Fernando Antônio Costa de Assis
Mestre em Administração, com especializações em TI e Organizações
facassis@gmail.com
A recente incursão aérea originária do território russo em direção a cidades suecas no Domingo de Páscoa (29 de março) de 2013 reacendeu o debate que a humanidade imaginou ter se esquecido desde a década de 1990: qual o grau necessário de proteção os países devem ter em suas respectivas esferas geopolíticas de defesa territorial, de influência ou de interesses? Qual é o grau de proteção efetivo das nações em vista de eventuais ameaças a suas cidades, populações e riquezas naturais? Como o Brasil se coloca diante da possibilidade de agressão a seu território ou à sua população? Hoje, como então, é muito difícil responder a esse tipo de pergunta definitiva ou conclusivamente. Sempre haverá espaço para grandes considerações contrárias que trarão consigo boa dose de razoabilidade.
Ao abordar uma possível dicotomia entre a estratégia denominada poder de dissuasão versus a adoção do equilíbrio de forças como fator inibidor de intervenções estrangeiras talvez seja necessário historiar e definir alguns termos, limitar áreas de atuação e estabelecer os parâmetros sob os quais a discussão se dará. Senão, vejamos:
A estratégia de dissuasão pode ser entendida como a capacidade que um ator tem de convencer outro ator de não ataca-lo, sob pena de prejuízo para o atacante. Essa postura de convencimento é adotada sem a aplicação de violência, apenas deixando subentendido para o atacante que, caso haja o ataque, o prejuízo auferido será igual ou maior que os lucros pretendidos, levando o atacante à reflexão sobre a conveniência de sua ação. Essa estratégia, em nível de nações, foi desenvolvida a partir da escalada da guerra fria e foi bem sucedida na manutenção da paz global ao demonstrar clara intenção de parte a parte que o país atacado exerceria plena e tenazmente a defesa em caso de agressão.
Já o conceito de equilíbrio de forças pode ser visto e entendido como a possibilidade de contrapor a uma ameaça, real ou presumida, meios iguais ou superiores àqueles à disposição do atacante. Em ambos os casos – seja na dissuasão, seja na aplicação da estratégia do equilíbrio de forças, espera-se que os eventuais oponentes tenham informações corretas sobre as disponibilidades adversárias.
Se concordarmos com as definições postas, resta definir em que campo serão aplicadas. O contexto geográfico e os interesses envolvidos tornam-se limitadores da quantidade e qualidade dos meios de projeção de força a ser empregado por um ator em específico. Nações com poucas pretensões geopolíticas certamente desenvolverão meios compatíveis com essas intenções, ao passo que nações com interesses mais amplos ou gerais, estarão dispostas a desenvolver ou adquirir meios que deem suporte às suas pretensões, muitas vezes em regiões bastante distantes de suas fronteiras.
A análise da história política da segunda metade do século XX, ainda que ligeiramente ampliada para o início da 2ª grande guerra (1939) mostra a evolução do pensamento estratégico de diversas nações, que passaram a ter uma preocupação maior que o entorno de suas fronteiras, como por exemplo, o Japão e a Austrália e, em maior medida, a então União Soviética e os Estados Unidos. Por razões diferentes, os dois primeiros decidiram entender como limites de defesa, arcos de ilhas, ou países, que estavam, muitas vezes, além de suas próprias fronteiras.
Já os dois últimos, uma vez que atuaram de maneira tímida no processo de aquisição de territórios coloniais, passaram a agir de forma bem mais agressiva ao difundir as respectivas ideologias ou vantagens de seus sistemas econômicos a partir do final do conflito mundial.
Com isso, mais a rapidíssima evolução da tecnologia militar havida no período da 2ª grande guerra, verificou-se uma correspondente alteração do pensamento estratégico aproximando as fronteiras políticas (sob o viés de observação ideológico, não do geográfico) até quase ao ponto do confronto aberto. O episódio da colocação de mísseis soviéticos em Cuba certamente foi o clímax desse processo.
Até então a estratégia da dissuasão talvez fosse a dominante, uma vez que os Estados Unidos possuíam vantagem tecnológica e numérica de artefatos que, se acionados, poderiam levar grande destruição à União Soviética. Contudo, a rápida equiparação soviética, não tanto em termos de tecnologia, mas amplamente em termos de quantidade, compensou a desvantagem tecnológica através da quantidade disponível de artefatos de destruição e causou a constatação que ambos os países possuíam meios para a aniquilação mútua repetidas vezes, levando a reboque o restante da humanidade. Nesse momento histórico é possível que tenha havido a combinação não intencional dos dois tipos de pensamento estratégico.
Contudo, dada a dimensão das nações e interesses envolvidos, com os Estados Unidos e União Soviética então denominados, apropriadamente, superpotências, não se consegue duplicar o raciocínio que as estratégias dissuasória e da obtenção do equilíbrio de forças sejam complementares. Para tanto, a análise em outros segmentos geopolíticos de amplitude menor deveriam ter efeito semelhante – e talvez não tenham, com resultados distintos em pelo menos dois casos: um deles, no conflito entre o Vietnã do Norte e do Sul, o poderio norte-americano foi confrontado e vencido por uma nação com menos recursos, que adotou táticas com as quais a nação mais poderosa não pode, ou não soube naquele momento, lidar.
