Nota DefesaNet
DefesaNet lança a análise do Marco Regulatório da Atividade de Inteligência produzidas pelo Especialista em Inteligência Estratégica e Defesa Nacional Fábio Costa Pereira. Parte I (Introdução) – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência
Parte III – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência Parte IV – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência Parte V – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência Parte VI Final – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência O texto na íntegra do Projeto de Lei nº 2719/2019, pode ser acessado em Link O Editor |
O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência – Parte IV
Fábio Costa Pereira
Especialista em Defesa e Inteligência Estratégica
I. Introdução
No artigo de hoje, mais dois pontos do Projeto de Lei serão analisados: o Capítulo IV que trata dos Integrantes dos Órgãos de Inteligência e o Capítulo V que trata das Operações de Inteligência.
Dos onze (11) capítulos que compõem a MRAI, o V, sem sombra de dúvida, é o mais polêmico de todos, pois alcançará aos órgãos de inteligência brasileiros, caso o PL seja aprovado como está, o respaldo legal necessário à busca do dado negado.
Desde a criação do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) no final do ano de 1999, portanto há mais de vinte anos, o buscar o dado negado (aquele protegido por sigilo legal/constitucional ou aquele que seu titular não quer compartilhar), para fins de inteligência, não conta com previsão legal, peregrinando, as operações de inteligência (que buscam este tipo de dado), em uma zona gris entre a licitude e a ilicitude.
Ao complicar o cenário, a possível aprovação do projeto no que tange às interceptações das comunicações telefônicas, telemáticas, dados e sinais, primeira das operações de inteligência disciplinadas na seção I do capítulo V, encontra óbices na Constituição Federal (CF).
A CF, no inciso XII do artigo 5º, é taxativa ao dizer que a relativização da inviolabilidade das comunicações somente é admissível para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, as quais, como se sabe, não se confundem com a atividade de inteligência, sendo inviável a ampliação da interpretação do texto constitucional para fins de cerceamento de direitos e garantias individuais.
Nesse sentido, manifestou-se o Relator do PL:
“Esse tema, assim, traz questionamento de inconstitucionalidade, pois o art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal estabelece que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Entretanto, a presente proposição não impõe como limite o requisito do requerimento estar circunscrito à finalidade de investigação criminal ou de instrução processual, ofendendo cláusula pétrea” – grifos nosso.
Além disso, quanto à legitimação para a dedução dos pedidos judiciais, prazos, procedimentos e respectivo controle previstos no MRAI, como adiante se verá, são mais elásticos do que os previstos nas legislações usadas como paradigmas: a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal e a Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, que define o que são organizações criminosas e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; e dá outras providências.
Por todos esses motivos, para a sua aprovação, o MRAI, no ponto, precisa inúmeras modificações e adequações.
II. Capítulo IV: Dos Integrantes dos Órgãos de Inteligência
O capítulo IV, que trata dos Integrantes dos Órgãos de Inteligência, é composto de quatro (04) artigos. O primeiro deles, o artigo 12º, define o que são integrantes orgânicos e não orgânicos; o 13º discorre sobre as garantias dos integrantes dos órgãos de inteligência; o artigo 14º dispõe sobre a proteção da identidade dos integrantes de órgãos de inteligência; e 15º define disciplina os requisitos necessários ao pedido de identificação de integrante de órgão de Inteligência.
Segundo o quanto disciplinado pelo artigo 12º, poderão integrar os órgão de inteligência efetivos orgânicos e nãoorgânicos, definidos nos incisos I e II do citado artigo, respectivamente, como:
· Pessoal orgânico: efetivo de carreira da respectiva instituição e entidade alocado para o exercício exclusivo da Atividade de Inteligência.
· Pessoal não orgânico: pessoas não integrantes do OI que de forma eventual e/ou temporária colaborem com a Atividade de Inteligência.
