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“A solução não está numa prateleira”, afirma ministro interino da Defesa

Maria Lima

A intervenção federal no Rio deverá ter os principais nomes da cúpula da segurança pública definidos esta semana. O presidente Michel Temer optou por uma solução interna, e transferiu Raul Jungmann da pasta da Defesa para o novo Ministério Extraordinário da Segurança Pública. A pasta recém-criada vai assumir a maior parte das ações federais na área de segurança.

Em entrevista ao GLOBO, o ministro interino da Defesa diz que a saída para a violência precisa ser construída com a ajuda da sociedade, da imprensa e das Forças Armadas, e que ‘guerra acontece no meio do povo’. Leia a entrevista:

O senhor, que já comandou operações de selva na Amazônia, vê este como seu maior desafio?

É verdade. Já tive atividades bem complexas e estou há quatro anos no Ministério da Defesa cuidando da parte administrativa, de planejamento orçamentário e financeiro. Minha percepção disso aqui, agora, é um pouco diferente. Ao criar o Ministério da Segurança Pública, pensou-se em separar as ações de segurança pública das ações de defesa.

O Ministério da Segurança Pública vai cuidar da lei e da ordem em situações episódicas. O Rio de Janeiro vive uma situação bastante peculiar, na qual já existe em curso uma Garantia de Lei e Ordem (GLO). Isso continua. O que vamos ver agora é o que mais precisa ser feito.

Há muita crítica por parte da oposição sobre a intervenção no Rio e a criação do novo ministério, de que seriam ações eleitoreiras. Como o senhor avalia essa percepção?

Quem tem fome tem pressa. O povo do Rio tem pressa. As pessoas estão cansadas de receber promessas e clamam: “Pelo amor de Deus! Entreguem resultados”. A primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi, tem uma frase que ilustra muito bem este momento pelo qual passa o Rio: “Não conte para o mundo as dores do seu parto, mostre seu filho”.

A sociedade tem carência de entrega. O Ministério da Defesa vai ajudar o Ministério da Segurança Pública a entregar resultados. E entregar resultados significa reduzir a insegurança. E isso é uma construção conjunta.

Já existe um planejamento de como esses resultados serão entregues?

Essa solução não está numa prateleira, como um medicamento na farmácia. Tem que ser construída. E a sociedade, a imprensa e as Forças Armadas são partes da construção dessa solução.

Uma crítica à sua indicação é que o senhor será o primeiro militar a ocupar o Ministério da Defesa nos últimos anos, o que vai contra o conceito da pasta de ser chefiada por um civil. Isso o incomoda?

A responsabilidade sobre a defesa e a segurança do Brasil é de todos os brasileiros, independentemente de serem civis ou militares. Havendo necessidade, especialistas civis podem ser convocados para ajudar a construir essas soluções.

Assim como eu, que sou da reserva, o pessoal das três forças que está na reserva igualmente pode ser convocado a ajudar. As Forças Armadas do Brasil têm 350 mil homens e mulheres. Quem vai para a reserva fica cinco anos à disposição para ser convocado, é a lei. Eu fui convocado há quatro anos.

Há uma preocupação grande de que as operações em comunidades do Rio, controladas pelo crime organizado, possam violar direitos. Como as tropas conseguirão proteger os cidadãos de bem e prender os integrantes das quadrilhas?

Hoje, a guerra acontece no meio do povo. Temos que travar essa guerra contra o crime organizado com a ajuda do povo. Temos doutrina especializada para fazer essa separação.

Pelo menos cinco grupos vão acompanhar andamento da intervenção federal no Rio¹

Desde que a intervenção federal na área da segurança do Rio foi assinada, há dez dias, ao menos cinco órgãos e entidades já anunciaram a criação de observatórios das ações realizadas a partir do decreto. Entre os grupos, está o da OAB/RJ, criado na última quinta-feira.

O grupo, que vai analisar medidas judiciais contra o “fichamento” realizado por tropas do exército durante operações na última semana, considerado inconstitucional pela entidade, decidiu nesta segunda-feira, durante sua primeira reunião, oficiar o interventor da segurança no Rio, o general Braga Netto, pelo fichamento de moradores da Zona Oeste durante operação realizada pelo Exército na semana passada.

Além da OAB, a Câmara de Deputados, em Brasília, a Câmara de Vereadores do Rio, pesquisadores da Universidade Cândido Mendes e o TCU já anunciaram medidas semelhantes. A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) também pode criar grupo semelhante nos próximos dias.

