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Qual é o poder militar da Rússia e a quem ela ameaça?

Jonathan Marcus

A julgar pela reação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em episódios como a anexação da península da Crimeia pelos russos e o apoio a separatistas no leste da Ucrânia, os passos russos estão sendo acompanhados com atenção.

Seus países membros analisam de perto o progresso das tropas do país rumo ao leste da Europa, a fim de tranquilizar aliados e dissuadir a Rússia de fazer qualquer movimento rumo a oeste.

A OTAN enviou unidades militares com a dimensão de um batalhão à Polônia e à cada uma das repúblicas bálticas que integravam a União Soviética: Estônia, Letônia e Lituânia. Os Estados Unidos também começaram a deslocar novamente unidades fortemente armadas para a Europa Ocidental.

Muitos temiam que, quando Moscou rasgou o manual de segurança da Europa pós-Guerra Fria ao tomar para si um pedaço da Ucrânia (como havia feito com a Georgia em 2008), as repúblicas bálticas pudessem ser os próximos alvos. A Rússia diz, no entanto, que suas ações são apenas respostas às da OTAN.

Na verdade, a realidade é mais complexa. Conversei com alguns dos maiores especialistas ocidentais sobre o Exército russo para entender o que há para determinar que tipo de ameaça que o país representa – e para quem.

"A Rússia gostaria que pensássemos que sua militarização é uma resposta à OTAN. Mas isso não é verdade", diz Keir Giles, diretor do Conflict Studies Research Centre, que reúne especialistas em segurança euroasiática), e provavelmente o principal analista britânico de assuntos militares russos.

"A reorganização e modernização militar em curso da Rússia, que são extremamente caras, e o programa de rearmamento já avançavam a todo vapor antes da crise da Ucrânia, quando os países da OTAN estavam esvaziando seus exércitos. Em 2013, os Estados Unidos retiraram todas as suas forças da Europa, enquanto a Rússia estava investindo milhões no reforço de seu poderio."

O analista Dimitri Gorenburg, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, aponta 2009 como marco inicial da modernização militar russa. Foi uma resposta, diz ele, às limitações expostas pela campanha do país contra a Geórgia em 2008, que resultou na secessão de duas áreas de forte influência russa, a Ossétia do Sul e a Abkházia.

Ucrânia no foco

Gorenburg diz que o objetivo do programa é dar "rapidez à tomada de decisões e à comunicação delas às tropas, além de melhorar a interoperabilidade entre diferentes áreas do Exército e substituir equipamentos soviéticos, que estavam chegando ao fim de sua vida útil."

Os resultados foram significativos. "Em 2012, a Rússia já tinha conseguido reorganizar suas Forças Armadas, passando de um exército soviético de mobilização de massa a uma força permanente", afirma Michael Kofman, do Instituto Kennan (que integra o Centro de Estudos Wilson, nos Estados Unidos).

Isso veio acompanhado por um intenso regime de testes de capacidade de resposta rápida e inúmeros exercícios, até o ponto, em 2014, em que "o exército russo havia melhorado consideravelmente em comparação com seu desempenho medíocre na guerra contra a Geórgia", diz.

Os especialistas consultados concordam que o foco inicial desse esforço foi a Ucrânia, não a região báltica. Michael Kofman afirma que a guerra na Ucrânia de 2014-2015 exigiu mais do que o Exército russo esperava – eles estavam sem forças permanentes nas fronteiras e mal posicionados para o conflito. "As Forças Armadas russas estavam, e ainda estão, em transição", afirma.

Para responder à possibilidade de uma guerra na Ucrânia a médio e longo prazo, a Rússia passou grande parte dos últimos três anos, afirma Kofman, "reposicionando unidades ao redor do país, construindo novas divisões, rearranjando brigadas e criando um novo exército de armas combinadas."

"A intenção é que as forças terrestres russas estejam posicionadas do outro lado da fronteira, caso precisem de reforços no leste da Ucrânia, invadir por vários vetores ou simplesmente para convencer Kiev de que podem retomar o controle das regiões separatistas com facilidade na hora que quiserem."