O artigo 13º, ao seu turno, que foi objeto de críticas pelo Relator do PL nº 2719/19, em seus quatro incisos, enumera quatro (04) garantias, em termos de proteção da identidade, dos integrantes dos órgãos de inteligência:
· não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito;
· ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas, salvo se houver decisão judicial em contrário;
· ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto na Legislação que dispõe sobre medidas de proteção a testemunhas; e,
· recusar ou fazer cessar a atuação que apresente risco a sua vida.
Na ótica do relator, relativamente ao tema, o Marco Regulatório, ao utilizar como paradigma o Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas [1] e estender a reserva de identidade, que é restrita ao órgão de inteligência, e não ao agente que nele opera, incorreu em distorções que, também por isso, impedem a sua aprovação [2].
No entanto, o PL, no que diz respeito à utilização do Programa Federal de Assistência a Vítima e Testemunhas Ameaçadas, no caso de servidores públicos no exercício de suas atribuições, não traz inovações.
A Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, que define o que são organizações criminosas e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; e dá outras providências, no inciso II do artigo 14, que se encontra na Seção três do artigo 2º, ao disciplinar os direitos dos agentes infiltrados, diz que eles poderão: “ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9º da Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas”.
Por esse motivo, havendo anterior paradigma legal, aplicável à análoga situação, não há como se entender procedente a observação levada a efeito pelo Relator do PL.
Em complemento ao artigo 13, o artigo 14º diz que as identidades dos integrantes dos Órgãos de Inteligência serão protegidas desde o ingresso no órgão até o final do vínculo.
Finalizando o Capítulo, o artigo 15, de forma acertada, dispõe que pedidos de identificação de agentes de inteligência deverão ser motivados e, em um juízo de conveniência e oportunidade, terão o seu atendimento deliberado pelo Órgão Central de Inteligência, como forma de se proteger o agente e a relevante missão que desempenha.
III. Capítulo V: Das Operações de Inteligência
O capítulo V, que trata das Operações de Inteligência, é composto de doze (12) artigos subdivididos em duas Seções. A parte introdutória conta com três (03) artigos. O primeiro deles, o artigo 16º, define o que são Operações de Inteligência; o 17º discorre sobre quais os métodos e técnicas sigilosas ou ostensivas podem ser empregadas nas Operações de Inteligência; e o artigo 18º dispõe sobre os requisitos a observar nas Operações de Inteligência.
A Seção I, que disciplina as hipóteses de interceptação das comunicações telefônicas, telemáticas, dados e sinais, conta com quatro (04) artigos. O artigo 19º que trata sobre a legitimação para requerer as interceptações; 20º que enumera os requisitos dos pedidos de interceptações; o 21º que dispõe sobre a necessidade de fundamentação das decisões que autorizarem as interceptações; e o 22º que trata sobre o procedimento judicial de autorização das interceptações.
Ao seu turno, a Seção II, que disciplina a infiltração operacional de inteligência, conta com cinco (05) artigos. O artigo 23º que disciplina as hipóteses de infiltração; o 24º que define a legitimação para o requerimento judicial de infiltração de agentes; o 25º que dispõe sobre os requisitos legais do pedido; o 26º que fala sobre o agente infiltrado e a sua responsabilização administrativa/penal; e o 27º que trata dos direitos e garantias do agente infiltrado.
III.1) A Introdução do Capítulo V
A ausência de textos legais a respaldar a busca do dado negado [3], em ambos os ramos/funções da atividade de inteligência (inteligência e contrainteligência), sempre foi um dos grandes desafios a superar pelos órgãos e agências dedicadas a essa nobre missão, pois a linha limítrofe entre o legal e o ilegal, por inexistentes balizadores que demarquem onde um começa e o outro termina, sempre foi muito tênue.
Em razão disso, o Marco Regulatório, nas Seções I e II do capítulo V, busca estabelecer as hipóteses e os limites em que as operações de inteligência nele disciplinadas, precedidas de autorização judicial, podem ser desenvolvidas.
