DefesaNet extrevistou dois pesquisadores ativos na área de Inteligência e Contrainteligência. Nos primeiros dias de dezembro reuniram um qualificado grupo de decisores, de várias partes do país, para a o curso “Atividade de Contrainteligência sob a Perspectiva da Escolha Racional”. Interessante a grande participação de decisores de áreas corporativas.
A atividade esta patrocinada pela Associação Brasileira de Estudos de Inteligência e Contrainteligência (ABEIC).
Os entrevistados são os:
– Procurador Fabio Costa Pereira – Procurador da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, atua no Tribunal de Justiça Militar, e,
– Dr Luiz Marcelo Berger, Doutor e Mestre em Administração pelo PPGA / EA / UFRGS
DefesaNet: Procurador Fábio, A ABEIC tem realizado cursos sobre a área de inteligência tanto para profissionais da área de segurança quanto da área corporativa. Como tem sido a percepção desses grupos da análise e das ameaças de inteligência?
Procurador Fábio Costa Pereira: A percepção desses grupos tem sido muito interessante. A diferença é que estamos trazendo para o Brasil alguns conceitos que no mundo já estão muito sedimentados. Nós estamos trabalhando hoje com a análise racional e comportamental. Isso é aplicável a todas as áreas do conhecimento humano, em especial para a área de inteligência. Porque se tu não conheces como o teu adverso se comporta, como age, nesta pauta de custos e benefícios; tu não conheces nada. Essas discussões que nós temos feito têm se adequado muito ao universo publico e privado, que são bastante sequiosos hoje para discutir esse valor que é chamado segurança. Segurança que afeta a defesa, o Estado, as sociedades.
DefesaNet: Como a Associação Brasileira de Inteligência e Contrainteligência tem sido recebida?
Procurador Fábio Costa Pereira: De duas formas. Primeiro as pessoas perguntam: quem são vocês. A partir do momento que eles descobrem quem somos nós, de onde nós viemos e qual é o nosso objetivo; somos extremamente bem aceitos. Somos estudiosos e pesquisadores públicos e privados e nosso único objetivo é auxiliar na melhora desse valor que nós temos em comum, que é o nosso país. Nós queremos auxiliar as forças de seguranças, as forças de defesas, o ambiente corporativo a melhor exercer suas atividades.
Procurador Fabio Pereira (E), Editor-chefe DefesaNet, Nelson During e Dr Luiz Mauro Berger
DefesaNet: Quais atividades ao longo do ano da ABEIC?
Procurador Fábio Costa Pereira: Esse ano (2017) foi um ano muito proveitoso. Nós ministramos vários cursos e palestras, tanto em Porto Alegre como no Brasil. Nós temos dedicado muito, mas muito mesmo, em ministrar palestras e minicursos para agentes de seguranças para melhor exercer suas atividades que diz respeito a inteligência, contrainteligência. Eu, nos últimos três meses, dei cinco cursos de análise criminal para o setor público. Tudo isso com uma responsabilidade social, sem custo nenhum para a sociedade, porque essa é a nossa missão: auxiliar a nação a melhorar os seus mecanismos de proteção.
DefesaNet: Doutor Berger, por que muitos dos conceitos apresentados aqui a Academia brasileira se mostra reticente em implementá-los? Alguns são conceitos até antigos.
Doutor Luiz Marcelo Berger: A impressão que eu tenho é que esse foi um processo construído desde os anos 60, quando a Academia brasileira foi dominada por uma corrente de pensamento hegemônica de cunho esquerdista, em que você vê a sociedade com lentes distorcidas, uma visão Marxista, derivada da escola de Frankfurt. Essa visão Marxista parte de uma premissa de que existe uma divisão clara de poder na sociedade: a chamada sociedade burguesa em que você tem o opressor e o oprimido. Isso faz parte hoje do ideário de todas as escolas superiores do Brasil: de filosofia, de economia, de administração, de direito.
Quando você trabalha com conhecimento baseado em evidências, que é o que fazemos, isso bate de frente com a utopia messiânica desses cidadãos. Quando você tem uma crença religiosa que sustenta o teu ser, quando você se confronta com a realidade, a sua primeira reação é reagir negando que ela existe. O resultado é o que estamos assistindo hoje: o país a beira de uma anomia, que, na minha opinião, é muito pior do que se imagina porque os meios de comunicação não comunicam tudo aquilo que está acontecendo.
DefesaNet: E como tem sido a reação dos participantes quando recebem essa informação?