Pode ser que a Ucrânia seja a preocupação imediata. Mas, como observa Giles, "a Rússia está desenvolvendo sua infraestrutura militar ao longo de sua periferia ocidental, não só diante da Ucrânia, mas também na Bielorrússia, nos países bálticos e até na Finlândia". "Eles se reorganizaram para serem capazes de enviar tropas de combate à fronteira ocidental o mais rápido possível."

"Isso inclui estabelecer novas unidades pesadas de transporte terrestre para reduzir sua tradicional dependência das ferrovias para enviar veículos armados a zonas de operações. Isso traz muito mais flexibilidade de movimentação em áreas onde as estradas estão melhores, principalmente no oeste da Rússia, incluindo o outro lado da fronteira, onde ficam os vizinhos ocidentais do país", pontuou.

Reação desproporcional?

Considerando o foco de Moscou na Ucrânia, teriam alguns países da OTAN reagido de maneira desproporcional à ameaça russa? Jamais, assegura Giles. Ele diz que, ao contrário, a preocupação é que a OTAN tenha reagido de forma fraca.

"O desafio militar da Rússia e a confirmação de sua disposição em usar sua força contra vizinhos não motivou – salvo algumas exceções – uma reação energética de países europeus, que demonstrasse interesse em defender seus territórios", argumentou ele, que ressalta ainda a incapacidade de muitos membros da OTAN de cumprir seus compromissos, até mesmo os simbólicos, como gastar 2% do PIB em defesa.

Sem falar em medidas reais e urgentes, como recuperar a capacidade de guerra de alta intensidade para poderem se igualar ao poder de desenvolvimento da Rússia. Isso, afirma o analista, "deixa clara a falta de disposição de reconhecer uma realidade politicamente inconveniente".

A realidade, segundo Kofman, é nada menos que a transformação do Exército russo. "A reforma, a modernização e a experiência de combate adquiridas na Ucrânia e na Síria terão efeitos duradouros nas Forças Armadas russas", afirmou.

"A Rússia tem capacidade de implantar uma força decisiva em qualquer lugar de sua fronteira, superando qualquer ex-república soviética. Em relação a seu arsenal nuclear estratégico, a Rússia não está apenas em pé de igualdade com os Estados Unidos, como também está à frente em modernização e investimento em armas nucleares não estratégicas."

"Enquanto as forças convencionais russas são capazes hoje de impor danos consideráveis até a adversários tecnologicamente superiores, como a OTAN, em um conflito aberto – uma briga seria bastante sangrenta para ambas as partes."

Espera-se que essa seja uma situação impensável. Gorenburg diz acreditar que "o poderio convencional russo não será nem de perto tão forte como o dos Estados Unidos ou o das forças da OTAN juntas."

Perspectiva

Acima de tudo, o que dá à Rússia uma vantagem local imediata é a preparação, a proximidade e a capacidade de concentrar rapidamente um alto poder de fogo. Mas a OTAN precisa colocar essa ameaça sob perspectiva. "A Rússia é uma potência terrestre euroasiática e que emprega muitos recursos em batalha, mas sua força se destaca quando o combate é perto de casa", afirmou Kofman.

O orçamento de defesa e pesquisa da OTAN deixa o da Rússia para trás, assim como a capacidade da aliança de mobilizar forças e equipá-las para um conflito prolongado.

"O importante é que ainda que a OTAN tenha preocupações legítimas sobre um conflito no curto prazo contra a Rússia, a realidade é que trata-se da maior aliança militar do mundo, que detém um poderio enorme, e que uma batalha provavelmente acabaria de forma desastrosa para Moscou", disse.

O Exército russo simplesmente não está estruturado para manter um território substancial ou para mobilizar forças necessárias a um conflito prolongado. Mas a OTAN precisa estar preparada, na opinião dos especialistas. O consenso entre eles é que o conflito contra a Ucrânia foi um sinal de alerta.

A recém-recuperada confiança da Rússia, no entanto, não deve ser confundida com um desejo de deflagrar um ataque militar ao Ocidente. Na verdade, a ameaça imediata dos russos pode vir de uma guerra de informações e de campanhas cibernéticas direcionadas ao Ocidente.

Essa batalha já está acontecendo. E o Ocidente está igualmente despreparado para enfrentá-la.

 

 

 

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