Diz o artigo 16 do MRAI que Operações de Inteligência [4] consistem no: “[…] emprego de ações especializadas para obtenção de dados negados e a contraposição (detecção, obstrução e neutralização) às ações adversas, em apoio aos ramos Inteligência e Contrainteligência”.
Estas operações são realizadas, no âmbito de suas atribuições, pelos Órgãos de Inteligência, tanto de forma sigilosa quanto ostensiva (artigo 17, caput), sendo classificadas, pelo PL, como Técnicas (inciso I) [5], Interceptação das comunicações telefônicas, telemáticas, dados e sinais (inciso II), Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (inciso III) e Infiltração Operacional de Inteligência (inciso IV).
Além disso, as Operações de Inteligência devem observar sete grandes balizadores, os quais demarcam a fronteira do lícito e do ilícito (art. 18, I e II):
· A observância aos direitos fundamentais da pessoa humana
· Os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil
· O princípio constitucional da eficiência
· O princípio constitucional da proporcionalidade,
· O princípio constitucional da igualdade
· Os princípios éticos que regem os interesses e a segurança da sociedade e do Estado
· O estrito cumprimento das atribuições legais do órgão de Inteligência
III.2) Seção I: Interceptação das comunicações telefônicas, telemáticas, dados e sinais.
Na análise da Seção I e II, que abaixo seguirá, para fins didáticos, o presente artigo comparará o quanto contido no MRAI e nas legislações que lhe serviram como paradigma.
III.2.1) Quem pode requerer:
o Lei nº 9.296/1996: A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelojuiz, de ofício ou a requerimento; pela autoridade policial, na investigação criminal; ou pelo representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal (art. 3º, I e II).
o MRAI: Qualquer agente do Órgão Central de Inteligênciapoderá requerer ao juiz competente a autorização para a realização da interceptação de dados ou sinais (art. 19)
o Observação: a elasticidade no universo de legitimados a requerem interceptações para fins de inteligência é um ponto a ser alterado no PL, restringindo-se, para fins de controle interno e externo, tanto no que diz à preservação da legalidade quanto de sua finalidade, à chefia do Órgão Central de Inteligência, par e passo com a previsão constante no MRAI para a infiltração de agentes.
III.2.2) Requisitos:
III.2.2.1) Em comum:
o O pedido deve ser deduzido por escrito (art. 20 MRAI e art. Art. 4º, caput, da Lei nº 9.296/1996) [6];
o Demonstração de sua necessidade para a investigação criminal ou atividade de inteligência (art. 2º, inciso II, da Lei nº 9.296/1996 e art. 20, inciso III, da MRAI)
o Impossibilidade de obtenção da prova (investigação criminal) ou informação por outro meio (inteligência) – art. 2º, II e art. art. 20, inciso III, letra a, da MRAI.
o Indicação e qualificação do alvo (inteligência) ou investigado (investigação criminal) – art. 20, IV, letra a, da MRAI e art. Art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.296/1996.
III. 2.2.2) ESPECÍFICOS:
· Lei nº 9.296/1996:
o Existência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal (art. 2º, I);
o O fato investigado constituir infração penal punida com pena de reclusão (art. 2º, III);
o O pedido, excepcionalmente, pode ser formulado oralmente (art. 4º, I);
o O juiz deve deliberar sobre o pedido em 24hs (art. 4º, parágrafo 2º);
· MRAI:
o Demonstração da proporcionalidade e adequação da medida ao caso concreto e aos fins objetivados pela atividade de inteligência (artigo 20, III).
o Demonstração de que os meios e técnicas sigilosas são adequados à obtenção da informação (art. 20, III, b) [7].
o Descrição da espécie de informação, registro, documento ou coisa a ser obtida (art. 20, IV, b)[8].
