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PCC – Delação de Marcola abala o mito de criminoso perfeito e intocável

 

El Pais

26 Novembro 2017

O procurador de Justiça Márcio Christino, do Ministério Público de São Paulo, conhece bem o Primeiro Comando da Capital. Foi ele quem tomou o depoimento de José Márcio Felício, o Geleião, fundador e líder da facção que caiu em desgraça e optou com colaborar com as autoridades. Agora, em seu livro Laços de Sangue, A História Secreta do PCC (Editora Matrix, 2017), Christino e o jornalista Claudio Tognolli narram a delação de outro cabeça da organização: Marcos Willians Herbas Camacho, 49, conhecido como Marcola ou Playboy. De acordo com o livro, ele teria fornecido para as autoridades os números de telefone de Geleião e Dionísio César Leite, o Cesinha, que acabaram isolados no sistema penitenciário. Assim Marcola teria chegado ao topo da facção.

“Depois de ascender à liderança do PCC, o vaidoso Marcola almejou mais. Ele queria ser o líder do PCC. Mas de que maneira ele neutralizaria Cesinha e Geleião? Ele virou um informante”, escrevem os autores. Exposto no livro, o futuro de Marcola, preso em Presidente Bernardes, agora é incerto: se por um lado no crime a delação se paga com a vida, existe uma tendência dos integrantes do grupo de desacreditar as informações de Chrsitino e Tognolli. De qualquer forma, “vai atingir aquela imagem que todo mundo, não apenas os membros da facção, tem do Marcola como intocável”, diz o procurador.

Pergunta. Quais impactos o fato do Marcola ter delatado comparsas pode ter na organização?

Resposta. É impossível saber qual o impacto que isso vai ter. Mas com certeza vai atingir aquela imagem que todo mundo, não apenas os membros da facção, mas uma imagem que faz parte do imaginário da população, de que ele é um personagem aparentemente intocável, uma figura perfeita. Pelo contrário, com essa delação se constrói um perfil mais próximo da realidade da criminalidade e de como o PCC se organizou e todos os mitos que envolvem este tipo de facção.

P. No mundo do crime esse tipo de delação é punida com a morte. Acha que Marcola corre risco caso os outros integrantes da facção acreditem na informação de que ele delatou?

R. É impossível determinar. Ele já foi condenado como líder de uma organização criminosa, ele agora tem suas opções, caberá a ele decidir [se pede proteção e colabora mais com a Justiça]. De qualquer forma, acho que o Estado está cumprindo suas funções. Vamos aguardar.

P. No livro você fala que Cesinha e Geleião, as lideranças que teriam sido delatadas pelo Marcola, eram mais violentos, adeptos a táticas terroristas. Do ponto de vista da Segurança Pública, foi melhor que Marcola se tornasse líder da facção?

 

R. Na minha visão, organização criminosa nunca é benéfica. De um modo ou de outro o conflito sempre irá se estabelecer, o que muda é a forma de conflito que se manifesta. Não vejo essa relação entre ser maléfico ou benéfico esta ou aquela liderança. É um confronto entre a lei, o Estado, e uma organização criminosa. E ponto.

P. Mas para o Estado o que é mais fácil combater: uma facção que vai para o confronto aberto, como o PCC fez nos ataques a policiais em 2006, ou esse modus operandi mais discreto que vigora atualmente?

R. Nem uma nem outra. Porque todos os modos de atuação têm suas características e estratégias. Para o Estado isso necessariamente e obrigatoriamente precisa ser indiferente. O trabalho dele é garantir a segurança de qualquer forma, independentemente da natureza da atividade criminosa. Seja ela mais terrorista ou menos terrorista. Ao Estado cabe lutar sempre.

Não adianta desarticular um determinado braço da organização e permitir que de dentro da prisão este braço continue ativo

P. Qual o papel do PCC no tráfico global de drogas? Acha que a facção pode se tornar poderosa como os cartéis mexicanos?

R. Eu já vejo o PCC justamente chegando a um papel semelhante ao das organizações mexicanas. É uma facção que está em expansão, e não temos na América do Sul, do Brasil pra baixo, nenhuma organização criminosa tão estruturada como eles. Eles vão avançar enquanto encontrarem espaço. Cedo ou tarde o PCC vai se voltar para os vizinhos onde ainda não tem presença. Se há espaço ele ocupa. Não pelo confronto: ele se alia com quadrilhas locais, as fortalece, e aí ele ganha o espaço predominando sobre os outros grupos. E indiretamente acaba controlando aquela região. Se tudo continuar como está, é viável que isso ocorra nos próximos anos.

