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Rússia usa na Ucrânia lições do colapso soviético e da guerra na Geórgia

O presidente russo, Vladimir Putin, descreveu a invasão da Ucrânia por seu país como uma "operação militar especial". Mas desde o início, esta não foi uma campanha militar restrita e limitada.

A operação foi chamada por alguns de "Operação Z", com base nas marcas distintivas da letra "Z" que se vê nos veículos militares e de apoio russos.

E é a maior e mais complexa campanha militar organizada por Moscou desde a invasão do Afeganistão em 1979. É também a primeira oportunidade que o mundo tem de ver toda a potência da nova máquina militar da Rússia — uma força de combate profissional modernizada que foi completamente renovada desde a guerra da Rússia com a Geórgia em 2008.

Apesar de terem vencido esta guerra, os russos foram muito críticos em relação ao seu desempenho em combate e embarcaram em uma campanha de modernização da defesa que durou uma década, impulsionada por um aumento expressivo nos gastos militares de cerca de US$ 700 bilhões.

Mas o que a Rússia aprendeu militarmente com este conflito e como este aprendizado está se refletindo no campo de batalha na Ucrânia?

A força Z e comandos chechenos

A atual ofensiva russa está sendo conduzida por dois novos grupos do Exército de "armas combinadas" nos distritos a oeste e sul do país, perto da fronteira com a Ucrânia, que foram criados após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.

Estas forças integram diferentes braços das forças armadas — como blindados, infantaria, mísseis e artilharia, aviação e engenharia — e foram priorizadas na campanha de reforma do Exército.

A onda inicial de invasão das forças russas foi composta por cerca de 60 grupos de batalhões táticos (até 60 mil pessoas), assim como tropas de elite de paraquedistas e forças de operações especiais, o ramo de aviação de longo alcance da força do espaço aéreo (que realiza ataques nucleares ou convencionais), e a marinha russa.

Além disso, os russos utilizaram as chamadas milícias populares das regiões separatistas de Donetsk e Luhansk — dois corpos do exército formados por cerca de 40 mil pessoas, como sua principal força de ataque no leste da Ucrânia.

Assim como na Síria, os russos também estão usando unidades de operações especiais para realizar missões de reconhecimento, organizar operações de sabotagem atrás das linhas inimigas e atingir líderes políticos e militares importantes, incluindo possivelmente o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Também vale destacar o uso extensivo, por parte dos russos, de unidades de comando especiais chechenas, popularmente chamadas de kadyrovtsy.

Os kadyrovtsy ficaram conhecidos como combatentes aguerridos, endurecidos pela guerra, altamente motivados e implacáveis. E são frequentemente usados ??para causar medo nas forças adversárias.

As unidades chechenas apoiaram a maioria das campanhas militares recentes da Rússia no exterior, incluindo as no Líbano, Geórgia e Síria.

Em 2014-15, alguns "voluntários" chechenos lutaram ao lado dos separatistas pró-Rússia no leste da Ucrânia.

Na guerra atual, os kadyrovtsy provavelmente serão usados em operações urbanas e durante "varreduras de segurança" sistemáticas dentro dos territórios ocupados pela Rússia, o que sem dúvida resultará em inúmeras detenções e perseguições.

Objetivos militares russos até agora

A primeira fase da ofensiva se concentrou em vários objetivos militares, incluindo:

– Múltiplas ondas de ataques coordenados de mísseis de cruzeiro e ataques de artilharia contra a infraestrutura militar da Ucrânia (incluindo aeródromos, instalações de radar, quartel-general do comando e inteligência militar, depósitos de munição, refinarias de petróleo e instalações militares e navais)

– Ataques cibernéticos em larga escala e guerra eletrônica.

– Ataques simultâneos de paraquedistas e incursões de forças especiais no interior da Ucrânia, incluindo a captura do aeródromo de Hostomel, de importância estratégica, nos arredores de Kiev.

– Um amplo ataque frontal em Donetsk e Luhansk destinado a envolver as forças ucranianas em uma luta defensiva prolongada.

– Um bloqueio naval parcial dos portos ucranianos.

