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O Brasil na era do terror

Os atentados terroristas de 2015 continuam a produzir choques na França. A ministra da Justiça do país, Christiane Taubira, renunciou ao cargo na semana passada, em meio a uma intensa polêmica sobre as medidas pretendidas pelo governo do presidente François Hollande para endurecer a legislação francesa antiterrorismo. Não foi uma baixa qualquer.

Nascida na Guiana Francesa, Taubira, negra, autora da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo na França, era um dos nomes mais à esquerda no governo socialista francês. Taubira discordou de um projeto de lei defendido por Hollande e seu primeiro-ministro, Manuel Valls, que pretende tirar a cidadania francesa de indivíduos com dupla nacionalidade condenados por atos de terrorismo.

Taubira e outros expoentes da esquerda na França se insurgiram contra a proposta por achar que ela fere o princípio da igualdade entre os cidadãos e cria duas categorias de franceses: uns mais "puros", outros menos, por serem filhos de imigrantes.

A controvérsia francesa ajuda a ilustrar um dilema global, vivido por muitas nações democráticas desde o início dos anos 2000: como munir o Estado de instrumentos legais que permitam o combate a terroristas sem ferir direitos e garantias fundamentais de seus cidadãos? Esse é um debate que só começou a ganhar corpo no Brasil no ano passado depois que o governo federal enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que tipifica o crime de terrorismo.

A definição de terrorismo como crime inafiançável e não passível de anistia está contida na Constituição de 1988. Mas, desde então, não houve uma regulamentação do crime e de suas punições, A lacuna, dizem policiais e procuradores, prejudica as investigações sobre a atuação de grupos terroristas ou indivíduos. "A dificuldade de enquadramento do crime impede que as autoridades conduzam investigações sobre o financiamento ou apologia ao terrorismo, ou associação a uma organização terrorista, porque, se você não tem o crime, você não pode fazer investigações", afirma o procurador Vladimir Aras, chefe da Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal.

A falta de legislação, diz o MPF, também pode vir a atrapalhar a cooperação com outros países no combate aos crimes de terrorismo. O governo federal despertou para a urgência da lei por conta da realização, neste ano, dos Jogos Olímpicos do Rio de [aneiro – um evento global com o potencial de virar chamariz de terroristas.

O Brasil também está sendo pressionado pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI), uma organização intergovernamental, a mostrar maior compromisso no combate ao financiamento de atividades terroristas. O risco é o país ser incluído numa "lista negra"- o que poderia afetar ainda mais a capenga nota de crédito do Brasil junto a investidores internacionais.

Por fim, a entrada no Brasil de um professor condenado por terrorismo na França, Adlène Flicheur, revelada por ÉPOCA, esquentou o debate. Integrantes do governo petista, como o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, acham que o Brasil não deveria ter permitido a entrada de Hicheur.

Em um ano de investigações, a Polícia Federal não encontrou nada que incriminasse Hicheur durante sua permanência no Brasil. Os órgãos de segurança, como a Polícia Federal, dizem que é indiscutível a necessidade de o Brasil, mesmo sem um histórico de atentados, adotar uma legislação antiterrorista porque o terrorismo adquiriu escala global e nenhum país pode se considerar imune a ele.

"Há indícios muito fortes de conexões do Brasil, por meio do mercado de armas, lavagem de dinheiro e tráfico de pessoas, com a cadeia do terror", diz Leandro Piquet, professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador de crimes transnacionais.

O problema é como fazer a legislação. "Tem de ser com uma lei clara e precisa. Não se pode anular a democracia em nome da luta contra o terrorismo", diz Edison Lanza, relator especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a liberdade de expressão.

O diabo está nas minúcias — e elas alimentam uma controvérsia sobre o projeto de lei antiterrorismo em discussão no Congresso Nacional.

Organizações de direitos humanos e juristas se insurgiram contra o texto que saiu do Senado Federal, relatado pelo senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB de São Paulo. Da forma como está redigido, dizem essas organizações, o texto abre brechas para a criminalização de manifestações democráticas e legitimas.

O senador Aloysio Nunes refuta a acusação, uma vez que o projeto contém determinações muito específicas dos casos em que a lei será aplicada. A discussão tem antecedentes. Na esteira dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York, uma série de leis antiterror foi aprovada, de maneira veloz, por vários países, conferindo amplos poderes de investigação aos órgãos de segurança e prevendo penas duríssimas — adequadas ao crime de terrorismo.

Mesmo nas mais maduras democracias liberais ocidentais, a aprovação dessas leis propiciou abusos. O caso mais notório é o dos Estados Unidos, atingidos pelo escândalo de espionagem em massa, revelado em 2013, e pelo do uso de tortura em interrogatórios nos centros de detenção de Abu Ghraíb, no Iraque, e em Guantánamo, em Cuba.

A Austrália, que aprovou sua legislação antiterrorismo em 2014, também é criticada por organismos internacionais de direitos humanos por criminalizar em seu texto a divulgação de informações "relacionadas a operações de inteligência".

Na visão de críticos, isso coloca em risco jornalistas e os chamados whistleblowers – informantes que divulgam documentos de interesse público. Para evitar eventuais abusos, os organismos internacionais alertam que a lei deve ser pensada a longo prazo. "E preciso pensar que você aprova uma lei para o futuro.

E preciso ser claro na lei que você está adotando, quais são os limites" afirma David Kaye, relator especial para a liberdade de expressão nas Nações Unidas. As arbitrariedades que apareceram, por exemplo, em países como os Estados Unidos estão bem distantes, felizmente, das discussões no Congresso brasileiro. Chegar atrasado ao debate oferece ao Brasil uma vantagem: aprender com erros e acertos de outros países.

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