Rosângela Bittar
O ministro Marco Aurélio Mello, quando evita adjetivar os acontecimentos, principalmente se os terá que avaliar em juízo, aplica-lhes uma expressão que é primor da inocuidade: "São tempos estranhos"! Uma era que, agora, atingiu, de frente, o Supremo Tribunal Federal. Não se trata mais de condenar a judicialização da política ou politização do judiciário, seja lá o que signifique essa reiterada bobagem.
O STF é um poder político, que muitas vezes se desvia para intromissões partidárias, outras tantas manifesta-se apaixonado e sempre dividido. Deixou de ser, porém, o que seria a sua essência, o poder moderador, grande ausente desta crise que já sofre a irrecuperável falta de líderes que possam içar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para fora do poço.
Há ali os ministros populares, performáticos, que atuam para o público pagante na plateia forjados que foram numa advocacia bem animada, por anos. Há os doutos que, apesar do palavreado difícil, guardam um equilíbrio visível.
Ao se aterem mais às leis e à Constituição, dão a impressão de que são mais verdadeiros, menos contaminados pelas disputas das partes. Esses, infelizmente, estão contidos diante do turbilhão e do index de proibições. Há os que se definem só quando os casos já caminham para um desfecho, sem disposição para a briga.
E há tempos estranhos, como agora. Em que o STF, na aparência confundido com um aliado do novo poder controlador dos demais, exercido pelo Ministério Público, na verdade se revela medroso, incapaz de impor-se à força da corporação, incapaz de liderar a saída para uma opinião pública sem rumo, onde os procuradores vão beber sua criptonita.
Um momento bem diferente do que aquele em que a Lava-Jato estava nas mãos do ministro Teori Zavascki, cuja morte ainda é lamentada diariamente pelos que gostariam de ver o Supremo retomar a liderança do processo. O STF não é mais o poder moderador para liderar a saída.
Os ministros do Supremo não têm mais paciência para o contraditório, reagem irritados a pedidos de vista dos novatos e colocam o pé na porta, na marra, para antecipar seus votos e constranger os colegas. O ministro relator da Lava-Jato assume processos de outra origem e os mistura ao pacote, protagoniza ações mais inspiradas no temperamento do que no esperado equilíbrio.
Edson Fachin surgiu do nada como candidato dele mesmo a relator, feito até agora inexplicado, como tal alojou-se na segunda turma, onde é auxiliado por um juiz formado no método da equipe de Sergio Moro. Quando começou a perder votação nesse grupo, encontrou solução simplória, privou a turma de sua função, remeteu as decisões, até de habeas corpus, ao plenário, deixando perplexos até os que o apoiaram.
Fachin, por um mero despacho, sem consulta com seus pares, como a gravidade e a prática recomendam, aceita abertura de inquéritos, referenda delações, grampos, reconhecimento de escutas armadas até para provocar do presidente da República confissões de prática de crimes.
Crimes que, segundo perceberam advogados recentemente, os procuradores também ouviram mas nada fizeram, já que não era esse o objetivo. Os fins justificam os meios, é o que se conclui do método, embora, até ser deposto, seja quem for, o presidente é o chefe do Executivo, cuja chapa recebeu 54 milhões de votos.
Fachin aprovou o inquérito contra o presidente sem a perícia do grampo?deu à Polícia Federal, diante das reclamações, 30 dias de prazo para análise?sem perícia, permitiu que policiais e procuradores formulassem perguntas ao presidente da República, o que fizeram no tempo de uma semana. Ao presidente foram dadas 24 horas para responder a 82 questões.
Especialistas em atuação do Supremo, que acompanharam a Corte durante anos, e em diferentes governos, recusam a tese de que há uma aliança do STF com procuradores e polícia para exterminar a política e os políticos. Sua visão é que o Judiciário, assim como os demais poderes, está de cócoras.
Fachin obedece aos procuradores. O STF não está mandando, é mandado.
É também vítima da falta de quadros, de postura, de líderes e de coragem tanto quanto os demais poderes. Até os mecanismos de intimidação acionados contra quem critica abuso de autoridade, foram mobilizados para socorrer o ministro relator: o pedido da Câmara Federal de explicação sobre a participação da esperta JBS na campanha de Fachin, no Senado, para ser eleito ministro do Supremo, está sendo considerado lesa majestade.
Não interessa ao Ministério Público que fique exposto seu arranjo com os empresários goianos, corruptores confessos de dois mil políticos, hoje residentes nos Estados Unidos. O proprietário da Odebrecht foi torturado pela supressão da liberdade, por dois anos, para falar, e falou pouco. O proprietário da JBS foi adulado para produzir conversa com o presidente da República e delatar seus crimes, ouvidos sem reação pelos procuradores, sem um dia de prisão. O STF assinou embaixo.
Nada se tem feito em nome do estado de direito, o que a tudo determina é o que seu mestre mandar. As instituições ainda não ruíram, funcionam, mas não há líderes como os que, em outros tempos, puxavam o cordão para a saída.
Faltam nomes, como Ulysses Guimarães, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, Sepúlveda Pertence, Moreira Alves, Aliomar Baleeiro, Cezar Peluso, valores de diferentes épocas do Executivo, Legislativo, Judiciário e até do Ministério Público. Mesmo assim, o STF, até aqui, ainda era visto como instituição impermeável à dominação da propaganda e se mantinha no controle.
O STF já não é isso, menos ainda o poder moderador que falta a esta crise. Até novembro? Michel Temer não vai sair do cargo pela decisão do Tribunal Superior Eleitoral, seja ela contra ou a favor da legalidade da eleição da chapa Dilma-Temer.
Entre acórdãos, efeitos suspensivos, revisão de voto, embargos, o governo chegará, no mínimo, a novembro, com o Congresso aprovando medidas de seu interesse. Até com o voto dos partidos que vierem a abandonar a aliança e os cargos, mas já avisaram que continuarão a apoiar as reformas