As notícias do campo de batalha, os ruídos nas negociações diplomáticas, a emoção e a tragédia dos enlutados e deslocados; tudo isso pode ser devastador.
Então, vamos dar alguns passos para trás por um momento e analisar como o conflito na Ucrânia pode se desenrolar daqui em diante.
Quais são alguns dos cenários possíveis que políticos e militares estão examinando?
Poucos podem prever o futuro com confiança, mas aqui estão alguns resultados potenciais. A maioria é sombria. Há cinco possíveis: guerra curta, guerra longa, guerra que se espalha pela Europa, solução diplomática e deposição do presidente russo Vladimir Putin.
1. Uma guerra curta
Nesse cenário, a Rússia intensifica suas operações militares. Há mais ataques intensificados de artilharia e foguetes em toda a Ucrânia.
A Força Aérea russa — que desempenhou um papel discreto até agora — lançaria ataques aéreos devastadores.
Ataques cibernéticos maciços varrem toda a Ucrânia, visando a infraestrutura nacional. O fornecimento de energia e as redes de comunicação são cortados. Milhares de civis morrem.
Apesar de uma resistência corajosa, nesse cenário a capital Kiev cai em poucos dias. E o governo é substituído por um regime fantoche pró-Moscou.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é assassinado ou foge, para o Oeste da Ucrânia ou mesmo para o exterior, a fim de estabelecer um governo no exílio.
O presidente russo, Vladimir Putin, declara vitória e retira algumas forças militares, deixando para trás o suficiente para manter algum controle sobre eventuais resistências.
Milhares de refugiados continuam indo para o Oeste — em uma semana, mais de 1 milhão de pessoas fugiram do país de 44 milhões de habitantes. A Ucrânia junta-se a Belarus como Estado cliente de Moscou.
Esse resultado não é de forma alguma impossível, mas dependeria da mudança de vários fatores: forças russas tendo um melhor desempenho, mais dessas forças sendo mobilizadas e o surpreendente esforço de luta da Ucrânia desaparecendo.
Nesse cenário, Putin pode conseguir uma mudança de regime em Kiev e o fim da integração ocidental da Ucrânia, mais especificamente com a União Europeia e a aliança militar OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Mas qualquer governo pró-Rússia seria ilegítimo e vulnerável à insurgência. Tal resultado permaneceria instável e a perspectiva de um novo conflito seria alta.
2. Uma guerra longa
Talvez o cenário mais provável seja uma guerra prolongada.
Talvez as forças russas atolem, prejudicadas pelo baixo moral, má logística e liderança inepta.
Talvez demore mais para as forças russas conquistarem cidades como Kiev, cujos defensores militares e civis lutam rua por rua. Segue-se um longo cerco.
Nesse cenário, a luta tem ecos da longa e brutal luta da Rússia na década de 1990 para tomar e destruir em grande parte Grozny, a capital da Chechênia.
E mesmo que as forças russas tenham obtido alguma presença nas cidades da Ucrânia, talvez seja necessário que elas continuem lutando para manter o controle.
Talvez a Rússia não possa fornecer tropas suficientes para cobrir um país tão vasto. E assim as forças defensivas da Ucrânia passam a ser uma insurgência eficaz, bastante motivada e apoiada pelas populações locais.
Outra possibilidade é que EUA e países da Europa continuem a fornecer armas e munições. E, então, talvez depois de muitos anos, talvez com uma nova liderança em Moscou, as forças russas eventualmente deixem a Ucrânia, curvadas e ensanguentadas, assim como seus antecessores deixaram o Afeganistão em 1989, após uma década lutando contra insurgentes locais.
3. Uma guerra europeia
É possível que esta guerra se espalhe para fora das fronteiras da Ucrânia? Impossível prever.
Mas nesse cenário, o presidente Putin poderia tentar recuperar mais partes do antigo império da Rússia enviando tropas para ex-repúblicas soviéticas como Moldávia e Geórgia, que não fazem parte da aliança militar OTAN.
Ou pode haver apenas um erro de cálculo e uma escalada dos conflitos no território europeu. Putin pode, por exemplo, declarar que o fornecimento de armas pelos EUA e por países europeus às forças ucranianas configura um ato de agressão que justifica retaliação.
Assim, Putin poderia ameaçar enviar tropas para os Estados bálticos — que são membros da OTAN — como a Lituânia, para estabelecer um corredor terrestre com o enclave costeiro russo de Kaliningrado, separado da Rússia justamente pelo território lituano. sso seria extremamente perigoso e arriscaria uma guerra com a OTAN. De acordo com o Artigo 5º da carta da aliança militar, um ataque a um membro é um ataque a todos.
Mas Putin pode correr esse risco se sentir que essa é a única maneira de salvar sua liderança. Se ele estiver, hipoteticamente, enfrentando uma derrota militar na Ucrânia, ele poderia ficar tentado a escalar ainda mais o conflito na Europa.