– A captura de várias cidades ucranianas.

Embora os russos tenham enfrentado uma forte resistência das forças ucranianas, eles contam com vantagens cruciais no campo de batalha, incluindo superioridade aérea e o controle de algumas zonas estratégicas.

O avanço militar simultâneo em várias frentes obrigou também as forças armadas ucranianas a responder de forma mais esporádica e se concentrar nas operações defensivas, especificamente nos grandes centros urbanos.

Lições do conflito na Geórgia

Um ataque de várias frentes usando sistemas de combate sofisticados não foi possível na guerra de cinco dias da Rússia com a Geórgia em 2008.

Embora a Rússia tenha vencido a guerra rapidamente, sofreu perdas significativas.

O conflito revelou deficiências gritantes em suas forças armadas, que eram em grande parte um resquício dos dias da União Soviética.

Por exemplo, os militares russos mal usaram munições de alta precisão ou mísseis de cruzeiro no conflito.

Em vez disso, se viram obrigados a usar aeronaves táticas e estratégicas em resposta a uma forte defesa aérea georgiana, que derrubou vários aviões russos.

Na Ucrânia, a Rússia conta agora com ataques de longo alcance e alta precisão — a partir do ar, do mar e da terra —, que minimizam os riscos para as aeronaves russas.

Na Geórgia, os velhos tanques e veículos blindados russos entraram nas principais áreas urbanas e foram forçados a se envolver em longas batalhas de rua.

Houve outras falhas logísticas a caminho do conflito, com muitos veículos quebrando ou se acidentando nas estradas.

Na Ucrânia, as forças russas tenderam inicialmente a cercar as principais cidades na tentativa de pressionar os militares ucranianos a se retirarem.

Os russos também estão intensificando seus ataques com mísseis e ataques aéreos contra alvos urbanos.

E, em 2008, os russos pouco podiam fazer para impedir que os EUA atracassem um navio de guerra em um porto do Mar Negro, como uma demonstração de força perto do palco da guerra.

Agora, grupos de batalha navais russos no Mediterrâneo oriental estão efetivamente dissuadindo as frotas americanas e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de pressionar os russos em território ucraniano.

O que pode acontecer a seguir?

Os russos e os ucranianos concordaram em conversar na fronteira entre Belarus-Ucrânia, mas a Rússia diz que não interromperá sua ofensiva.

Na verdade, o anúncio repentino de que estava colocando suas forças de dissuasão nuclear em alerta máximo indicou uma disposição para intensificar sua ofensiva militar.

O Kremlin está tentando impedir que o Ocidente apoie a Ucrânia e aplique uma forte pressão econômica sobre a Rússia.

Para acelerar seu avanço, é provável que os militares russos também recorram a outros recursos mortais, entre eles o TOS-1, um sistema de lança-chamas pesado capaz de disparar armas termobáricas.

Estas armas, que foram utilizadas pela Rússia nos conflitos da Chechênia e da Síria, usam oxigênio para gerar uma explosão de alta temperatura.

Então, o que pode acontecer a seguir do ponto de vista militar? Os objetivos da Rússia provavelmente serão:

– Solidificar seu controle estratégico sobre o território no leste da Ucrânia.

– Cercar e derrotar as forças ucranianas em Donetsk e Luhansk e tomar Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, que está sob ataque direto.

– Isolar a Ucrânia do resto do mundo com um bloqueio naval completo e a destruição dos aeródromos restantes, o que retardaria a aceleração da ajuda militar estrangeira.

– E o principal objetivo político: capturar a capital, Kiev, e instalar um regime pró-Rússia.

A crescente resistência dos militares ucranianos sem dúvida forçará os russos a intensificar o ritmo de suas operações.

Também devemos esperar que a fúria dos combates se desloque mais para as áreas urbanas.

Elevar as forças estratégicas de dissuasão nuclear da Rússia para o "regime especial de serviço de combate" (uma condição de quase guerra) também aumenta o risco de que a guerra vá além das fronteiras da Ucrânia.

*Alexey D Muraviev é professor associado de segurança nacional e estudos estratégicos na Universidade Curtin, na Austrália. Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

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