P. No começo do PCC, ele era combatido só pela Secretaria de Administração Penitenciária. Depois houve uma fase em que a polícia começou a agir, muitas vezes cometendo uma série de excessos e violações. Qual a melhor estratégia para lutar contra o PCC: repressão ou inteligência?

R. A ideia é sem dúvida aliar inteligência com repressão. O importante é que o Estado tenha garantias de que a repressão que está sendo empregada dê resultados. Não adianta desarticular um determinado braço da organização e permitir que de dentro da prisão este braço continue ativo. Ou seja, é preciso que você tenha recursos e opções de isolamento e controle que consigam sufocar essas organizações criminosas. Então inteligência e repressão são importantes, mas é preciso eficácia no isolamento, e isso é algo que a legislação precisa oferecer.

P. Você acha que o isolamento do Marcola de outros líderes criminosos aqui e São Paulo é falho?

R. O isolamento aqui nunca é absoluto, porque nossa legislação não permite. Ela é muito permissiva. O isolamento desses líderes não é de tal modo significativo que impeça a administração da facção ou a elaboração de uma ação criminosa, porque mesmo que estejam no Regime Disciplinar Diferenciado, onde ficam em cela isolada, eles têm contato com outros presos durante o banho de sol. Além disso, eles têm contato com advogados de uma maneira sem restrições, direito a visita… E mesmo assim o RDD aqui não é regime de pena, é punição administrativa. Você não pode manter um preso lá indeterminadamente: a estadia no RDD é transitória, via de regra por seis meses no máximo um ano. Podendo haver em alguns casos uma prorrogação. Não temos meios de manter uma liderança isolada por tempo significativo. Precisamos de instrumentos novos para se chegar a um resultado que impeça essas articulações. Então estão isolados, sim, mas nossas leis não permitem o isolamento absoluto que nós precisamos.

P. O Marcola não estaria mais isolado num presídio federal, onde as conversas com os advogados são gravadas?

R. É possível sim.

A questão da hierarquia no PCC é muito dinâmica, muita gente sobe, muita gente desce, mas você tem um núcleo de lideranças que têm se mantido ao longo do tempo

 

P. O Ministério Público quis que ele cumprisse pena no sistema federal…

 

R. Sim. A questão que esse tipo de remessa de preso no Brasil é um processo judicial, é uma ação, com as virtudes e defeitos. Nos EUA e México, é uma questão administrativa, o Estado pode transferir sem maiores burocracias. Aqui não.

 

P. À época em que o MP pediu a transferência, houve rumores de um salve do PCC que ameaçava retaliar caso seus líderes fossem enviados para o sistema federal.

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R. Ouvi falar disso. Espero que o Estado não se intimide com esse tipo de ameaça. Mas eu repito: na minha opinião é preciso uma revisão do isolamento deles [líderes].

P. A impressão que deu é que o Estado, por meio da Secretaria de Administração Penitenciária, não quis retirá-lo daqui.

R. Isso não posso dizer, não tenho esse tipo de informação.

P. Depois da Operação Ethos, a sintonia dos gravatas [grupo de advogados a serviço do PCC que levava ordens de dentro dos presídios para os membros em liberdade] foi desmontada. Ela já se reestruturou?

R. Isso é uma questão que ainda está sendo investigada. Obviamente que eles vão tentar reestruturar de alguma maneira. Mas isso ainda precisa ser apurado.

P. Mas com o esquema atual de cumprimento de pena e conversas entre advogado e preso não sendo gravadas, nada impede que aconteça de novo…

R. Nada impede.

P. Nos últimos anos alguma nova liderança da facção emergiu?

R. Que eu saiba desde que houve essa reestruturação com o Marcola assumindo a liderança a organização se manteve assim. A questão da hierarquia no PCC é muito dinâmica, muita gente sobe, muita gente desce, mas você tem um núcleo de lideranças que têm se mantido ao longo do tempo. Essa dinâmica não obedece aos critérios de rigidez que estamos acostumados, tal como você vê em organizações muito hierarquizadas. Existe uma dinâmica, uma troca muito abrasileirada, sem, uma rigidez estrutural. É mais fluído do que uma organização criminosa comum.

P. Existe alguma grande liderança do PCC que ainda está solta?

R. O Rogério Jeremias de Simone, vulgo Gegê do Mangue, que foi colocado em liberdade antes do julgamento e agora está foragido. Provavelmente está fora do Brasil, entre Paraguai e Bolívia, embora exista mandado de prisão expedido contra ele.

 

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