Com a guerra na Ucrânia, descobrimos que o líder russo está disposto a quebrar antigas normas internacionais. Essa mesma lógica pode ser aplicada ao uso de armas nucleares, que só foram usadas num conflito pelos EUA, na Segunda Guerra Mundial, contra o Japão.
E na primeira semana de guerra Putin colocou suas forças nucleares no nível mais alto de alerta. em reação às declarações e as duras sanções econômicas impostas por potências globais contra a Rússia.
A maioria dos analistas internacionais duvida que a elevação do alerta nuclear signifique que seu uso seja provável ou iminente. Mas foi um lembrete de que a doutrina russa permite o possível uso de armas nucleares táticas no campo de batalha.
4. Uma solução diplomática
Ainda pode haver, apesar de tudo, uma possível solução diplomática?
“As armas estão falando agora, mas o caminho do diálogo deve permanecer sempre aberto”, disse o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres.
Diplomatas dizem que canais estão sendo conectados com Moscou. E, surpreendentemente, autoridades russas e ucranianas já se reuniram para conversar na fronteira com a Belarus.
Eles podem não ter feito muito progresso. Mas, ao concordar com as negociações, Putin parece ao menos ter aceitado a possibilidade de um cessar-fogo negociado.
A questão-chave é se a OTAN, as potências europeias e os EUA podem oferecer o que os diplomatas chamam de “rampa de saída”, um termo americano para uma saída de uma grande rodovia.
Diplomatas dizem ser importante que o líder russo saiba o que seria necessário para que as sanções contra a Rússia (que têm levado a uma grave crise econômica) fossem suspensas. Ou seja, quais seriam os termos para que um acordo seja pelo menos possível.
Considere este cenário. A guerra vai mal para a Rússia. As sanções começam a perturbar ainda mais Moscou. A oposição cresce à medida que os caixões de militares russos voltam para casa.
Putin se pergunta se ele mordeu um pedaço maior do que poderia mastigar. Ele julga que continuar a guerra pode ser uma ameaça maior à sua liderança do que a humilhação de terminá-la.
Nesse cenário, a China (principal aliado da Rússia) intervém, pressionando Moscou a se comprometer com a negociação de cessar-fogo, alertando que não comprará petróleo e gás russos a menos que diminua a escalada do conflito.
Assim, Putin começa a procurar uma saída. Enquanto isso, as autoridades ucranianas veem a destruição contínua de seu país e concluem que o compromisso político pode ser melhor do que uma perda tão devastadora de vidas.
Então, os diplomatas se engajam, e um acordo é feito. A questão pode passar principalmente pelo aspecto territorial.
A Ucrânia, digamos, pode aceitar a soberania russa sobre a Crimeia e partes do Donbas, no leste do país, onde duas repúblicas separatistas (Donetsk e Luhansk) foram reconhecidas pela Rússia. Ou até porções maiores do território ucraniano, inclusive com uma faixa territorial que conecte por terra entre duas áreas rebeldes e a Crimeia.
Por sua vez, Putin poderia aceitar a independência da Ucrânia e seu direito de aprofundar os laços com a União Europeia e até mesmo com a OTAN.
Isso pode não parecer provável. Mas não está além dos domínios da plausibilidade que tal cenário possa emergir dos destroços de um conflito sangrento.
5. Putin deposto
E o próprio Vladimir Putin? Quando lançou sua invasão, declarou: “Estamos prontos para qualquer resultado”. Mas e se esse resultado fosse ele perder o poder?
Pode parecer impensável. No entanto, o mundo mudou nos últimos dias, e essas coisas agora são aventadas atualmente.
Lawrence Freedman, professor emérito de Estudos de Guerra no Kings College, no Reino Unido, escreveu esta semana: “Agora é tão provável que haja uma mudança de regime em Moscou quanto em Kiev”.
Mas talvez Putin se aprofunde uma guerra desastrosa. Milhares de soldados russos morram. As sanções econômicas mordam.
Putin perde apoio popular. Talvez haja a ameaça da revolução popular. Ele usa as forças de segurança interna da Rússia para suprimir essa oposição.
Mas isso se torna amargo, e membros suficientes da elite militar, política e econômica da Rússia podem acabar se voltando contra ele.
Nesse cenário, os EUA e a Europa deixam claro que, se Putin for substituído por um líder mais moderado, a Rússia verá o levantamento de algumas sanções e a restauração das relações diplomáticas normais.
Poderia haver um golpe sangrento no palácio, e Putin estaria fora do poder.
Novamente, isso pode não parecer provável agora. Mas pode não ser implausível se as pessoas que se beneficiaram de Putin não acreditarem mais que ele pode defender seus interesses.
Para concluir
Esses cenários não são mutuamente excludentes — alguns aspectos de cada um podem se combinar para produzir resultados diferentes.
Mas, independentemente do desenrolar desse conflito, o mundo mudou. Não voltará ao status quo de antes.
A relação da Rússia com o mundo exterior será diferente.
As atitudes europeias em relação à segurança serão transformadas, a exemplo da ampliação militar histórica anunciada pela Alemanha.
E a ordem internacional baseada em normas e regras pode redescobrir para que ela servia inicialmente.