Major PM Erich Nelson Cardoso Hoffmann
Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública
Subcomandante do 21º BPMI/I
Nas vielas estreitas, palafitas e escadões, por onde transitam moradores das favelas, reina uma opressão silenciosa e brutal. Ali, uma rede de medo tecida por criminosos aprisiona a todos em um ciclo de violência e insegurança. A 3ª Fase da Operação Verão, na Baixada Santista, desencadeada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo no início de fevereiro deste ano, substituída em abril pela Operação Verão Permanente e mais recentemente pela Operação Impacto Atlântico, traz alívio a uma população esquecida por muitos, entregue nas mãos de facínoras que compõem a organização criminosa que hegemonicamente controla não só o crime, mas também a vida de homens e mulheres dessas regiões precárias.
No território onde impera uma cruel lei do silêncio, a presença policial emerge como um pilar fundamental para a preservação da paz e da ordem e proporciona momentos de alívio aos moradores. A presença da Polícia Militar nesses territórios é uma declaração do compromisso inabalável com a proteção dos moradores aprisionados pelo jugo do crime organizado.
O medo como companheiro
Após uma ação que resultou na prisão de criminosos, um morador, desabafou ao policial que encerrava a ocorrência: “Eles estavam muito abusados, andando armados durante o dia, em frente às nossas crianças”. Seja qual for o local onde se desencadeará uma ação policial, essa será a reação da maioria dos moradores – uma maioria, porém, silenciosa, que não pode externalizar publicamente a sua satisfação com a presença policial.
Um câncer mata os jovens diariamente, rouba sonhos e transforma a favela em palco de guerra. Essa metástase é causada pela facção criminosa que busca o domínio territorial, tem nos adolescentes pobres suas maiores vítimas. E essa enfermidade não atinge somente os que estão envolvidos diretamente com o crime: aqueles que não aderem ao mal sofrem imposições de “leis próprias”, são extorquidos, ameaçados, perseguidos, subjugados a uma espécie de poder paralelo ao Estado. Como é habito de qualquer máfia, primeiramente o morador é “convidado” a receber “proteção”, “benefícios e vantagens”, para “permitir” ser conduzidos pelos criminosos; mas qualquer passo fora do cerco estabelecido e então entra em cena a crueldade e cai a máscara da “parceria”, escancarando-se o terror sofrido pelos moradores.
E infelizmente, existem grupos que são ainda mais vulneráveis ao terror: mulheres e crianças são alvos fáceis da brutalidade, vivem sob constante ameaça de abusos e agressões. A violência sexual faz parte da rotina das meninas que mal saíram da infância – a cultura da “novinha”, por exemplo, promovida pelo “funk”, é responsável por centenas ou, quem sabe? milhares de estupros de vulneráveis! Mães e pais que tenham lá uma filha de 9–11 anos de idade, vivem um desespero silencioso, pois sabem que nada poderão fazer caso sua filha “caia nas graças” de um traficante. E ainda há aquelas muito jovens que já foram abusadas e, depois de serem usadas das formas mais degradantes, são simplesmente descartadas, restando apenas criar mais um filho sem pai.
Não são apenas traficantes, não são apenas membros de uma facção criminosa, são ladrões que roubam os sonhos, o futuro e a liberdade dos moradores das favelas.
Consequências devastadoras
Saúde mental fragilizada, traumas, ansiedade e depressão são marcas desse cárcere. O desenvolvimento social também é comprometido: os moradores destas regiões permanecem estagnados, sem chances de prosperar, sem liberdade, sem perspectiva de futuro. E àqueles que de alguma forma conseguem uma melhoria de vida não resta outra escolha senão fugir desse ambiente, o que deixa a favela sempre mais fragilizada. E não é para menos… Como alguém que conseguiu prosperar irá conviver com criminosos?
A quem interessa manter essa massa de pessoas impossibilitadas de crescer na vida?
A quem interessa manter a polícia longe das favelas?
A liberdade veste cinza
Vivenciamos um momento histórico no Estado de São Paulo, em que homens e mulheres corajosos vestem sua farda cinza, deixam em suas casas familiares aflitos, para lutar por essa população esquecida e lhe proporcionar algumas horas de tranquilidade. Rompem a corrente de silêncio e opressão sofrida pelos moradores, combatendo fortemente o crime organizado, mantendo assim acesa a chama da esperança. É certo que somente o policiamento ostensivo não trará as soluções definitivas para os moradores, mas pelo menos mantém a comunidade respirando livremente enquanto estiverem lá.
Este texto busca sublinhar não apenas a bravura e o sacrifício dos policiais que labutam nessa zona de conflito, mas também a imperiosa necessidade de sua presença contínua. Visa ainda inspirar uma reflexão profunda sobre a necessidade de estratégias de segurança pública que sejam ao mesmo tempo firmes e humanizadas, como estão sendo desenvolvidas no litoral paulista, capazes de enfrentar facções criminosas sem perder de vista a importância do resgate de uma população refém e silenciada.
Cada patrulha, cada operação, cada gesto de solidariedade com a comunidade não é apenas um passo em direção à desarticulação do crime, mas um poderoso símbolo de uma Polícia Militar que se faz presente, garantindo os direitos mais fundamentais dos cidadãos. O papel dos policiais militares, portanto, vai muito além da aplicação da lei; ele se insere na tessitura de um tecido social mais justo e seguro e é um robusto alicerce para a transformação social.
Com a forte presença policial nos territórios ocupados pelos criminosos, por meio do apoio de pelotões vindo de diversos locais do Estado, é muito comum, findado o dia de serviço, os policiais militares comentarem que os moradores – muitos de forma cautelosa, ou até escondida – vêm agradecer a presença da patrulha. Crianças, aos montes, acenam para as viaturas policiais; algumas delas, quase imediatamente, são repreendidas pelos pais por fazerem tal gesto – é evidente, porém, o medo na mãe ou no pai que também gostaria de externar a felicidade de ver o policiamento próximo da sua moradia, mas não o pode.
A sensação de quem participa desse tipo de operação é a de pertencer a uma tropa de resgate, de retomada de um território dominado pelo terror, e que, pelo menos, no tempo em que a ação policial se desenrola ali, as pessoas podem respirar aliviadas. É através dos olhos dos moradores, testemunhas silenciosas deste embate cotidiano, que percebemos o valor incalculável da presença policial nesses territórios. A importância da polícia transcende a noção de segurança; ela reacende a esperança de uma vida digna.
As operações policiais-militares levam uma luz de resistência, não apenas desarticula redes criminosas, mas também reconstrói, tijolo por tijolo, ou viela por viela, degrau por degrau das escadarias dos morros do litoral paulista, a confiança da população na justiça e na possibilidade de um futuro mais seguro para as gerações vindouras. O sorriso de cada criança moradora das favelas é o combustível dos policiais militares envolvidos nas operações.