ANDREA MURTA
A demora na assinatura de um acordo pronto há mais de um mês entre Brasil, Bolívia e EUA para monitoramento de drogas no país andino suscita desde cobranças a Brasília até sugestões de novo racha interno em La Paz quanto à inclusão de Washington.
Posições oficiais sobre a razão do atraso são conflitantes. O vice-ministro boliviano da Defesa Social, Felipe Cáceres, diz que tudo está pronto e só "depende do Brasil".
Analistas estranham a lentidão brasileira em rever o acordo. À Folha, o governo brasileiro negou que ele esteja emperrado.
Segundo o Ministério da Justiça, ele segue o seu "trâmite normal" e passa por "alguns ajustes jurídicos e financeiros".
Contudo, o governo não detalhou se os ajustes são parte do processo ou foram pedidos por uma das partes.
Há suspeitas de que a revisão do texto visa amainar desconfianças dos bolivianos.
O objetivo declarado do acordo é "desenvolver um sistema integrado de controle da redução de cultivos ilícitos de coca e identificar novas zonas onde esses cultivos tenham sido expandidos".
A função dos EUA, segundo rascunho do memorando a que a Folha teve acesso, é fornecer equipamento de GPS e aparelhos de medição a laser, além de treinamento dos seus operadores.
O Brasil oferecerá "imagens [de satélite] e capacitação", além de fundos de valor não revelado. O país tenta incluir os EUA em um pacto trilateral dessa natureza há anos e luta contra a desconfiança da Bolívia.
Funcionários do governo local indicaram aumento das diferenças internas em La Paz quanto ao texto do memorando. O possível envio de especialistas americanos ao país preocupa setores de La Paz.
"Enquanto o Ministério de Governo e o Vice-Ministério de Segurança Social apoiam, outros creem que será aberta brecha para retorno da presença física de agentes da DEA [agência antidrogas americana, expulsa em 2008] à Bolívia", disse à Folha um analista local que acompanha de perto as negociações.
"Se voltarão não é certo, mas terão acesso às imagens de monitoramento via satélite, e isso incomoda por aqui. Há dúvidas de segurança nacional e até filosóficas."
A DEA foi expulsa após acusação de espionagem e apoio à oposição ao presidente Evo Morales. Washington manteve cooperação por meio de assistência financeira, mas o volume dos aportes vem caindo.
Negociadores brasileiros sabem que o Brasil será usado como espécie de "garantia" pelos bolivianos contra os americanos, mas acham que contar com suporte político e financeiro dos EUA em um país cuja política antidrogas é questionada internacionalmente compensa o risco.
Colaborou ISABEL FLECK, de São Paulo