Raul Montenegro
Às 17h da segunda-feira 15, mais um dia de expediente chegava ao fim na agência do Itaú da avenida Brasil, em Manaus. Foi quando dois ônibus fecharam ambos os lados da via nas proximidades do banco e cerca de dez assaltantes dirigiram-se à instituição.
Vestindo capuz e coletas à prova de balas e armados com metralhadoras e outras armas de grosso calibre, eles quebraram os vidros da agência, ameaçaram quem ainda estava lá dentro e fugiram com a movimentação do dia.
A ação durou poucos minutos, mas é sintomática de um Estado que vê seus índices de violência aumentando a cada ano, a ascensão de uma perigosa facção criminosa e o seu próprio governador suspeito de agir em conluio com chefias da segurança pública acusada de abuso de poder, envolvimento com madeireiros e até assassinatos.
Na quarta-feira 17, a Procuradoria Regional Eleitoral do Amazonas pediu a cassação da candidatura do governador José Melo (PROS), que disputa a eleição, e o afastamento da cúpula da Polícia Militar no Estado por abuso de poder político. A investigação aponta que houve aparelhamento da PM visando favorecer a campanha de Melo.
O suposto esquema direcionava policiais para fins eleitorais, garantia benesses administrativas aos oficiais envolvidos e concedia férias de maneira irregular para que os PMs pudessem atuar no pleito. De acordo com a Procuradoria, uma gravação mostra que, numa reunião no dia 27 de agosto, o comandante geral da força, coronel Eliézio Almeida da Silva, pediu que os presentes direcionassem a atuação da tropa em prol da candidatura do governador como forma de “retribuir tudo o que ele fez pela corporação”.
O coronel Eliézio é velho conhecido das páginas policiais. Ele é acusado por outros PMs de favorecer madeireiros na rodovia AM-070, que liga Manaus a municípios na margem do Rio Negro.
O ex-comandante do Batalhão Ambiental Wilmar Tabaiares afirma que foi pressionado por Eliézio para afrouxar o policiamento na estrada. No dia 8 de agosto, uma sexta-feira, veio a ordem para que uma barreira fosse desmontada. Tabaiares não cumpriu a determinação, confiscou quase uma tonelada de caça ilegal e prendeu um madeireiro. Já na segunda, foi exonerado e alojado no Comando Geral, onde está sem função.
Outro militar importante, o coronel Raimundo Roosevelt de Almeida Neves, secretário do programa Ronda no Bairro, é investigado pelo Ministério Público Estadual desde novembro de 2013 por facilitar o transporte de madeira ilegal e transferir policiais que se recusaram a participar do esquema.
Junto com o coronel Aroldo da Silva Ribeiro, subcomandante geral da PM que também é acusado de favorecer a campanha do governador, Roosevelt vai a julgamento em júri popular por participação num homicídio por meio de um grupo de extermínio.
O caso começou com o assassinato da universitária Danielle Damasceno por Fred Fernandes Júnior, que confessou ter cortado o pescoço dela com uma faca em 2001. De acordo com a promotoria, a família da jovem teria contratado um grupo de extermínio formado por policiais para vingar a morte da filha. “A investigação aponta que os dois coronéis receberam dinheiro e deram ordem para que matassem Fred Fernandes, pai do Fred Júnior”, diz o promotor Ednaldo Medeiros. “E qualquer pessoa num cargo desse tem de ser acima de qualquer suspeita.”
Além disso, o Amazonas assiste ao crescimento de uma perigosa facção criminosa nos moldes do Primeiro Comando da Capital e do Comando Vermelho. O bando, conhecido como Família do Norte, surgiu nos anos 2000 e dominou o tráfico de drogas no Estado.
Com o tempo, começou a enraizar seu poder também nas prisões locais, de onde muitos chefões comandam seus negócios. Além de ser responsável por rebeliões e controlar áreas mais pobres da região metropolitana de Manaus, foram descobertos neste mês dois laboratórios de entorpecentes da facção até mesmo num condomínio de luxo da capital.
A coligação do governador José Melo afirmou que não pode falar a respeito do caso por não ter sido notificada sobre a investigação da procuradoria. “Pode ter sido um ação inadequada do comandante, mas daí para afirmar que o governador determinou que isso fosse feito vai um longo caminho”, diz o advogado da campanha Yuri Dantas.
Por meio de sua assessoria, o candidato comunicou que não vai comentar por que confiou altos cargos a policiais suspeitos crimes. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas afirmou que os coronéis citados não cometeram ato que os impedisse de exercer a função e que a polícia cumpre seu dever.