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TC Gerson R Baeto – O Dualismo Antitético de um Decreto Inteligente Perante um Comentário Néscio

Gerson Rossetto Baeto

Tenente-Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Bacharel e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Bacharel em Direito pela Universidade Camilo Castelo Branco. Pós Graduação em Filosofia pela Universidade Estácio de Sá. Analista de Inteligência de Segurança Pública.

No dia 04 de abril de 2019 o Governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, por meio do Decreto nº 46.333/19, dispôs sobre a estrutura do Sistema de Inteligência de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (SISPERJ).

Segundo essa norma, o objetivo do SISPERJ é “executar a atividade de Inteligência de Segurança Pública” sob a Chefia do Secretário de Estado de Polícia Civil, e, o novel Sistema será multiagência, – é o que se subsume ao analisar trecho do Decreto que discorre sobre o fato de o sistema passar a ser “integrado por Agências de Inteligência Efetivas, Especiais e Afins”.

Diante deste cenário é possível constatar um dualismo de temáticas que, em nosso sentir, são antitéticos, visto que uma das propostas é salutar e sempre bem-vinda por tratar e propor a integração entre órgãos em uma clara atuação de interoperabilidade que é muito saudável, em especial, quando o tema é Segurança Pública. No entanto, há no bojo da norma uma questão que pode levar à bancarrota todo esse esforço de integração proposto pelo Decreto, que é o fato de a Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (SSINTE/SEPOL/RJ) assumir como o órgão Central de Inteligência do SISPERJ (parágrafo único do artigo 3º do Decreto nº 46.333/19).

Discorrendo inicialmente acerca da proposta de integração — que é muito bem recebida por todos os Operadores de Segurança Pública — é imperioso lembrar que o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), instituído por força da Lei nº 13.675/18, em seu artigo 1º, prevê o SUSP com “a finalidade de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada (grifo nosso) dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade”. Nessa esteira, o Ministério da Justiça criou, recentemente, a Secretaria de Operações Integradas (SEOPI) cuja principal função é a de “promover a integração das atividades de inteligência de segurança pública (grifo nosso), em consonância com os órgãos federais, estaduais, municipais e distrital”.

A Política Nacional de Inteligência — “documento de mais alto nível de orientação da atividade de Inteligência no País” —, fixada pelo Decreto nº 8.793/16, também prevê que os Órgãos de Inteligência deverão se dispor a “uma atuação coordenada” (grifo nosso) que dependerá “do compartilhamento oportuno de dados e conhecimentos entre os diversos organismos estatais” (grifo nosso).

Vale destacar que, apesar de todo um movimento positivo que existe no sentido de que a integração é o melhor caminho para a Segurança Pública, conforme disposto acima, infelizmente, alguns pensam em contrário, inclusive há professores que negam o conhecimento e o acesso à Atividade de Inteligência por parte da Polícia Militar. A manifestação de professores que defenderam a inconstitucionalidade do ato normativo imposto pelo Governador do Rio de Janeiro surgiu no Portal Consultor Jurídico (https://www.conjur.com.br/2019-abr-05/decreto-rio-inclui-pm-inteligencia-inconstitucional).

Obviamente que opiniões adversas devem ser levadas em conta, mas, tais reflexões também podem ser contraditadas, pois, a refutabilidade é um dos elementos intrínsecos ao próprio conceito de “ciência”.

Neste sentido, a pergunta que vem a lume é: qual seria o motivo de professores se oporem a participação da Polícia Militar na Atividade de Inteligência?

A resposta parece ser simples, – mero desconhecimento -, pois, só desta forma se explica a negação da importância da Inteligência para as Polícias Militares, ou, mais que isso, não reconhecem a importância das Polícias Militares para a Atividade de Inteligência, principalmente se considerada a sua capilaridade, mobilidade e capacidade de obtenção de dados e informações relativos à segurança pública, em especial, por ser a Instituição que está na ponta da linha realizando sua missão de Preservar a Ordem Pública e, desta forma, em contato direto com a população — fonte inesgotável de informações.