Por outro lado, nos conflitos do Oriente Médio, Israel tem conseguido manter-se como nação apesar de estar rodeado de países que, até pouco tempo, tinham a manifesta vontade de eliminar sua existência de forma radical. Já nesse exemplo, o poderio militar israelense prevaleceu tanto nos momentos onde foi atacado, como no caso do conflito de 1973, como nos momentos onde foi o atacante, como na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Não se avalia aqui os ataques preventivos levados a efeito a objetivos específicos.
Ao se analisar pontualmente como o raciocínio global se regionalizou de diversas formas, com vários níveis de conflito, é possível observar que a estratégia de defesa das nações leva em conta muitas das vezes o momento político por que passa a região estudada. No caso específico da América do Sul, os últimos trinta anos mostraram um inequívoco desejo de suas populações de adotar o capitalismo como regime econômico e a democracia como regime político. Os diversos países sul americanos se organizaram, com diversos graus de sucesso, em torno do ideário capitalista democrático e a região, como um todo e, mais uma vez, com graus maiores ou menores de êxito, pode experimentar crescimento econômico e melhoria das condições sociais.
No que diz respeito a conflitos que poderiam evoluir para o uso de forças militares, os últimos trinta anos anotaram conflitos entre nações (Argentina x Inglaterra nas Falklands; Argentina x Chile, em Beagle; Chile x Bolívia, saída para o mar; Peru x Equador, por reivindicações territoriais) com menor intensidade e duração, exceto no caso das Falklans, do que enfrentamentos internos, principalmente no episódio das FARC, na Colômbia.
Tal cenário propiciou uma queda de prioridade do aparelhamento, ou manutenção dos equipamentos já existentes, em detrimento do atendimento das reivindicações sociais. Observou também uma alteração sensível no tipo de armamento que seria escolhido para reposição ou incremento da capacidade das forças armadas, muitas vezes voltado para a defesa contra ameaças fronteiriças e não para a projeção de poder. Entretanto, a descoberta de riquezas minerais, especialmente no litoral brasileiro e o incremento das atividades ilícitas, notadamente o tráfico de drogas e contrabando nas fronteiras terrestres da porção oeste do continente, fizeram com que a preocupação com a defesa voltasse a ser sentida pelos governos locais.
No caso específico brasileiro, a plataforma continental do mar territorial não pode ser vista como uma fronteira simples, onde as diversas forças militares poderiam apoiar-se em caso de agressão. A defesa do mar territorial é tarefa específica da Marinha, com o apoio da Força Aérea, sem uma participação importante do Exército. Nisso reside grande preocupação estratégica, visto não existir possibilidade de defesa adequada para tão grande área.
Ainda no caso brasileiro, as fronteiras terrestres constituem objeto de defesa igualmente difícil, aqui pelo fato de haver literalmente inúmeras possibilidades de passagem através dos milhares de quilômetros de terra. Contudo, a possibilidade de superposição de forças de defesa acrescidas do efetivo de polícias militares estaduais, fariam com que a tarefa fosse pouco mais efetiva.
Entretanto, a situação brasileira é embaraçosa. Não se poderiam aplicar os conceitos de dissuasão ou de equilíbrio de forças para defender-se efetivamente em ambos os casos. Os planos apresentados até aqui pelos chefes militares contemplam, no mais das vezes, um aparelhamento mínimo e insuficiente das forças armadas, aparelhamento esse que não conta com a certeza orçamentária de sua aplicação, devendo, ainda, ser submetidos a considerações políticas superiores às militares.
Portanto, no que diz respeito ao continente sul-americano, especificamente no caso brasileiro, poder-se-á observar que a estratégia de dissuasão terá dificuldades de ser aplicada tanto no contexto da plataforma continental quanto das fronteiras terrestre, no primeiro caso pela amplitude a área a ser defendida e no segundo caso, pela multiplicidade de pontos a serem defendidos de forma efetiva. Nem se cogita aqui as dificuldades de coordenação de comando entre as várias forças envolvidas.
Quanto à estratégia do equilíbrio de forças, há de se perguntar: contra quem? Em que circunstância? Se se analisar o cenário de defesa das riquezas localizadas na plataforma continental, é difícil imaginar como alguma nação poderia estabelecer uma base permanente de conquista, sem que houvessem reações em nível global contra tal ação. Resta, porém, a defesa contra incursões pontuais que visassem a violação de espaço, situação para a qual ainda não se tem defesa efetiva (e nem se espera que haja num horizonte de uma década, pelo menos), embora se tente demonstrar à sociedade que algo está sendo feito com esse objetivo.
Por fim, quanto à fronteira terrestre, verifica-se já haver um equilíbrio de forças relativo em nível de nações fronteiriças, e uma supremacia de forças absoluta, ao se comparar com as ameaças de origem criminosa. Entretanto essa supremacia não se aplica totalmente, pelo fato de que são forças completamente assimétricas, com níveis de reação bastante diferentes e, no caso dos criminosos, com flexibilidade muito maior que as forças armadas nacionais em seu atual estágio de manutenção. Observa-se então, o antagonismo conceitual com o que preconizam as autoridades de defesa nacionais, ao pretenderem o fortalecimento das unidades militares de fronteira, mas com meios e quantidades insuficientes para o cumprimento da missão proposta, e a prática proveniente da realidade orçamentária vigente.
Conclui-se então analisando que no contexto contemporâneo brasileiro os conceitos de estratégica dissuasória versus de equilíbrio de forças podem não ser excludentes ou complementares, mas, sim, antagônicos ou inexistentes, a depender do cenário observado.