Doutor Luiz Marcelo Berger: Normalmente é surpresa absoluta. Especialmente o pessoal da academia do direito. É um choque total, porque ninguém conhece esse tema, ninguém tem acesso a essa literatura. A literatura que nós comentamos e trazemos para os cursos são, na maioria das vezes, em inglês – elas não têm tradução em português, porque a academia não utiliza isso. Episodicamente e para dar o mérito devido, quem utiliza são poucas as universidades do Brasil. Podemos destacar duas: a Fundação Getúlio Vargas (FGV), São Paulo e Rio de Janeiro, e o INSPER, de São Paulo. Do resto, ninguém usa essa documentação, embora seja uma coisa mais do que velha de conhecida. São conhecimentos produzidos há 50, 60 anos.
DefesaNet: Esse conhecimento e essa tentativa de manter afastado esse conhecimento da academia, como estão hoje? Tem abrido brechas?
Doutor Luiz Marcelo Berger: Tem. Está havendo uma reação forte em várias correntes. Não é fácil, pela própria estrutura universitária. A estrutura universitária hoje é rígida, engessada, ela impede que novas ideias se propagem dentro do seio da universidade, porque o professor universitário tem uma estrutura de trabalho baseada na mesma forma que um funcionário público. Então, a primeira coisa que ele adquire não é o mérito da pesquisa, mas a estabilidade do emprego. Quando você cria esse desincentivo, na verdade você está bloqueando a inovação. Não é por outra razão que o conhecimento produzido no Brasil em termos de ciência, não representa nem um por cento do que é produzido no mundo em termos de qualidade, porque nós não temos repercussão. Existe uma reação a isso, existe, mas é muito difícil para as pessoas que trabalham com ideias mais arejadas, digamos assim, são frequentemente bloqueadas no ambiente universitário.
DefesaNet: E nos grupos que a ABEIC tem organizado. Como o público dá seguimento, eles conseguem introduzir os conceitos no seu ambiente de trabalho?
Doutor Luiz Marcelo Berger: Nós temos notícias de que isso está sendo levado na medida do possível para os tomadores de decisão. Mas, no final das contas, o que determina o que vai dar certo e o que não vai dar certo, é quem paga o chefe no final do mês. Tudo depende de alocação de recursos. Você tem que ter um tomador de decisão que vai chegar num momento e vai dizer que a partir e agora vai ser desse jeito e não daquele jeito. Você tem que mudar a forma de tomar as decisões. Isso está acontecendo, lentamente, mas aos poucos está tendo muito mais permeabilidade desse tipo de tema nos meios institucionais. As pessoas estão mais receptivas, e por uma razão muito simples, eles estão sendo obrigadas a sair da zona de conforto.
Você está batendo de frente com a realidade e os meios que são ditos hoje absolutamente não resolvem nada. Então essas pessoas vão buscar alguma coisa diferente. Por isso que está havendo essas aberturas para as pessoas tentarem ver assim como os americanos já resolveram os problemas, Canadá, os países mais avançados do mundo, de maneira geral, que são muito mais práticos e pragmáticos. Longe de haver perfeição, que isso é uma coisa muito importante, pois não existe perfeição. As sociedades são todas disfuncionais em alguma medida. Só que você vai tentando resolver de forma mais racional aqueles problemas que vão aparecendo. Como que isso é possível fazer?
No Brasil, você vai ter que chagar na tomada de decisão. Quando nós falamos de tomada de decisão, são decisões duras, difíceis, que vão enfrentar interesse de outras pessoas e outros grupos. Se isso não for feito, nós estamos num caminho bastante rápido para um processo de anomia.
DefesaNet: A sua opinião é positiva ou pessimista em um curto espaço de tempo.
Doutor Luiz Marcelo Berger: Eu sou um cético dependendo do viés, viés de alto ou de baixo. A minha visão é a seguinte. Nós temos que ver o que vai acontecer agora na eleição de 2018. O paradigma de mudança institucional brasileira, para onde que vai o país, será a eleição de 2018. E não é nem a presidência. É o congresso. Ou seja, você tem que mudar o formulador de leis. Eles é que tem que alterar as leis. Eles têm que mexer em vespeiros, em coisas graves. Isso não vai partir apenas de um presidente forte. As pessoas se iludem que de repente imagina que um líder virá fo céu e vai resolver os problemas. Não. Tem que mudar o legislador.
Se houver uma mudança – quando nós falamos em mudança, sabemos que não pode ser do nível que estamos vendo hoje – ai nós temos alguma perspectiva. Se não nós caminhamos, mais cedo ou mais tarde, para uma estagnação completa, por um empobrecimento do país generalizado e talvez tendo uma visão do que está acontecendo no Estado do Rio de janeiro que é uma visão de uma anomia estatal. Pode acontecer, pode acontecer. Acho que não chegamos lá ainda, mas nós estamos encaminhando para isso.