Vinicius Sassine
O Globo
06 Agosto 2020
BRASÍLIA — O Ministério da Defesa quer ampliar em 37% o seu orçamento para investimentos no próximo ano para bancar projetos considerados prioritários, como a compra de caças, lançadores de foguetes e submarinos de propulsão nuclear.
Matéria da Série Coup D´Presse, ataques sistemáticos da imprensa contra as Forças Armadas Brasileira e ao próprio país. O Ministério da Defesa emitiu |
A proposta, em fase de elaboração, amplia a previsão de investimentos de R$ 6,7 bilhões, aprovada para 2020, para R$ 9,2 bilhões. Dos recursos previstos para este ano, R$ 3 bilhões já foram pagos, segundo o portal de orçamento do Senado. Integrantes da pasta, porém, admitem que será difícil conseguir o aval do Ministério da Economia para a ampliação desejada.
Esta é a verba que banca projetos como a compra de caças do projeto FX-2, que envolvem os Gripen suecos, pela Aeronáutica; de lançadores múltiplos de foguetes, pelo Exército; e de submarinos de propulsão nuclear, pela Marinha. Desde o começo do mandato de Jair Bolsonaro, as Forças Armadas vêm buscando — e conseguindo — ampliar seu orçamento.
Na ofensiva mais recente, o Ministério da Defesa incluiu na Política Nacional de Defesa (PND) e na Estratégia Nacional de Defesa (END) a intenção de que o orçamento do setor chegue a 2% do PIB. Os textos foram enviados ao Congresso Nacional.
Nos documentos, o governo passou a prever uma “rivalidade entre Estados” na esfera regional e relacionou essa “rivalidade” a uma necessidade de ampliação dos gastos militares. O governo Bolsonaro já expôs suas divergências com o regime de Nicolás Maduro na Venezuela — não reconhecido pelo Brasil — e manifestou sua insatisfação com a eleição de Alberto Fernández para a presidência da Argentina. Não há citação específica aos países nos documentos.
Caso a regra desejada de se alcançar os 2% do PIB já estivesse em vigor, os gastos totais com as Forças teriam alcançado R$ 146 bilhões no ano passado, R$ 49,1 bilhões a mais do que foi efetivamente desembolsado. O Ministério da Defesa, sob Bolsonaro, já teve um aumento de gastos superior ao crescimento registrado em ministérios como Educação, Saúde, Agricultura e Relações Exteriores. O grosso dos gastos das Forças é com a folha de pagamento do pessoal da ativa e da reserva.
O projeto do Orçamento da União para 2021 deve ser encaminhado neste mês ao Congresso. Apesar do pedido de mais recursos para investimentos, não há previsão de novos projetos, e os valores a mais seriam destinados aos que já estão em andamento. A pasta sustenta que o valor pedido seria condizente com uma média histórica. O orçamento de investimentos da pasta chegou a R$ 9,9 bilhões em 2017 e caiu nos dois anos posteriores, chegando a R$ 6,5 bilhões no ano passado.
Além do pedido por mais recursos, os materiais enviados ao Congresso citam formalmente a meritocracia como critério para capacitação de quadros militares e novas contratações. E uma estratégia para as Forças Armadas, também na área de formação educacional, prevê o desenvolvimento de programas que despertem um “sentimento de patriotismo”.
“Patriotismo”
A lei determina que PND e END — e o chamado Livro Branco, uma espécie de inventário da estrutura das Forças — sejam atualizados a cada quatro anos. Os textos são protocolares e genéricos, tidos como documentos de Estado, independentes do governo de ocasião.
O GLOBO comparou o conteúdo atualizado em 2020 com os documentos atualizados em 2012 e em 2016, nas gestões de Dilma Rousseff e Michel Temer, respectivamente.
Na Estratégia Nacional de Defesa, no capítulo que trata de capacitação e dotação de recursos humanos, uma nova estratégia integra as diretrizes da defesa nacional: “Valorizar a meritocracia e a formação continuada”. O termo "meritocracia" não aparece nos documentos atualizados em 2012 e 2016.
A atualização das diretrizes feita no governo Bolsonaro também deixou explícito o desejo de promoção do “sentimento de patriotismo”. O termo aparece três vezes na END de 2020, enquanto é citado uma única vez no documento de 2016 e nenhuma no de 2012.
Uma nova estratégia surgiu no documento: “Fortalecer o sentimento coletivo, o patriotismo e a adesão da sociedade brasileira aos esforços de defesa do país.” Uma segunda foi adaptada. Antes, tratava-se de “contribuir para a ampliação de programas educacionais que visem à promoção da cidadania”. Agora, “contribuir para a ampliação de programas educacionais e desportivos, que visem à promoção da cidadania e do sentimento de patriotismo.”
Antes do envio dos documentos ao Congresso, duas inovações já haviam se tornado públicas: a intenção de elevar o orçamento da área a 2% do PIB e a previsão de “tensões e crises” nas áreas vizinhas ao Brasil. Os militares levam em conta como próximas uma região chamada de “entorno estratégico”, que inclui a América do Sul e a extensão do Atlântico até a costa da África Ocidental.