É cediço que os professores não desconhecem as normas jurídicas, no entanto, são néscios quando o tema é voltado à Inteligência de Segurança Pública pelo simples fato de confundirem Investigação com Inteligência. Sabem bem sobre as normas do direito, embora, sequer conhecem a importância dos “12 espias” para a Atividade de Inteligência.

A busca de provas para subsidiar a persecução penal não é objetivo da Atividade de Inteligência – sua atuação, de acordo com a Política Nacional de Inteligência (Decreto nº 8.793/16) visa a “produção e difusão de conhecimentos, com vistas ao assessoramento das autoridades governamentais nos respectivos níveis e áreas de atribuição, para o planejamento, a execução, o acompanhamento e a avaliação das políticas de Estado”.

A visão central da Inteligência não é a busca por provas, e sim, o assessoramento por meio da obtenção de dados e informações disponíveis. É o que se dessume da Lei nº 9.883/99, sobre o conceito de Inteligência: “atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado”.

Poderia alguém, neste momento da discussão, arguir que a temática não é a Inteligência, propriamente dita, mas, uma de suas formas de atuar que é a Inteligência voltada para a segurança pública. Ora, nada muda, — salvo o fato de que nesta atividade as ações são voltadas à obtenção de conhecimentos relativos e de interesse da Segurança Pública e não aqueles voltados a políticas de Estado —, visto que a conceituação da chamada Inteligência de Segurança Pública, por força da Resolução nº 1, de 15 de julho de 2009, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), que regulamenta o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, é uma atividade que produz “conhecimentos e informações que subsidiem planejamento e execução de políticas de Segurança Pública, bem como ações para prevenir (grifo nosso), neutralizar e reprimir (grifo nosso), atos criminosos de qualquer natureza, de forma integrada (grifo nosso), e em subsídio à investigação e à produção de conhecimentos”. Nota-se que, pelos termos empregados, tais como, “reprimir” e “investigação”, a priori, nos remete a atuação repressiva da polícia investigativa, enquanto que as terminologias “prevenção” e “produção de conhecimento” nos direcionam a uma ação preventiva, típica das Polícias Militares.

A investigação criminal é conduzida pelo modelo de persecução penal previsto e regulamentada na norma processual própria e atuando sobre fatos passados para a obtenção de provas a partir de uma “linha de investigação”. Já a atividade de Inteligência tem como objetivo, em face do ciclo de produção de conhecimento, produzir dados e informações para o assessoramento, a partir de fatos passados, presentes e, até mesmo, realizando estimativas sobre a possibilidade de eventos ocorrerem, de determinado modo, no futuro.

Não se trata, neste caso, de mera “futurologia”, mas, de uma análise técnica de dados e informações que permitem ao analista de inteligência traçar este vaticínio, semelhantemente, ao que faz um analista político ou econômico que, baseando-se no que sabe, pode opinar com certo grau de certeza sobre a ocorrência de determinado fato.

A partir desta reflexão é nítido que a Atividade de Inteligência não se confunde com Investigação, pois que esta, por seu prisma, é mais invasiva no que diz respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, tanto que, em muitas de suas ações é imperiosa a autorização do Poder Judiciário. Na Inteligência o que se busca é o dado negado em fontes disponíveis.

Passando agora a discorrer sobre a proposta que pode criar uma cisão no cerne do SISPERJ que é a de colocar a Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (SSINTE/SEPOL/RJ) como órgão central do Sistema. Cabe frisar que tanto a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) quanto a SENASP são os Órgãos Centrais, respectivamente, do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP), basicamente pelo fato de não trabalharem com outros órgãos concorrentes, sendo os integrantes do “Sistema” organizações que vão colaborar em prol do todo e não concorrem com o SISBIN, tampouco com o SISP.

Tal fato não ocorre na SISPERJ, pois, tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil, apesar de terem atribuições diferentes, concorrem no mesmo espectro, qual seja, o da Segurança Pública. Desta forma, não seria inteligente, sob pena de interromper o fluxo de dados e informações que aportam no órgão central (SSINTE/SEPOL/RJ) da inteligência do RJ, que este órgão tenha no centro apenas uma das polícias que atuam no âmago da Segurança Pública.