III.2.3) Prazo de duração da medida:
o Lei nº 9.296/1996: o prazo máximo de duração da medida é de 15 dias, podendo ser prorrogado, por idêntico lapso temporal, desde que comprovada a sua indispensabilidade como meio de prova (art. 5º)
o MRAI: o prazo máximo de duração da medida é de 60 dias (art. 20, VII), podendo ser renovado, por idêntico lapso temporal, “se for comprovada a necessidade da renovação e continuarem presentes os requisitos legais” (art. 21).
III.2.4) Do procedimento:
o Lei nº 9.296/1996:
– Recebido o pedido, o juiz terá 24h para decidir, de forma fundamentada, sobre o pedido (art. 4º, parágrafo 1º e artigo 5º)
– Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, cientificando ao MP que, segundo o seu critério de conveniência e oportunidade, poderá acompanhar o desenrolar das investigações (art. 6º, caput) [9] .
– Em hipótese de gravação das comunicações, elas deverão ser transcritas (art. 6º, parágrafo 1º) [10]
– Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas (art. 6º, parágrafo 2º) [11].
– Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do art. 8°, ciente o Ministério Público.
– Caso necessário, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público (art. 7º) [12].
– A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas (art. 8º, caput) [13].
o MRAI:
– O procedimento correrá mediante absoluto segredo de justiça (art. 22, caput [14].
– será distribuído de modo a não desvelar a operação de inteligência ou a ação de busca a ser realizada, bem como preservando a identidade do agente de inteligência que atuará operacionalmente (art. 22, I).
– o juízo competente deverá velar, em especial, pela confidencialidade da identidade das fontes humanas (art. 22, parágrafo 2º, I) e informações cuja revelação possa colocar em risco a segurança da sociedade, do Estado ou de qualquer pessoa (art. 22, parágrafo 2º, II).
– Na decisão o juiz deverá fazer constar os nomes dos funcionários docartório ou secretaria responsáveis pela tramitação da medida e expedição dos respectivos ofícios (art. 22, parágrafo 3º), restringindo, assim, a possibilidade de vazamento e indevido compartilhamento.
III.2.5) Acompanhamento da Medida pelo MP:
o Lei nº 9.296/1996: O MP pode acompanhar o procedimento de interceptação para fins de investigação (art. 6º, caput)
o MRAI: Não há previsão na MRAI de acompanhamento da interceptação pelo MP. No entanto, enquanto órgão de controle externo da atividade de inteligência (art. 38, parágrafo 1º, V e parágrafo 2º, III, da MRAI) e no exercício de sua missão constitucional, de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF), haverá que oficiar nos feitos onde requerida a interceptação das comunicações e sinais para fins de inteligência.
III.2.6) Necessárias observações:
o No inciso III do artigo 17 do MRAI, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, que não se confunde com a interceptação das comunicações, é relacionada como uma das técnicas operacionais de inteligência que pode ser empregada no curso de operações de inteligência. No entanto, diversamente da infiltração e da interceptação das comunicações, que, tanto quanto à captação ambiental, importam em flexibilização à inviolabilidade de direitos e garantias individuais, esta não teve, no corpo do PL, qualquer tipo de previsão de rito procedimental, legitimações ao seu requerimento, tempo de duração ou mesmo limites estabelecidos. Na hipótese do diploma legal usado como paradigma, a Lei nº 9.296/1996, mais especificamente no artigo 8-A, em seus incisos e parágrafos, a escuta ambiental encontra-se amiúde disciplinada, a reforçar a indispensabilidade da prévia autorização judicial ao emprego desta técnica operacional em qualquer hipótese, seja para investigação criminal ou para fins de inteligência. Por esses motivos, caso o MRAI não sofra alterações, estará vedado às inteligências o emprego de tal técnica operacional de forma lícita.
