Guilherme Mazui
Alertado pela área de inteligência do governo sobre o risco de paralisação de policiais militares em outros Estados, o presidente Michel Temer quer transformar em exemplo a repressão ao movimento capixaba. Apesar de apelos e de ameaças de ministros, o Espírito Santo entra no 11º dia com PMs aquartelados e mulheres acampadas em frente aos batalhões.
— Virou uma questão de segurança nacional — resume um auxiliar do presidente.
A Polícia Federal investiga crimes cometidos por PMs e familiares no Espírito Santo, enquanto a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) fornece informações às autoridades locais e produz relatórios sobre a situação em outros Estados. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pará estão no radar federal.
Por ora, o Rio Grande do Sul não consta entre os pontos de maior preocupação. Por isso, a importância de controlar o movimento capixaba.
— Não temos outro Estado no momento com a gravidade do Espírito Santo — destacou, no sábado, o general Sergio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Etchegoyen integrou a comitiva de quatro ministros enviada à Grande Vitória para um encontro com o governador Paulo Hartung e seus principais assessores. O general, junto de outros ministros, reuniu-se neste domingo com Temer. Eles fizeram um balanço da atuação no Espírito Santo.
No Planalto, acredita-se que haja "interferência política" na insubordinação da tropa e na mobilização das famílias, que reivindicam reajuste salarial e melhores condições de trabalho. Assim, desde a semana passada Temer é orientado por conselheiros a não vacilar no apoio a Hartung, já que a PM é um órgão estadual, e a sinalizar a mesma disposição aos governadores que possam enfrentar problemas similares.
O exemplo de suporte a Hartung foi dado no sábado, com a visita da comitiva de ministros, que garantiu a presença das tropas federais (3,1 mil homens) por tempo indeterminado na Grande Vitória.
Ainda houve pedido para que os "bons policiais" voltem ao trabalho e a promessa de não aprovar no Congresso uma eventual anistia aos indiciados por motim e revolta — são 703 no Estado. Já o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que também passou por Vitória, avalia tentar federalizar os crimes de motim, o que levaria os processos para a Justiça Militar da União.
— A tramitação é mais rápida e as punições costumam ser severas — explicou Etchegoyen.
Acordo firmado entre governo e entidades de PMs não foi cumprido
Nas avaliações feitas em Brasília, foi comemorado o término dos saques na Grande Vitória e a queda dos homicídios desde a chegada das tropas federais, o que ajuda a devolver a sensação de segurança.
Conforme o Sindicato dos Policiais Civis do Estado (Sindipol-ES), foram registrados pelo menos 144 assassinatos durante a paralisação da PM, sendo 40 apenas na segunda-feira passada. Ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirma que no interior capixaba mais PMs estão voltando ao trabalho.
Uma das principais dificuldades para normalizar a atuação da corporação está na liderança pulverizada do movimento e no fato de milhares de policiais não responderem ao comando-geral e as associações que representam a categoria.
O acordo firmado entre governo do Estado e as entidades, anunciado na sexta-feira, foi ignorado. As famílias não abrem mão do reajuste.
— O governador (Hartung) que venha conversar com a gente. Vamos esperar um, dois meses se for preciso — disse Carmen Pesse, mulher de um PM.
Os governos estadual e federal também não esperavam tanta resistência das mulheres nos piquetes. Os dados sobre os policiais que voltam ao trabalho não desmobilizam as ativistas, mães e filhas.
Até a tarde deste domingo, o retorno parcial da tropa era tímido, chamado inclusive de "encenação" e "teatro" pelos familiares. Pelas ruas é raro encontrar viaturas. No Batalhão de Missões Especiais e no 1º Batalhão de Polícia Militar, ambos em Vitória e com piquetes em seus portões, dezenas de veículos seguem nos pátios. Na prática, quem realiza patrulhas são as Forças Armadas e a Força Nacional.
Segundo a Secretaria de Segurança do Estado, 600 policiais no sábado e 1.236 policiais atenderam a chamados neste domingo. Eles trabalharam em dois turnos de oito horas e utilizaram 59 viaturas.
Muitos chegaram sem farda, ou seja, impedidos de atuar nas ruas. Foi o caso de um grupo de PMs que se apresentou, à paisana, na Capitania dos Portos. A União colocou à disposição as unidades das Forças Armadas para quem deseja voltar ao trabalho.
Entre os policiais que atenderam à convocação em Vitória, a maioria é de oficiais, o que expõe uma divisão na tropa. Nos bastidores, oficiais, cujos salários são maiores do que os dos praças, comentam que obedecem ao chamado para evitar punições. Como estão sem uniformes, guardados nos quarteis, não engrossam o efetivo nas ruas e dão fôlego à paralisação.