Presidido por Felipe Santa Cruz, o presidente da OAB/RJ, o Observatório tem como objetivo também avaliar os aspectos legais de como se dará a intervenção. O grupo é composto por Fábio Nogueira, procurador-geral do órgão; os presidentes das comissões de Segurança Pública e de Direitos Humanos da entidade, Breno Melaragno e Marcelo Chalréo; o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Técio Lins e Silva; e os advogados Ana Paula Barcellos, Gustavo Binenbojm, Rodrigo Brandão e Thiago Bottino.

“A situação do Rio é grave e precisa de solução, mas esta deve seguir os marcos constitucionais”, afirmou, em nota, Santa Cruz.

Em outra frente, o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), lançou neste sábado o Observatório Legislativo, um grupo formado por servidores. Durante a cerimônia, que aconteceu num hotel na Praia do Flamengo, na Zona Sul do Rio, ele explicou que o objetivo do grupo é coletar e analisar dados referentes à intervenção, realizar estudos, acompanhar indicadores e garantir a transparência das ações. Os integrantes do observatório serão nomeados por atos do presidente da Câmara e coordenados por servidores da Casa.

O fórum vai funcionar entre os dias 1º de março e 31 de janeiro de 2019. O trabalho será realizado em parceria com instituições públicas, representantes da sociedade civil e o interventor do Rio, general Walter Souza Braga Netto.

Além de parlamentares federais, o legislativo carioca também criou o seu grupo de trabalho para acompanhar as ações. Na última quinta-feira, foi anunciado que a comissão será composta por 13 parlamentares e tem como objetivo colaborar com o plano de segurança, levando serviços públicos às comunidades e fiscalizando possíveis abusos.

A comissão é integrada pelos vereadores Carlo Caiado (DEM), Cláudio Castro (PHS), Dr. Jairinho (PMDB), Felipe Michel (PSDB), Fernando William (PDT), Jones Moura (PSD), Leandro Lyra (Novo), Luiz Carlos Ramos Filho (Podemos), Marcelino D’Almeida (PP), Marielle Franco (PSOL), Otoni de Paula (PSC), Rocal (PTB) e Thiago K. Ribeiro (PMDB). A comissão foi criada por iniciativa do vereador Carlo Caiado (DEM).

O primeiro grupo a ser articulado é coordenado pela socióloga Julita Lemgruber e funcionará dentro do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. Além de Julita, integram o Observatório da Intervenção as pesquisadoras Silvia Ramos, Leonarda Musumeci e Barbara Mourão.

Tribunal de contas acompanhará gastos

Não é somente as ações de policiamento que serão analisadas. Um das dúvidas que seguem nos debates a respeito das ações a partir da intervenção, os gastos também devem ser monitorados de perto. O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu no último dia 21 que vai monitorar os gastos do governo federal durante a intervenção na segurança pública no Rio de Janeiro.

A proposta foi feita pelo presidente da corte, ministro Raimundo Carreiro. Ele afirmou que esse acompanhamento garantirá que os gastos respeitem regras constitucionais e legais que tratam das finanças públicas. A fiscalização será feita pela área técnica do tribunal.

Na ocasião, o ministro considerou que o decreto do presidente Michel Temer que instituiu a intervenção deixou em aberto o uso dos “meios necessários” da administração pública federal para o alcance dos objetivos da medida. Além disso, afirmou ser “notório” que o estado do Rio não possui condições financeiras para aportar os recursos necessários para segurança pública.

Além da Câmara dos Deputados, em Brasília, e do parlamento municipal do Rio, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) deve criar nos próximos dias uma comissão especial para acompanhar a intervenção federal na Segurança Pública do Rio. O deputado estadual Geraldo Pudim (MDB), primeiro secretário da casa, protocolou um requerimento para a criação do grupo, que deverá contar com cinco deputados.

O requerimento protocolado tem que ser submetido ao plenário da Alerj para que a criação da comissão especial seja aprovada. Para isso, é preciso que a sessão tenha o quorum mínimo de 36 deputados, e o documento seja aprovado pela maioria simples.

Pudim disse que já pediu ao presidente em exercício, André Ceciliano (PT), para que a criação do grupo entre em pauta em breve. O prazo de vigência do grupo seria equivalente ao da intervenção federal, ou seja, até o fim do ano.

¹por O Globo – Renan Rodrigues

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