A melhor opção seria se fosse utilizado, como um benchmarking, o que foi realizado na inteligência de São Paulo, pois, o Estado possui um órgão central de Inteligência de Segurança Pública, o CIISP (Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública) — no entanto, mantém preservadas as atribuições do Centro de Inteligência da Polícia Militar e o Departamento de Inteligência da Polícia Civil. Criado por força do Decreto nº 58.913/13, que prevê como uma de suas finalidades principais a articulação e a integração das atividades voltadas à Segurança Pública, o que se depreende ao analisar o artigo 1º, III, da norma de criação do CIISP: “articular e integrar as atividades de inteligência de segurança pública no âmbito do Estado, de forma cooperativa, respeitadas as ações de planejamento e execução dos respectivos órgãos que o integram”.

Como é um órgão integrador, o CIISP é constituído de um Conselho Gestor, que é um instrumento plural composto pelos atores descritos no artigo 3º do mencionado Decreto (Secretário da Segurança Pública, Secretário da Administração Penitenciária e seus respectivos Adjuntos, Delegado Geral, Comandante Geral da PM e o Coordenador Técnico), cabendo a este conselho, entre outras coisas, “formular a política de inteligência de segurança pública do Estado de São Paulo”.

A figura de um Coordenador Técnico, como o nome diz, é um “elemento neutro”, e técnico, que vai gerenciar as atividades, pois, é cediço que quem coordena não detém o comando, mas, organiza os recursos disponíveis e deve, no caso do Coordenador do CIISP, respeitar as ações definidas pelo Conselho Gestor.

Esse modelo coordenado de Inteligência de Segurança Pública no qual as instituições policiais têm a sua atividade específica preservada de acordo com a sua missão constitucional, permitiu que ao longo dos últimos anos, fosse desenvolvida uma cultura de análise de inteligência no Estado.

No caso em particular da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a sedimentação doutrinária dessa cultura com o foco na polícia de segurança e ordem pública, que se materializa por meio do Programa de Policiamento Inteligente (PPI), da produção e difusão sistemática dos Objetos de Análise de Inteligência (OAI) e do uso de ferramentas tecnológicas, dentre outros, contribuiu para o sucesso na prestação de serviços à sociedade com a redução sistemática dos indicadores de crime e de violência, especialmente os homicídios, que apresentam uma redução consistente e que hoje possui uma taxa de 6,7 mortes por grupo de 100 mil habitantes, número significativamente menor que a taxa do Brasil que hoje está em torno de 30 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência de 2018. Portanto, a média brasileira é mais de quatro vezes superior à taxa paulista.

Comparados o primeiro bimestre de 2018 e 2019, é possível verificar queda em todos os indicadores criminais contabilizados pela Secretaria de Segurança Pública, no seguinte percentual de redução:

 

– latrocínios -35,6%;

– roubos de carga -19,5%;

– roubos de veículos -16,7%;

– furtos de veículos -11,2%;

– roubos -10,8%;

– homicídios dolosos -3,4%;

– furtos -1,6%;

– roubos a banco – 62,5% (neste caso, queda em valores absolutos de 5 eventos, de 8 registros no 1º bimestre de 2018 para 3 no mesmo período de 2019), e,

– finalmente, os estupros reduziram 0,8%.

Nota-se que dos 9 indicadores, 6 deles tiveram redução significativa, com queda superior a 10% no período em análise.

Em que pese os resultados positivos, infelizmente, enquanto a Segurança Pública e, em particular, sua Atividade de Inteligência for discutida por néscios que acabam ganhando repercussão em alguns meios de comunicação pregando, por claro desconhecimento, uma cisão nas atividades desenvolvidas por ela ao confundir temas imiscíveis como Investigação e Inteligência, e com isso retardando o aperfeiçoamento dos órgãos policiais, brevemente o país ultrapassará a barreira de 65 mil mortos ao ano e as Organizações Criminosas vão proliferar ainda mais

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