BRASÍLIA – O governo federal cobrou, neste domingo, explicações dos Estados Unidos sobre a espionagem de cidadãos e empresas brasileiras pela Agência de Segurança Nacional dos EUA na última década, segundo documentos coletados pelo ex-técnico Edward Snowden, aos quais O GLOBO teve acesso. O Ministério das Relações Exteriores pediu esclarecimentos ao embaixador dos EUA Thomas Shannon e já acionou a embaixada brasileira em Washington para fazer o mesmo diretamente ao governo americano. Além disso, o governo brasileiro vai entrar com uma moção na Organização das Nações Unidas (ONU) pedindo aperfeiçoamento da segurança cibernética para evitar esse tipo de abuso por parte de um país.
A reação foi articulada pela presidente Dilma Rousseff, na manhã deste domingo, em reunião no Palácio da Alvorada com os ministros Paulo Bernardo (Comunicações), Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Ideli Salvatti (Relações Institucionais), José Eduardo Cardozo (Justiça), Aloizio Mercadante (Educação) e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência).
Em outra frente, o líder do PSOL, deputado Ivan Valente (SP), pretende apresentar um requerimento, no máximo até terça-feira, convidando o embaixador americano para dar explicações na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. No Senado, o líder do partido, senador Randolfe Rodrigues, também fará a solicitação.
– A soberania nacional exige cobrança drástica da conduta inaceitável e invasora do governo norte-americano – afirma Ivan Valente. – As ruas devem execrar e repudiar a atitude de ‘polícia de mundo’ dos Estados Unidos.
Como mostrou O GLOBO na edição deste domingo, o Brasil, com extensas redes públicas e privadas digitalizadas, operadas por grandes companhias de telecomunicações e de internet, aparece destacado em mapas da agência americana como alvo prioritário da espionagem no tráfego de telefonia e dados (origem e destino), ao lado de nações como China, Rússia, Irã e Paquistão. É incerto o número de pessoas e empresas espionadas no Brasil, mas há evidências de que o volume de dados capturados pelo sistema de filtragem é constante e em grande escala.
Para facilitar sua ação global, a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês) mantém parcerias com as maiores empresas de internet americanas. No último 6 de junho, o jornal britânico “The Guardian” informou que o software Prism permite à NSA acesso aos e-mails, conversas online e chamadas de voz de clientes de empresas como Facebook, Google, Microsoft e YouTube.
No entanto, esse programa não permite o acesso da agência a todo o universo de comunicações. Grandes volumes de tráfego de telefonemas e de dados na internet ocorrem fora do alcance da NSA e seus parceiros no uso do Prism. Para ampliar seu raio de ação, e construir o sistema de espionagem global que deseja, a agência desenvolveu outros programas com parceiros corporativos capazes de lhe fornecer acesso às comunicações internacionais.
Um deles é o Fairview, que viabilizou a coleta de dados em redes de comunicação no mundo todo. É usado pela NSA, segundo a descrição em documento a que O GLOBO teve acesso, numa parceria com uma grande empresa de telefonia dos EUA. Ela, por sua vez, mantém relações de negócios com outros serviços de telecomunicações, no Brasil e no mundo. Como resultado das suas relações com empresas não americanas, essa operadora dos EUA tem acesso às redes de comunicações locais, incluindo as brasileiras.