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Novo Comandante: gerações, missões

Cel R1 Péricles da Cunha
periclesdacunha@gmail.com

 


Logo que foi escolhido o novo comandante do Exército busquei informações sobre o general Villas Bôas e encontrei no Google a conferência Geopolítica e Defesa da Amazônia, São Paulo, 19/9/2013.

A impressão que me deixou foi a melhor possível, a mesma da nota oficial do Clube Militar: “inteligente, competente, homem de fácil diálogo, firme em suas convicções e extremamente humano”. “Um militar vocacionado com todos os predicados necessários a manter o Exército na senda de servir à Nação acima de qualquer outro desígnio”.  

Na citada conferência o general Villas Boas concluiu respondendo sobre um questionamento que é feito a todos nós, do Norte ao Sul do país: “O que o Exército faria se houvesse ameaça de perpetuação no poder de partido político?” e “Quando é que os milicos vão fazer alguma coisa?”.

O general começa dizendo que “meu pai e o do general Adhemar (comandante CMSE) eram militares e viveram um contexto histórico completamente diferente. O século XX foi um período bastante conturbado, a questão da guerra fria, Cuba exportando revolução. Acho que a missão histórica da geração de nossos pais foi a de preservar a democracia no país, o exército não se arrepende do que fez, mas de certa forma ainda paga pelo que fez.

Acho que a missão histórica de nossa geração, quem diz isso é o (general) Etchegoyen,  talvez seja o de contribuir com a preservação dos valores da sociedade brasileira, o Exército é um corte vertical na sociedade brasileira, talvez seja essa a nossa missão. Hoje o Brasil é um país com instituições estruturadas, naquela época não havia instituições, então hoje já temos um sistema de pesos e contrapesos em nosso país… As coisas naturalmente vão se equilibrando. Eu acho que é um erro a gente querer tutelar a sociedade”.

Fixando-me unicamente no contexto do Exército, senti que o general se plantou neste século para considerar a Revolução de 64, como parte de um “contexto histórico completamente diferente” onde “a missão histórica da geração de nossos pais foi a de preservar a democracia no país” e que “a missão histórica de nossa geração talvez seja o de contribuir com a preservação dos valores da sociedade brasileira, o Exército é um corte vertical na sociedade brasileira, talvez seja essa a nossa missão”.

Faço duas considerações sobre o que pensa o nosso futuro comandante quanto a assuntos que, no meu entender, vão ditar os rumos do nosso Exército.

A primeira é sobre esse esforço da Esquerda para encravar a cunha da cizânia no que sempre foi um bloco maciço, o nosso Exército, de querer dividir entre comprometidos com a Revolução de 64 e as novas gerações, ou seja, dividir o que sempre esteve unido, a Ativa e a Reserva. E esta semente de cizânia foi plantada lá atrás e, pelo visto, já se transforma em uma cultura.

Justifico: lá pelo fim do século passado, um amigo meu (Infantaria/1957, que saiu aspirante um ano antes de eu entrar para a Escola Preparatória Porto Alegre) me contou do assédio de civis cobrando uma manifestação do Exército sobre a investida do pessoal de direitos humanos sobre a campanha do Araguaia, transformando o Exército no algoz de uma "juventude idealista que lutava pela democracia" e que, em visita a um colega seu de ECEME que comandava uma grande unidade (3ª RM ou 6ª DE), perguntou o que o Exército pensava sobre isso e recebeu uma resposta do tipo “ora, éramos tenentes na Revolução de 64”, ou seja, mais ou menos como o que pensa o general Villas Bôas. Ao meu amigo, só lhe restou indagar como ficavam aqueles, como ele, que foram dos primeiros a saltar sobre a selva, no Araguaia.

A minha preocupação é ver que este descolamento estimulado por esta gente que está no poder, de querer nos dividir entre Reserva e Ativa, está contagiando o pessoal da Ativa. Preocupa-me porque esta união está na base da nossa força e do sucesso da Revolução de 64, quando a Reserva cruzava este país fazendo aquilo que os da Ativa estavam impedidos. Os nossos pais sabem muito bem o valor que isso teve em 1964. A Revolução pegou o meu pai comandando um RC no interior do RS e eu chegando na tropa, como aspirante, mas me considero tão responsável como ele, por aqueles anos.

