Cinco mentiras que contaram para você sobre o agronegócio
02 Novembro 2021
Gazeta do Povo
Some as áreas de 16 países: França, Alemanha, Espanha, Portugal, Itália, Grécia, Eslovênia, Eslováquia, Áustria, Holanda, Bélgica, Liechtenstein, Dinamarca, Polônia, Reino Unido e Irlanda. Este é o equivalente ao território preservado pelas fazendas brasileiras.
A comparação foi produzida pela Embrapa Territorial, que cruzou dados do Censo Agropecuário 2017 e do Sistema Nacional do Cadastro Ambiental Rural (SiCAR) de fevereiro de 2021 para concluir que o agronegócio preserva 282,8 milhões de hectares de vegetação nativa, o que representa 33,2% do território brasileiro.
O dado contradiz um mito muito repetido, o de que os grandes produtores agropecuários destroem biomas em sua sede por mais espaço para o plantio e o gado. Existem muitas outras informações desencontradas sobre o setor. Conheça agora cinco mentiras que contaram a você sobre o agronegócio.
1. “O agro é responsável pelo desmatamento da Amazônia”
“Muitos estudos ecológicos da agricultura brasileira interessam-se apenas pelo impacto ambiental dos sistemas de produção, sem considerar as áreas não exploradas e mantidas em vegetação nativa pelos produtores rurais, com as quais as áreas produtivas interagem”, defende, em artigo sobre o tema, Evaristo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial e doutor em ecologia pela Universidade de Montpellier.
Na verdade, não é produtivo para os grandes produtores desmatar terras para aumentar a produção. Eles seguem uma estratégia diferente: investem em tecnologia para aumentar a produtividade das terras que já têm. Com base nesse esforço, vêm encontrando formas de integrar diferentes sistemas na mesma propriedade.
Pesquisada pela Embrapa há 20 anos, a chamada integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) está em franco crescimento no Brasil, inclusive na Amazônia. Consiste, nas palavras do órgão, “da utilização de diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área. Pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades”. Assim, permite usar melhor os insumos e diversificar a produção, sem derrubar uma árvore sequer.
“Responsável por desmatamento é o criminoso ilegal, que precisa ser preso, julgado e apresentado à sociedade e não ser misturado com os verdadeiros produtores e produtoras rurais”, diz José Luiz Tejon, especialista em agribusiness.
2. “A maior parte da comida do brasileiro vem da agricultura familiar”
Enquanto o agronegócio produz insumos que nem sempre se dedicam à alimentação humana e podem ser voltados, por exemplo, para sustentar a pecuária, a agricultura familiar gera 70% de toda a comida consumida pelas pessoas. Essa afirmação é repetida com frequência, há mais de dez anos. Mas nem por isso se tornou verdadeira.
Em 2006, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) produziu um Censo Agropecuário que buscou medir o impacto da agricultura familiar. Concluiu que, naquele ano, esses produtores foram responsáveis por produzir 33% do arroz em casca, 69,6% do feijão, 83% da mandioca, 45,6% do milho em grão, 14% da soja, 21% do trigo e 38% do café em grão.
Mas o levantamento considerou que a melhor forma de avaliar a participação do setor é calcular o valor anual dessa produção. E, naquele ano, a agricultura familiar gerou R$ 54,5 bilhões, 33,2% do total. É expressivo, mas menos de metade dos alardeados 70%.
Um problema de toda essa argumentação é: como definir a agricultura familiar? Afinal, produtores familiares são integrados ao agronegócio. O IBGE produziu a estimativa considerando uma série de critérios, incluindo limites de área, de uso de mão de obra, de origem da renda familiar e de gestão da propriedade. Outros pesquisadores usam outros critérios, que ampliam a base de dados e, por isso, permitem chegar a conclusões diferentes, que dão a entender, de forma artificial, que pequenos produtores é que sozinhos alimentam o país.
“A comida do brasileiro vem de todos os produtores. Os grandes, os médios e os pequenos são famílias”, avalia José Luiz Tejon. “Agronegócio é um casamento indissolúvel entre agricultores de todos os portes com agroindústria de todos os portes”.
3. “Usa-se muito agrotóxico no campo”
Todos os anos, cada brasileiro é envenenado por 5 litros de agrotóxicos. De onde surgiu este número? “Essa conta é resultado de uma série de erros conceituais produzidos com má-fé”, responde o jornalista Nicholas Vital, autor do livro Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo. “Considera que são usados no Brasil 1 bilhão de litros de agrotóxicos por ano, mas ignora o fato de que ele é diluído em água. Alguns produtos têm diluição de 5 gramas em um tanque de mil litros de água”.
Além disso, muitos produtos não são aplicados a plantas que os humanos usam para se alimentar. “O glifosato, por exemplo, é um dos agroquímicos mais usados no país e serve para matar o mato em volta a plantação. Não tem contato com as culturas em si”.
Vital lembra que o termo “agrotóxico”, que não tem paralelo em outros idiomas, é enganoso. “Em outros lugares, é chamado de ‘pesticida’, porque funciona para combater pragas. Quando é aplicado nas plantas, funciona como um remédio, que não se acumula no sistema dos vegetais”. O problema dos pesticidas está na aplicação incorreta, diz Tejon: “Quando utilizados da forma recomendada, eles são seguros”.
4. “Alimentos orgânicos são mais saudáveis”
Não existe nenhuma comprovação científica dessa afirmação. “Quem defende essa ideia geralmente tem algum interesse paralelo com o mercado de comida orgânica”, afirma Nicholas Vital. “Os alimentos orgânicos não têm mais nutrientes, nem são mais saborosos. Até porque eles utilizam algum tipo de produto, de origem não explicada e eficácia não comprovada, para matar pragas. E, se mata pragas, é químico, mesmo que tenha origem na natureza”.
A forma mais adequada de eliminar pragas e melhorar a saúde das plantas, reduzindo o uso de pesticidas, é outra: desenvolver sementes transgênicas. Essas, sim, e não os alimentos orgânicos, têm potencial para alimentar o planeta com qualidade, num cenário em que a população mundial vai continuar crescendo precisamente nas regiões mais pobres.
5. “Antibióticos e hormônios usados em animais são nocivos para seres humanos”
Toda vez que uma pessoa come carne de frango, está ingerindo uma grande quantidade de hormônios, correto? A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) fez essa pergunta aos consumidores, e 72% responderam que sim. Mas a resposta é “não”.
O fato de que o animal cresce e de desenvolve em pouco mais de 40 dias é resultado de melhoramento genético e seleção artificial, conduzida pelos produtores. O Brasil proíbe o uso de hormônios ou quaisquer outras substâncias, naturais ou artificiais, para acelerar engorda ou crescimento, em qualquer espécie animal criada para consumo.
Antibióticos, por sua vez, são liberados, até para preservar a saúde dos animais. Mas o uso é controlado, com quantidades restritas, e não há qualquer comprovação científica de que as substâncias se acumulem na carne – elas são expelidas pelo próprio organismo dos animais.