A presença de soldados brasileiros nas ruas do Haiti, mesmo sem blindados, e o estabelecimento de um contato direto com a população local estão entre os motivos do sucesso da participação nacional da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) naquele país, segundo afirmou nesta segunda-feira (21) o general-de-brigada Luiz Guilherme Paul Cruz, em audiência pública promovida pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).
– Estar lá a pé fez a diferença. Conhecer dona Maria, seu José, saber do que precisam, criar confiança. A intensidade de nossa presença diuturna, a qualquer hora, fez a diferença. Presença a pé, não de blindado – ressaltou Cruz, na última audiência do ano do terceiro ciclo de palestras sobre os Rumos da Política Externa Brasileira (2011-2012), presidida pelo senador Fernando Collor (PTB-AL).
O general informou que mais de 32 mil militares brasileiros já participaram de missões de paz no exterior – somente neste ano, 2.239 militares estão envolvidos com as missões da ONU. Os soldados, como observou, passam por seis meses de treinamento, que incluem estágios preparatórios antes de chegar ao local da missão. O apoio logístico dos soldados brasileiros, prosseguiu o militar, permitiu a realização de eleições que levaram à escolha do novo primeiro-ministro do Haiti, em uma demonstração de estabilidade democrática.
A boa relação dos soldados brasileiros com a população do Haiti também foi lembrada pelo chefe da Divisão de Paz e Segurança Internacional do Ministério das Relações Exteriores, ministro Norberto Moretti. Em sua opinião, a preocupação dos soldados brasileiros de ir "além do uso da força" é vista com simpatia pela população brasileira e ajuda a conceder legitimidade – já garantida pela Constituição federal – à presença militar brasileira naquele país.
– A legitimidade das operações de paz se funda na lei e nos comportamentos. Se repararmos o comportamento de nossas forças e o tipo de atividade em que elas estão envolvidas, especialmente no Haiti, vamos ver que vão muito além de funções militares e incluem engenharia militar, programas de redução de violência e ações de assistência direta à população. É evidente que há uma preocupação de nossas forças de não só interagir com a população, mas se por a serviço da população – disse Moretti.
O diretor do Instituto de Aeronáutica e Espaço, brigadeiro-engenheiro Francisco Carlos Melo Pantoja, citou a importância do setor aeroespacial em programas de manutenção da paz. Ele recordou que não existe operação de paz sem conhecimento de condições meteorológicas. Como muitas vezes as operações ocorrem em ambientes inóspitos e de pouca população, essa informação só pode ser obtida por meio de satélites meteorológicos. Ele ressaltou ainda a importância de satélites de comunicações e de controle de tráfego aéreo.
– Continuaremos a ter missões de paz, com necessidade grande de ferramentas tecnológicas. Em ambientes que são os mais diversos possíveis, necessitamos de uma ferramenta espacial – afirmou Pantoja, após traçar um histórico das conquistas do setor aeroespacial brasileiro, como o lançamento de mais de 400 foguetes e a existência, no Brasil, de 177 empresas do setor aeroespacial.
Por sua vez, o presidente da Helibras, Eduardo Marson Ferreira, lembrou a importância dos helicópteros em operações de paz e de ajuda à população civil em momentos de catástrofes naturais. Ele informou que se encontra em andamento um programa conjunto das Forças Armadas brasileiras para a aquisição de helicópteros, que, a seu ver, ajudará a construir uma "indústria completa de helicópteros" no Brasil.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) defendeu a presença brasileira na Missão de Paz da ONU no Haiti. Para ele, essa presença "afirma o Brasil no cenário internacional". Ao comentar o histórico do programa especial feito pelo brigadeiro Pantoja, porém, ele lamentou que, na mesma semana em que o Brasil celebrava a retomada do controle da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, a China promovia sua primeira missão de acoplamento de naves no espaço. Em resposta, Pantoja observou que a China investe por ano no setor espacial o dobro do que o Brasil já investiu em toda a sua história.
O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) ressaltou a necessidade de união de civis e militares em torno dos grandes objetivos nacionais. Ele citou a necessidade de reconstrução do projeto do foguete brasileiro conhecido como Veículo Lançador de Satélites (VLS), interrompido após acidente ocorrido em 2003.
– Há uma separação de objetivos militares e civis, como se ainda vivêssemos situações separadas. Essa falta de enlace é dramática. O VLS não é um problema da Aeronáutica, mas do Brasil – alertou Arruda.
O comentário foi apoiado por Fernando Collor ao encerrar a audiência.