Pois, uns vinte anos depois, constato que este contágio continua se impregnando e que o nosso futuro comandante pensa a mesma coisa. Como outra geração? Estou dez anos à frente, mas ambos, o general e eu, fomos tenentes e capitães no regime, dito, militar (1964-1985) e estávamos aptos a exercer as missões que foram designadas a companheiros que até hoje sofrem as consequências, sem qualquer apoio do Exército.

A segunda consideração é sobre o general achar que a missão histórica da sua geração é “contribuir com a preservação dos valores da sociedade brasileira” porque “o Exército é um corte vertical na sociedade brasileira”.

A dura realidade mostra o contrário: o Exército deixou a muito tempo de ser “um corte vertical na sociedade brasileira”. E a causa não está no revanchismo, mas, entre outras, na cultura da “cota de sacrifício” que nos impuseram, desde 1964 que acabou sendo consolidada na Constituição Federal 1988 e nos transformando nos primos pobres do Estado brasileiro. Qualquer dúvida, basta recorrer às estatísticas da AMAN(Academia Militar de Agulhas Negras), onde constam os dados sobre a origem dos cadetes. Faça-se um corte vertical no perfil do Exército e se constatará que não corresponde ao da sociedade.

O sucesso que tivemos em 1964 não se deveu aos equipamentos, mas a completa projeção no Exército do “corte vertical na sociedade brasileira” o que fez o Exército pulsar na mesma freqüência da sociedade. A perfeita identidade entre as lideranças civis e militares, pela convivência nos mesmos ambientes, desde os bancos escolares. Os aratacas fazendeiros no RS que sumiram com a reforma do Ensino que acabou com as escolas preparatórias, a EPF, entre elas. Páginas e mais páginas poderiam ser escritas sobre este importantíssimo tema porque se trata do recurso mais valioso para a formação de um poderoso exército: seu pessoal, do general ao recruta.

Para ilustrar: em 1993, na Reserva e diretor de uma entidade de classe empresarial no RS iniciei uma campanha de conscientização para um fato que considero muito importante: a falta de lideranças e o distanciamento entre as lideranças civis e militares, fator decisivo no sucesso de 1964 quando existiam sólidos pontos de contato entre elas. Em uma das minhas andanças, estive com um gaúcho, um dos maiores líderes industrial do país e, depois de lhe expor esta preocupação, ele me disse que era uma exceção.

Pedi, então, que nomeasse generais que conhecia e ele me veio com “o Túlio, o Egêo e o Floriano”, referindo-se aos generais Túlio Chagas Nogueira, Egêo Freitas e Floriano Chagas, e brinquei com ele: “Esses não vale, pois são seus amigos das baias da Hípica, quero saber generais da Ativa” e ele teve que reconhecer que não conhecia nenhum. E deixo a pergunta para os nossos generais em serviço ativo: quantos líderes civis pertencem ao seu círculo de amizades, a ponto de compartilhar preocupações e de trocar informações? Em 1964 era normal, pois conviviam socialmente nos melhores clubes do interior do país, nas hípicas e estudaram nos mesmos colégios. E hoje?

A gestão do general Villas Bôas ficaria consagrada se, no final, pudesse anunciar que iniciou o longo processo de reproduzir, no Exército, o “corte vertical na sociedade brasileira”. E isso somente ocorrerá no bojo de uma reforma estrutural que faça a carreira militar se tornar atrativa, que não seja vista como a dos primos pobres do Estado e nem que seja vista como a estação de passagem para carreiras mais promissoras, como bem mostra a evasão de jovens oficiais.

Reconheço, no entanto, tão grandiosa missão somente será possível com muito desprendimento, ousadia e coragem, atitude do tipo do mencionado pelo Coronel Fregapani (Gélio) no seu último (excelente) texto (in verbis): “Consta da literatura militar que Frederico II da Prússia, recriminando a falta de iniciativa de certo comandante de batalhão, ao ouvir a justificativa de que apenas cumpria ordens teria declarado: “O Rei não faria do senhor um oficial se imaginasse que não saberia quando descumprir ordens”.

Consta que existe uma referência a esta frase numa parede da Academia Militar alemã”. Aliás, esta frase poderia substituir aquela existente no Pátio Tenente Moura (local das formaturas) da nossa AMAN (Academia Militar de Agulhas Negras), com a qual eu sempre me invoquei, desde os tempos de cadete: “Cadete! Ides comandar, aprendei a obedecer”.

 
Outros textos do Cel Péricles da Cunha

Pensamento – O Falso Inimigo dos Tenentes 2012 Link

Sonhos e frustrações de um tenente de 64 – Onde foi que erramos? 2014 Link

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