Com aval do Kremlin, serviço de inteligência doméstica da Rússia já prendeu cinco membros do alto escalão do Ministério da Defesa, fortalecendo-se em disputa interna por poder e orçamento da guerra.
(DW) Parte da maior reformulação da liderança militar sob o presidente Vladimir Putin desde a invasão da Ucrânia, em 2022, a prisão recente de cinco altos oficiais do Ministério de Defesa russo na esteira de investigações do Serviço Federal de Segurança (FSB) tem sido interpretada como sinal de uma queda de braço entre a agência de inteligência e os militares, em um momento de disputa pelo orçamento do setor e identificação de responsáveis por falhas na condução da guerra.
O expurgo dos militares acusados de corrupção foi promovido sob a bênção do Kremlin, e é apontado como triunfo do FSB, sucessor da KGB soviética, em conquistar o favoritismo do presidente Vladimir Putin – ele mesmo um ex-agente da KGB. Também vem em um momento de orçamento recorde do setor de defesa, de 6,7% do PIB russo, segundo o próprio governo – algo que não se via desde a era soviética.
A devassa no Ministério da Defesa teve início em 23 de abril, com a prisão inesperada do vice-ministro da pasta Timur Ivanov, por suspeita de propina. Ivanov, afilhado político do então ministro Sergei Shoigu, ocupava o cargo desde 2016 e era responsável por grandes projetos de construção militar, como a reconstrução de Mariupol, cidade ucraniana arrasada pela guerra.
A prisão de Ivanov foi, até agora, a mais proeminente na hierarquia do ministério, e acredita-se que tenha preparado o terreno para o desembarque de Shoigu e a subsequente devassa só então promovida pelo FSB – e isso apesar de a corrupção no alto escalão das Forças Armadas não ser novidade nem mesmo para os oficiais do Kremlin e já ter sido apontada até por blogueiros favoráveis à guerra.
Shoigu acabaria destituído do cargo três semanas depois da prisão de Ivanov, após quase 12 anos de serviço. Ele assumiu a chefia do Conselho de Segurança russo depois que Putin foi reconduzido para um quinto mandato.
Em seu lugar, entrou o economista Andrei Belousov, encarregado de reduzir a corrupção no ministério e otimizar a linha de produção industrial de guerra.
Após o anúncio da troca de comando no Ministério da Defesa, vieram outras três prisões, também por suspeita de recebimento de propina: dos tenentes-generais Yuri Kuznetsov, chefe do departamento de pessoal do ministério; Vadim Shamarin, chefe das comunicações do estado-maior; e Vladimir Verteletsky, que comandava uma divisão no departamento de compras.
Além deles, um general crítico ao comando do ministério, Ivan Popov, foi preso na semana passada acusado de desviar mais de 130 milhões de rublos (R$ 7,5 milhões) em materiais comprados pelo ministério. Ele havia sido dispensado do serviço em 2023 por ter, segundo alegou, reclamado da falta de armas e suprimentos na guerra.
A insatisfação com a liderança do ministério também havia levado o mercenário Yevgeny Prigozhin, líder do Grupo Wagner, a organizar um motim em 2023 para exigir a demissão de Shoigu.
As prisões em um curto espaço de tempo foram apontadas pelo jornal The Moscow Times como o início de uma limpa promovida pelo FSB. O Kremlin, porém, nega que haja uma devassa na pasta. Segundo o porta-voz do governo russo Dmitry Peskov, o combate à corrupção “não é uma campanha, é um trabalho constante”.
Corrupção como instrumento de controle e lealdade
Especialistas que monitoram a situação na Rússia afirmam que a corrupção no país é tanto uma forma de encorajar lealdade quanto um meio de controle. Como explica o especialista em segurança Mark Galeotti em um dos episódios de seu podcast “Às sombras de Moscou” (In Moscow’s Shadows), o fato de o Estado ter material comprometedor contra altos oficiais é um trunfo que permite escolher a dedo contra quem eventualmente agir. E com a guerra na Ucrânia impulsionando os gastos de defesa, as oportunidades para corrupção foram igualmente expandidas.
“Sob Sergei Shoigu, o Ministério da Defesa tornou-se fortemente influenciado pela rede pessoal dele”, disse ao jornal britânico The Guardian Gleb Irisov, ex-tenente da força aérea russa que deixou a instituição em 2020. “Desde comandantes seniores até funcionários de escalão inferior, as posições-chave foram ocupadas por escolhas de Shoigu – amigos ou amigos de amigos.”
Irisov diz ter encontrado com frequência equipamentos de baixa qualidade nas Forças Armadas, incluindo lâmpadas usadas em caças que derretiam em velocidades supersônicas e sistemas de defesa aérea incapazes de derrubar drones modernos – deficiências que ele, em parte, atribui à corrupção na gestão de Shoigu.
Diretor para resiliência democrática no Centro para Análise de Políticas Europeias, Sam Greene disse em entrevista à agência de notícias AP achar improvável que as prisões continuem ou se espalhem para além da Defesa, já que isso poderia levar a uma debandada dos generais e uma onda de acusações, algo que o Kremlin, diante da guerra, quer evitar.
ra (AP, ots)