Leonardo Coutinho
Jornalista, autor do livro “Hugo Chávez, o espectro”, pesquisador e comentarista sobre segurança e relações internacionais. Escreve semanalmente, na Gazeta do Povo desde Washington, D.C.
Gazeta do Povo
03 Dezembro 2021
Fundado em 1990, no rastro do colapso da União Soviética (URSS), como uma boia para a esquerda latino-americana que se via à deriva, o Foro de São Paulo é talvez uma das organizações mais superestimadas em suas capacidades e subestimadas em seus objetivos.
Esse é o grande trunfo do Foro. Os superpoderes atribuídos a eles servem de roteiro para as mais fabulosas teorias da conspiração e para colocar em descrédito quem vê no Foro uma ameaça. O Foro é tão onipresente nas críticas à esquerda no continente que chega a ser caricato. Absurdamente caricato. O descrédito é a cobertura perfeita para os membros do Foro avançarem em seus planos.
Em resumo: o Foro de São Paulo não pode tudo. Não está metido em tudo. Mas é capaz de fazer muito. E faz muito.
Nesta semana, o Foro de São Paulo e seus membros celebraram a terceira edição do Fórum de Partidos Políticos China-Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Cerca de 400 representantes de organizações políticas da América Latina atenderam ao evento no qual os chineses “esclareceram” pontos da sexta sessão plenária do 19º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC). Em linhas gerais, uma pregação para convertidos que veem na China a fonte de sustento de suas ideologias e quem sabe…
O Foro de São Paulo era a estrela do evento. A maioria das organizações representadas está sob o guarda-chuva do Foro. Em seu discurso, a secretária-geral da organização, a petista e ex-mulher de Delúbio Soares, Mônica Valente, parabenizou a China por salvar vidas durante a pandemia e falou de uma obtusa contribuição “para a construção para uma sociedade para um futuro compartilhado, suscitada por iniciativa do presidente Xi Jinping”.
Na semana passada, a ex-presidente Dilma disse que “a China representa uma luz nessa situação de absoluta decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais”. Uma espécie de epitáfio para a democracia sustentada na admiração por um regime de partido único que persegue, prende e escraviza opositores.
No fim de semana passada, um eurodeputado do VOX falou longamente em uma sessão do Spaces no Twitter. Para ele, todos os problemas da América Latina e alguns da Espanha, de onde ele é, têm origem no Foro de São Paulo. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro também pensa assim. Muita gente pensa assim.
Mas pouca gente pensa que – à exceção dos cinco partidos brasileiros, que são endinheirados, e das agremiações enroscadas com o tráfico de cocaína como as Farc, da Colômbia, o MAS, da Bolívia, e o PSUV, da Venezuela – a maioria dos membros são grupos descapitalizados e que sem algum tipo de ajuda externa têm pouca ou quase nenhuma capacidade de atuar.
O poder do Foro de São Paulo é de base. E isso já foi descrito por esta coluna (aqui). São especialistas em fazer protestos, mobilizar aliados locais, criar instabilidade e vender estabilidade.
Como proxy regional, o Foro de São Paulo é o instrumento perfeito. E tudo indica que a China não só entendeu como está fazendo uso.
E esta é a combinação que importa. O Foro de São Paulo como agremiação é uma piada. Visto como agremiação, são perfeitamente justificáveis as gargalhadas que alguns dão quando uns dizem que o Foro busca algo parecido com a grotesca crença na Ursal. Mesmo quem vê o Foro em uma perspectiva menos amalucada se esquece de pensar que sozinho ele não é nada.
Cuba, o grande cérebro do mal do Foro, não é nada sem quem lhe pague as contas. O regime parasita de tempos em tempos pula para um novo hospedeiro para bancar suas ações. Foi a URSS, depois a Venezuela, o Brasil e agora é a China. Seus tentáculos, por meio do Foro, são instrumentos. Pavimentam o caminho localmente para quem realmente importa possa atuar.
Por falar em operadores locais…
Como parte do mesmo evento, a estatal de comunicação do regime chinês, a CGTN, anunciou que vai avançar com força sobre a América Latina. Como eles definiram, “uma ação para aprofundar sua cooperação, reunir forças e aumentar o consenso”.
Lembram-se que a CGTN assinou termos de colaboração com a TV Cultura de São Paulo, a Band, Grupo Globo e a EBC? Pois é. Não são os únicos. Em um comunicado, a estatal disse que são mais de 30 organizações de mídia da América Latina em cooperação com eles em “uma variedade de projetos, incluindo fóruns online, coproduções, exibições e talk shows”.
Em um pronunciamento por vídeo, transmitido no mesmo evento entre o regime e o Foro de São Paulo, o presidente do China Media Group (CMG), Shen Haixiong, festejou a conquista e garantiu que a China “lutará pelo desenvolvimento mútuo e pelo amplo intercâmbio com a mídia latino-americana”.
Cuba, Maduro, Foro de São Paulo e sua turma são peças. Importantes, mas peças. De um jogo muito maior e complexo. O elefante está passando na nossa frente, mas estamos assustados com as trincas na unha de sua pata esquerda.