III.3) Seção II: Da Infiltração Operacional de Inteligência
III.3.1) Requisitos:
III.3.1.1) Em comum [15]:
o O pedido deve ser deduzido por escrito (art. 20 MRAI e art. Art. 11º, caput, da Lei nº 12.850/2013)[16];
o Demonstração de sua necessidade para a investigação criminal ou atividade de inteligência (art. 10º, caput, e 10-A, caput, ambos da Lei nº 12.850/2013e art. 20, inciso III, da MRAI)
o Impossibilidade de obtenção da prova (investigação criminal) ou informação por outro meio (inteligência) – art. 10, par. 2º, e 10-A, par. 3º, da Lei nº 12.850/2013e art. 2º, II e art. art. 20, inciso III, letra a, do MRAI.
o Apresentação de relatório acerca da infiltração (art. 10º, par. 4º, e 10-A, ambos da Lei nº 12.850/2013 e art. 26, inciso III, do MRAI).
III.3.1.2) Específicos:
o Lei nº 12.850/2013 (art. 10º):
1) Apresentação de relatório ao Juízo – art. 10º, par. 4º (inconcebivelmente o MRAI não prevê a entrega de relatório dando conta da infiltração ao juízo competente, importante hipótese de controle da legalidade e da observação da finalidade da Operação de Inteligência realizada. Isso não equivale dizer que o juízo e os demais atores que oficiarem no procedimento judicial de infiltração não devam o entender como de inteligência, sobre ele preservando o sigilo e a clara compreensão da inafastabilidade do requisito necessidade de conhecer).
2) Prévia oitiva e vista do relatório acerca da infiltração ao MP – art. 10º, par. 5º, e art. 10º A, par. 5º (não há previsão na MRAI);
III.3.2) Hipóteses de emprego:
o Lei nº 12.850/2013 (art. 10º, combinado com o art. 1º):
1) Na investigação de crimes cometidos por organizações criminosas;
2) Na hipótese de infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
3) Na investigação de organizações terroristas.
o MRAI:
1) Espionagem havendo suspeita fundada;
2) Terrorismo;
3) Ameaças ao Estado (conceituação muito vaga, a permitir o desvio de finalidade da medida tanto para fins políticos quanto ideológicos, a jusante e a vazante dos reais interesses do Estado e da sociedade, pelo que as hipóteses de emprego devem ser minudentemente declinadas);
4) Subsidiar o planejamento de operações de preservação da Ordem Pública (em realidade aplicável aos níveis estratégico, tático e operacional).
Obs: aqui um ponto importante. A Política Nacional de Inteligência (PNI) e a Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública (PNISP), ao declinarem as principais ameaças sobre as quais a atividade de inteligência nacional deve focar a sua atenção, são muito mais abrangentes do que o MRAI. No item 6 da PNI há onze (11) ameaças consolidadas, enquanto a PNISP, também em seu item 6, traz oito (08) ameaças. Por esses motivos, a atividade de infiltração de agentes prevista na MRAI, diante do largo espectro de ameaças que são objeto de atuação das inteligências, demonstra-se como insuficiente para dar conta das reais necessidades operacionais dos chamados soldados do silêncio. Abaixo o quadro comparativo:
PNI | PNISP | MRAI |
ESPIONAGEM | ESPIONAGEM | |
SABOTAGEM | ||
INTERFERÊNCIA EXTERNA | ||
AÇÕES CONTRÁRIAS À SOBERANIA NACIONAL
ATAQUES CIBERNÉTICOS |
AÇÕES CONTRÁRIAS ÀS INFRAESTRUTURAS CRITICAS
AÇÕES CONTRÁRIAS À SSP NO ESPAÇO CIBERNÉTICO |
AMEAÇAS AO ESTADO |
TERRORISMO E SEU FINANCIAMENTO | LAVAGEM DE DINHEIRO E EVASÃO DE DIVISAS | TERRORISMO |
ATIVIDADES ILEGAIS ENVOLVENDO BENS DE USO DUAL E TECNOLOGIAS SENSÍVEIS | ||
ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA | ||
CRIMINALIDADE ORGANIZADA | CRIMINALIDADE ORGANIZADA | |
CORRUPÇÃO | CORRUPÇÃO | |
AÇÕES CONTRÁRIAS AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO | AÇÕES CONTRÁRIAS AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
CRIMINALIDADE VIOLENTA DESASTRES NATURAIS OU TECNOLÓGICOS COM IMPACTO NA SEGURANÇA PÚBLICA |
SUBSIDIAR O PLANEJAMENTO DE OPERAÇÕES DE PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA |
III.3.3) Legitimados a requerer:
o Lei nº 12.850/2013 (art. 10º, caput):
1) O Delegado de Polícia;
2) O Ministério Público.
