Mark Malloch-Brown, presidente da Open Society Foundations (OSF) com a ativista indígena Txai Suruí. A Open Society está intensificando o apoio à economia da “floresta em pé” (standing forest)
Foundations (OSF) deve anunciar US$ 15 milhões de investimentos voltados para negócios sustentáveis na Amazônia
Eduardo Graça — São Paulo
14 Maio 2023
O Globo
Presidente global da Open Society Foundations (OSF) e amigo próximo de seu idealizador, o bilionário húngaro-americano George Soros, o inglês Mark Malloch-Brown, 69 anos, chega ao Brasil esta semana. No Rio e em Brasília, se encontrará com parceiros da sociedade civil apoiados pela fundação filantrópica — Instituto Marielle Franco, Coalizão Negra por Direitos, Redes da Maré, Conectas, Igarapé, Instituto Clima e Sociedade, entre outros — e com os ministros da Justiça, Flavio Dino; da Gestão e Inovação, Esther Dweck; dos Povos Originários, Sonia Guajajara; e da Igualdade Racial, Anielle Franco. Também anunciará investimento de US$ 15 milhões do Soros Economic Development Fund em um outro fundo, voltado para o desenvolvimento de negócios sustentáveis na Amazônia.
O ex-ministro trabalhista na gestão Gordon Brown no Reino Unido conhece bem a realidade brasileira. Foi interlocutor dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva quando comandou o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e brinca que um de seus “arrependimentos” é de, quando se dedicava à consultoria política, jamais ter trabalhado com candidatos no Brasil.
Número dois do ganês Kofi Annan (1938-2018) na ONU na virada do milênio, o diplomata é observador privilegiado do xadrez político global. Ele lamenta a “falta maciça de liderança” hoje no mundo ocidental e vê o Brasil, “democracia não alinhada com protagonismo climático”, como crucial para a afirmação dos valores democráticos frente ao avanço de modelos autocráticos como o da China.
Quais os principais objetivos de sua vinda ao Brasil?
Conversar com a sociedade civil após a vitória da democracia nas eleições do ano passado. Vitória imensa e ao mesmo tempo apertada. É preciso seguir vigilante. A tentativa de golpe em Brasília não foi bem-sucedida também por conta da força do governo eleito, mas é importante estar ciente de que os antidemocratas não desapareceram. Após uma vida pautada pela defesa da democracia, encaro críticas aos processos eleitorais de olho no que significam a longo prazo.
Como assim?
O Brasil tem, hoje, a meu ver, a melhor e mais sólida estrutura eleitoral do planeta. E quem afirma isso mergulhou a fundo em sistemas políticos mundo afora. A qualidade da tecnologia usada nas eleições brasileiras, e o investimento contínuo, são incomparáveis. A Justiça Eleitoral, idem. As críticas disseminadas feitas nas eleições do ano passado são fruto da propagação da desinformação. E a violência da retórica, dos dois lados, contribuiu para aumentar o número de pessoas questionando um sistema de integridade exemplar.
Uma das frases-símbolo usadas pelo novo governo é a de que “o Brasil está de volta”. O senhor concorda?
Vou me ater ao cenário externo, pois terei uma visão melhor das políticas públicas internas quando chegar aí. Daqui de Londres, concordo: o Brasil está de volta. Em cinco meses de governo, Lula viajou para Argentina, EUA, China, União Europeia e Reino Unido. O desafio é, de certa maneira, reembalar a mensagem para tempos que são definitivamente outros.
De que maneira?
A movimentação do Sul Global não alinhado segue imensamente relevante, com capacidade de injetar necessária renovação no tabuleiro global. Este é o primeiro momento, desde as últimas décadas da Guerra Fria, em que os países em desenvolvimento buscam, de modo decisivo, a partir de seus interesses nacionais, exercer independência real entre o Ocidente e a recente parceria estratégica de China e Rússia. Isso é bom. Mas a agenda Sul-Sul também mudou. Antes, era pautada por diferenças estruturais político-econômicas. Agora, os horizontes apontam para segurança nacional, clima e desenvolvimento sustentável com tecnologia. A Amazônia, claro, torna o Brasil um dos líderes globais naturais no clima.
No Brasil, o senhor anunciará um investimento da OSF na Amazônia, certo?
Sim, os detalhes finais estão sendo traçados. O montante (US$ 15 milhões) é parte de um pacote maior de apoio, nos próximos anos, que daremos a políticas públicas e à sociedade civil brasileiras. Esperamos que este primeiro investimento chame positivamente atenção para as possibilidades de iniciativas semelhantes de outros investidores.
O senhor citou segurança nacional como um dos horizontes no novo cenário global. Como vê a movimentação de Brasília no confronto Rússia-Ucrânia?
A dificuldade com a fala de Lula na China foi que ela poderia traduzir um endosso à invasão russa, de que era imparcial sobre como terminar o conflito, mas não sobre os fatos que o causaram. A neutralidade não é, por si só, no entanto, algo ruim. Aplaudo a afirmação de independência do Brasil, se posicionando assim para ajudar de fato na busca de um cessar-fogo.
O senhor teve posições de destaque em instituições multilaterais, como o Banco Mundial, que ajudaram a moldar o planeta na segunda metade do século XX. Elas ainda têm a mesma importância?
O peso diminuiu muito com o aumento do investimento privado, das reservas domésticas e da força de bancos nacionais e regionais de desenvolvimento. Elas precisam ser reestruturadas, abandonar a mentalidade colonizadora pela cooperativa. Mas a perda de relevância de instituições multilaterais, ainda que imperfeitas, é um problema de grandes proporções. Entre as tendências hoje no jogo diplomático se destacam a desconfiança do Sul Global em relação ao Norte, complicada pelo antagonismo entre EUA e China, e o declínio das democracias. Em março, a Freedom House registrou 17 anos seguidos de contração democrática mundial. O Brasil, democracia não alinhada e com protagonismo climático, será crucial nessa equação. A eleição de Lula, e ele ser quem é, o catapultou à posição natural de liderança democrática global. Sua defesa, alta e clara, dos valores democráticos, será fundamental.
Há escassez de liderança no Ocidente?
Sim. Uma ausência maciça. Mas as circunstâncias também fazem líderes emergirem. (O presidente francês Emmanuel ) Macron tem real ambição em se tornar protagonista global. Ele, no entanto, pena internamente, sem maioria no Legislativo e com oposição ferrenha à reforma da Previdência, e externamente, percebido como alguém incapaz de falar por toda a Europa. Hoje, o principal líder ocidental é (o presidente americano) Joe Biden, que conseguiu unir o Ocidente em torno da Ucrânia.
As pesquisas indicam que ele enfrentará o ex-presidente Donald Trump nas eleições do ano que vem. Como o cenário global mudaria em caso de derrota de Biden?
A vitória de Trump teria enormes consequências para absolutamente tudo que tratamos nesta entrevista. A disputa nos EUA será sobre a democracia, mas também sobre o New Green Deal de Biden, sua tentativa de reinvenção do papel do Estado na economia. O modelo Thatcher-Reagan não oferece soluções para um mundo muito diferente daquele dos anos 1980, com problemas globais incontornáveis como o da crise climática. Creio que estamos entrando em um novo período de ativismo na esfera do poder público que fará surgir naturalmente novas lideranças globais.
Nota DefesaNet
Série de postagens da visita de Malloch-Brown ao Brasil