do país é grave. Isto ninguém duvida. O orçamento de 2015 não foi ainda aprovado. A história na defesa não deve se repetir e levar o país pela enésima vez a fracassar no estabelecimento de um sistema de defesa nacional eficaz e autônomo. Fontes da indústria, no entanto, temem que isto ocorra, pois os programas estratégicos já estão ameaçados pela insuficiência de recursos.
Nenhuma profissão é mais nobre do que a política pela influência que exerce na vida do país e da população. Em qualquer atividade, nomear pessoas certas nos lugares certos é fundamental. Em 1999, quando foi criado, oMinistério da Defesa começou nomeando para seus cargos servidores da União em disponibilidade. Não houve concurso para selecionar profissionais com vocação, competência e habilidade para lidar com as complexas questões de defesa.
O governo precisa enxugar a pesada máquina administrativa e estabelecer o ponto custo-benefício. A República se iniciou no Brasil com oito ministérios. Vargas e Juscelino criaram mais um ministério. No governo militar eram 16 ministros. Para atender os políticos, Tancredo desenhou uma estrutura com 23 ministérios, que se tornaram 31 com Sarney e 34 com Fernando Henrique Cardoso. Lula criou mais quatro ministérios. O governo Dilma tem 39 ministros.
Tamanho não é documento. Os resultados práticos e efetivos falam por si. O Reino Unido, país desenvolvido, tem 18 ministérios. O Brasil é outra coisa. Mas, a saúde da economia, sem trocadilho, é crítica nos três níveis da administração. Estados e municípios tem atrasado o pagamento a fornecedores. A indústria de segurança já pensa duas vezes antes de fornecer para o Estado.
Não se compreende que o Brasil, com quase duzentos anos de independência, tamanha riqueza natural, massa de trabalhadores valiosa e uma das maiores cargas tributárias do mundo não tenha dado certo, ainda. Influem negativamente no crescimento do país a baixa qualidade política, a falta de plano-diretor de longo prazo e a corrupção. Assim, não há Tesouro que suporte o desenvolvimento. Cada governo tem um jeito; o futuro do país fica para depois. Que política é essa?
A indústria precisa se unir mais e lutar por seus interesses para evitar sofrer consequências drásticas, como o desemprego e a perda de conhecimentos e capital humano especializado.
Nesse aspecto, as entidades que falam pela indústria devem manter um papel mais expressivo.
A velha posição de que está tudo bem não cabe mais no setor. O quadro de dificuldades é grave.
Profissionais estrangeiros que atuam em programas estratégicos no Brasil já pensam retornar a seus países de origem. Empresas estratégicas estão à beira do precipício.
Empresários brasileiros da área de logística estão decepcionados e cogitam migrar para outras atividades.
Não custa lembrar que, no passado, o desmonte da indústria de defesa iniciou-se assim no Brasil.
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