o MRAI (art. 24):
1) O Chefe do Órgão Central de Inteligência
· Prazo de duração da medida:
o Lei nº 12.850/2013 (art. 10º, parágrafo 3º): 6 meses com possibilidade de renovação do prazo, desde que comprovada a necessidade da medida.
o MRAI (art. 25, parágrafo único): 6 meses com possibilidade de renovação do prazo, desde que comprovada a necessidade da medida.
III.3.4) Acerca do Agente Infiltrado:
o Lei nº 12.850/2013 (art. 10, parágrafo 6º e art. 10,c e seu parágrafo único)
1) Não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos no art. 1º da Lei
2) O policial infiltrado responderá pelos excessos praticados
3) O agente infiltrado deverá produzir relatórios quando demandado pelo Delegado de Polícia, MP e juízo.
o MRAI (art. 26, incisos I, II, III e IV):
1) Responderá pelos excessos praticados
2) Não será punível pelos crimes que praticar quando inexigível conduta diversa
3) Deve produzir os relatórios demandados pelo chefe da OCI
4) Os seus dados não poderão consultados durante o período que durar a infiltração e até doze meses depois de seu término
III.3.5) Direitos dos agentes:
Lei nº 12.850/2013 (art. 14, I, II, III e IV):
1) recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;
2) ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9º da Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas;
3) ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário;
4) não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.
o MRAI (art. 27, incisos I, II, III e IV):
1) recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada
2) ter sua identidade alterada e usufruir das medidas de proteção a testemunhas, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9º da Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, quando for o caso
3) ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durantes e após a operação, salvo se houver decisão judicial em contrário, devidamente fundamentada
4) não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito e consentimento da agência de inteligência.
III.3.6) Necessárias observações:
o O MRAI não trouxe a expressa previsão da possibilidade de infiltração digital para fins de inteligência, tal como ocorre na Lei nº 12.850/2013, a necessitar o PL, no ponto, de aprimoramento para a viabilização dessa modalidade de infiltração; e
o O MRAI não trouxe a possibilidade de acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações, tal como ocorre na Lei nº 12.850/2013, artigos 15, 16 e 17, a necessitar o PL, no ponto, de adequação para a viabilização dos órgãos de inteligência, no exercício de sua missão, obterem tais dados e informações independentemente de autorização judicial.
IV. Considerações finais:
No próximo artigo analisaremos os artigos VI, VIII e VIII do MRAI que tratam, respectivamente, dos outros meios de produção do conhecimento, dos meios e das vedações impostas à inteligência.
[1] Inciso III do artigo 13.
[2] “Outra distorção trazida pelo projeto de lei é a proteção da identidade do integrante do Órgão de Inteligência como se estivesse no Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas (Lei nº 9.807, de 1999). Na atividade de inteligência é o órgão e não o agente que possui sua reserva de identidade, sendo a necessidade da atividade em si que ditará a vinculação da identidade” (AMIM, Esperidião. Parecer, 2019).
[3] “Dado negado é aquele que, devido a sua sensibilidade, encontra-se sob proteção de seu detentor, que quer resguardá-lo do acesso não autorizado. O acesso ao dado negado pelo órgão de Inteligência exige o uso de técnicas operacionais, que são formas específicas de emprego de pessoal e de material nas operações. Em razão de suas características e finalidade, seu uso requer pessoal especializado, planejamento detalhado e execução cuidadosa” (DNISP, 2016, p. 45).
