Josette Goulart
A preocupação com a segurança do canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte fez com que os empreendedores da usina incluíssem, no plano para a instalação dos alojamentos da obra, quartos para abrigar homens da Força Nacional em situações críticas. A necessidade da medida seria em função das constantes ameaças de confrontos com indígenas e também por causa do quebra-quebra ocorrido na hidrelétrica de Jirau, no início do ano. O uso da Força Nacional se justificaria por se tratar de obra considerada estratégica para o país. Segundo fontes próximas ao consórcio, a medida não foi ainda efetivada pois a obra está somente no início e os acampamentos ainda são pioneiros.
A invasão de ontem realizada por centenas de índios, pescadores e ribeirinhos, entretanto, só reforçou aos empreendedores a necessidade de se ter um plano de segurança para a usina. Os organizadores da manifestação dizem que eram cerca de 600 as pessoas que estavam na região, mas a empresa Norte Energia, dona da usina, informou que eram cerca de 250.
O sítio Belo Monte, uma das quatro frente de obras da usina, foi tomado durante a madrugada de ontem mas sem qualquer resistência dos funcionários do consórcio construtor Belo Monte, que é liderado pela Andrade Gutierrez. No fim da tarde o juiz de Altamira já tinha determinado, por meio de decisão judicial, a desocupação. Em toda a construção, já estão trabalhando 3,6 mil operários. No sítio Belo Monte, são 1.200 e cerca de 190 estão alojados no local.
Os funcionários saíram do canteiro na noite anterior porque o consórcio já tinha informações de que a invasão aconteceria. A decisão da manifestação se deu durante seminário realizado na cidade de Altamira por várias entidades que são contra a construção da usina de Belo Monte.
O Ministério Público Federal também tem sido atuante na questão e entrou com uma série de processos judiciais contra a usina. Uma das principais ações alega que os índios não foram ouvidos, como determina a Constituição, e ainda questiona o licenciamento ambiental. O caso corre no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e os desembargadores começaram a se manifestar sobre o assunto nesta semana. Dois deles já votaram, e o processo está empatado.
As manifestações contra a usina têm ganhado força no cenário internacional e chegaram a mobilizar a Organização dos Estados Americanos (OEA). Mas o governo brasileiro está disposto a reagir alegando a soberania nacional em empreendimentos estratégicos para o país. A questão da imagem do empreendimento na imprensa internacional tem sido trabalhada pelo Norte Energia.
Outras frentes estão sendo observadas. Ontem, o Conselho Nacional do Ministério Público anunciou que vai avaliar o limite da atuação dos membros do MP na fixação de compensações ambientais e na expedição de "Notificações Recomendatórias" para identificar eventuais excessos.
De acordo com representantes do Conselho Indigenista Missionário, que fazem parte da manifestação, a tomada foi pacífica. Além de ocupar o canteiro, bloquearam a rodovia Transamazônica no trecho que liga a capital paraense à Altamira. Os manifestantes querem que o governo federal defina alguém do alto escalão para negociar. Mas com a decisão judicial para a desocupação será difícil que se entre em negociação.
Os manifestantes entendem que a terra indígena será diretamente afetada porque em alguns casos a mudança do volume de água que circula no Rio Xingu poderia alterar a forma de vida desses povos. Executivos da Norte Energia alegam, entretanto, que nenhuma terra indígena será inundada e que as aldeias que forem atingidas serão recompensadas.
O projeto de Belo Monte prevê o desembolso de R$ 3,7 bilhões em compensações sócio-ambientais. No total, o investimento é da ordem de R$ 28 bilhões. A usina terá capacidade de gerar 11.233 MW, dividida em duas casas de força. Os principais sócios do empreendimento são a Eletrobras, com suas subsidiárias Eletronorte e Chesf, Neoenergia, Vale, Funcef, Petros, Cemig e Light.