Andrea Jubé | De Brasília
O governo espera ainda para este ano a resposta dos Estados Unidos para finalizar o acordo de salvaguarda tecnológica que viabilizará a exploração comercial da base de lançamento de Alcântara, no Maranhão. O empenho é para que o documento seja assinado na gestão do presidente Michel Temer, que deu novo fôlego ao programa aeroespacial. O Ministério da Defesa articula a criação de um fundo para financiar o programa, que contempla a fabricação do primeiro míssil de cruzeiro brasileiro.
"Esse acordo é decisivo para o programa aeroespacial. O Brasil tem que ter capacidade de sentar numa mesa de negociação, de ser ouvido, de ser convidado para tomar decisões de interesse mundial", diz o ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna.
"A capacidade tecnológica gera dissuasão. É um seguro da nação: eu não compro para usar, mas, se precisar, eu tenho. Aspiramos a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU [Nações Unidas], mas primeiro temos que ter um certificado de competência, como um míssil", completa.
O novo aceno do governo americano surge da última rodada de reuniões nos Estados Unidos com uma comitiva da Força Aérea Brasileira (FAB), na semana passada, quando os oficiais apresentaram as últimas reivindicações do Brasil para o desfecho do acordo. Os oficiais brasileiros foram informados pelo embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Sérgio Amaral, de que o governo americano entende o momento político do Brasil e tem disposição de concluir o assunto até dezembro.
Ficou colocado nessa rodada que é "inaceitável" a manutenção de pontos do acordo celebrado em 2001, rejeitado pelo Congresso Nacional, relata o brigadeiro Luiz Fernando Aguiar, presidente da comissão de implantação de sistemas espaciais. "O novo acordo é bastante benéfico para ambas as partes, será mais equilibrado que o de 2001".
Silva e Luna acrescenta que o dispositivo que impedia o Brasil de investir recursos auferidos com o aluguel dos sítios de lançamento de Alcântara no programa espacial "foi superado". "Não há perda de soberania", afirma.
Sem esse documento, o programa espacial estaciona: o Brasil não pode lançar satélites porque em todos esses artefatos há tecnologia americana embarcada. Isso compromete não só os planos de exploração de Alcântara, bem como outros projetos, como o desenvolvimento de satélites e o veículo lançador.
"O mundo gasta mais de US$ 300 bilhões por ano [nessa área]. Ou o mundo está errado, ou nós estamos: temos 8,5 milhões de quilômetros e mais 10 milhões de [oceano] Atlântico para tomarmos conta", ressalta o comandante da FAB, brigadeiro Nivaldo Rossato.
A força reivindicou R$ 1 bilhão para investir no programa, mas os repasses não ultrapassaram R$ 100 milhões nos últimos 20 anos. Por isso, viabilizar o uso de Alcântara também significa quintuplicar o orçamento. A FAB calcula que será possível fazer de 10 a 15 lançamentos por ano ao custo de R$ 50 milhões cada, auferindo pelo menos R$ 500 milhões a mais. A Argentina, por exemplo, investe US$ 1,2 bilhão anuais no setor.
Em outra frente, Silva e Luna começou a discutir com o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, a criação de um fundo permanente de financiamento do programa. Outra proposta é a criação de uma empresa que possa receber recursos externos.
Para o comandante da FAB, outro obstáculo era a falta de governança. Ele cita uma licitação feita pela FAB no ano passado para o fornecimento de imagens óticas, que atenderão diversos órgãos públicos. Antes desse contrato, cada um tinha o seu, como Ibama e Embrapa. Com isso, o mesmo fornecedor entregava a mesma imagem a diferentes órgãos, e recebia de todos eles.
A despeito dos empecilhos, o programa avança. O primeiro míssil brasileiro de cruzeiro, o MTC-300, tem 300 km de alcance e precisão na escala de 50 metros. Desenvolvido pela AVIBRAS – empresa brasileira sediada em São José dos Campos (SP), com 57 anos de atuação na área de defesa -, está na fase final de testes. As primeiras entregas estão previstas para 2021.
A mesma AVIBRAS fabrica os motores foguetes S-50 do Veículo Lançador de Microssatélites (VLM-1), desenvolvido no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), ligado ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). Ele vai lançar cargas úteis especiais ou microssatélites (até 150 kg) em órbitas equatoriais e polares. A meta é lançá-lo de Alcântara em 2021.
No DCTA o desafio é dominar todas as fases de criação de um satélite, para monitoramento de fronteiras, sinal de banda larga e planejamento agrícola. No ano que vem, o governo vai divulgar os requisitos de refinamento do primeiro satélite óptico, que a Defesa desenvolve em parceria com a Embrapa. Assim como o geoestacionário, lançado no ano passado, não será fabricado no Brasil, mas também será controlado no país.