[4] Podemos considerar as Operações de Inteligência, em última análise, como “um modo de contornar obstáculos a fim de alcançar um objetivo” (DNISP, 2016).
[5] O MRAI, exemplificativamente, referencia oito técnicas operacionais de inteligência empregadas nas operações de inteligência, a saber:
a) Reconhecimento: é Ação de Busca realizada, mediante observação, para obter dados sobre o ambiente operacional ou identificar alvos;
b) Vigilância: é a Ação de Busca realizada, mediante observação, para levantar dados sobre um alvo;
c) Recrutamento Operacional: é a Ação de Busca realizada para convencer ou persuadir uma pessoa não pertencente ao Órgão de Inteligência, a trabalhar em benefício deste;
d) Infiltração: é a Ação de Busca realizada para colocar uma pessoa já recrutada junto ao alvo, a fim de obter dados negados.
e) Desinformação: é a Ação de Busca realizada para, intencionalmente, ludibriar alvos (pessoas ou organizações), a fim de ocultar os reais propósitos e/ou de induzir os mesmos a cometerem erros de apreciação, levando-os a executar um comportamento predeterminado;
f) Provocação: é a Ação de Busca, com alto nível de especialização, realizada para fazer com que um alvo modifique seus procedimentos e execute algo desejado pelo órgão de inteligência, sem que o alvo desconfie da ação;
g) Entrevista: é a Ação de Busca realizada para obter dados por meio de uma conversação, consentida pelo alvo, mantida com propósitos definidos e planejada e controlada pelo entrevistador;h) Interrogatório: é a Ação de Busca realizada para obter dados por meio de uma conversação, não consentida pelo alvo, mantida com propósitos definidos e planejada e controlada pelo interrogador.
[6] No ponto, tratando-se a interceptação de comunicações em cerceamento de Direitos e Garantias individuais insculpidos na CF, a necessidade de observância das formas, consequência do devido processo legal, é fundamental, inclusive para o controle dos atos tanto administrativos quanto judiciais.
[7] Como o PL foi elaborado quase três décadas após a Lei nº 9.296/1996, os meios e as técnicas empregados para a interceptação de comunicações e sinais, tanto em quantidade quanto em qualidade, tornaram-se mais abundantes dos que, na altura da publicação desta Lei estavam disponíveis. Daí o motivo do requisito ADEQUAÇÃO entre meios e fins.
[8] Importante lembrar que a finalidade da inteligência não se confunde com a da investigação criminal. Enquanto esta busca elucidar a autoria e buscar provas da materialidade do ilícito, a outra busca desvelar a realidade que fatos e eventos significam para produzir conhecimentos uteis à tomada da decisão.
[9] Não há previsão expressa na MRAI acerca do acompanhamento do MP.
[10] A MRAI silencia sobre a transcrição das gravações das comunicações.
[11] A MRAI também silencia acerca do final das diligências, não especificando o que e de que forma deve ser o resultado da operação reportado ao juízo.
[12] Aqui mais um ponto em que a MRAI silencia, o que poderá gerar dificuldades aos agentes de inteligência ao tentarem operacionalizar as interceptações das comunicações.
[13] Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.
[14] Aqui o texto da lei incorre em pleonasmo, pois, se há segredo de justiça, ele é absoluto, não comportando relativizações, somente sendo acessível àqueles com necessidade de conhecer e devidamente autorizados.
[15] O artigo 25 do MRAI fala na observação dos mesmos requisitos exigidos para as interceptações das comunicações disciplinadas no artigo 19 e seus incisos.
[16] No ponto, tratando-se a interceptação de comunicações em cerceamento de Direitos e Garantias individuais insculpidos na CF, a necessidade de observância das formas, consequência do devido processo legal, é fundamental, inclusive para o controle dos atos tanto administrativos quanto judiciais.