Ironias da Vida
A prisão pela Polícia Federal de Adilson Florêncio da Costa, na sexta-feira (24JUN2016), pela possibilidade de integrar um esquema que desviou R$ 90 milhões da Postalis e da Petros, os fundos de pensão dos funcionários dos Correios e da Petrobras trouxe lembranças do passado.. Adilson é ex-diretor financeiro da Postalis.
O fato que seria mais um dos vários escândalos políticos atuais reviveu um fato acontecido há 39 anos atrás. O então menino Adilson, 13 anos, foi salvo do fosso das ariranhas, no Zoológico de Brasília, pelo 2º Sargento do Exército Sílvio Delmar Holenbach.
O Sargento Holenbach que estava visitando o Zoológico com a esposa e os 4 filhos ao ver o fato saiu de seu carro e pulou no fosso retirando Adilson. As ariranhas estavam muito agitadas ou por estarem com crias, ou pelo calor ou talvez não terem sido alimentadas corretamente naquele domingo.
Até que o Sargento Holenbach pudesse ser tirado do fosso ele foi mordido dezenas de vezes pelas ariranhas. A queda ocorreu no dia 20 Agosto e dez dias depois veio falecer por infecção generalizada. Mesmo que as equipes médicas tivessem empregado o que mais moderno tinha na época foi impossível conter as infecções..
A viúva do sargento ao saber da prisão de Adilson chorou por quem o marido dela deu a vida. “Ela não quis fazer nenhum comentário a respeito do assunto”, ressaltou o filho dele o médico otorrinolaringologista, Sílvio Delmar Hollenbach.
O maior reconhecimento da ação do Sargento Holenbach está no que o chefe do Serviço de Emergência do Hospital das Forças Armadas, Dr Alfredo Granemann de Moraes, anotou na ocorrência que: “sem muitas palavras gostaria de deixar registrado a admiração, que nos causou o gesto do paciente.”
As famílias do herói e do garoto salvo por ele nunca tiveram contato. Nem mesmo houve um agradecimento formal. O filho, médico Sílvio Holenbach, no entanto, garante não haver mágoas por parte dos parentes dele. “Nunca cobramos ou esperamos esse agradecimento”, frisou.
Abaixo a homenagem do jornalista Lourenço Diaféria, publicada na Folha de São Paulo, em 01 Setembro de 1977. A publicação originou um processo em tribunal militar por 3 anos.
Herói. Morto. Nós. … *Lourenço Diaféria O garoto está salvo. O sargento morreu e está sendo enterrado em sua terra. Que nome devo dar a esse homem? Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na guerra, se não disparou nenhum tiro, se não foi enforcado, tanto melhor. Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de uma total inconsciência do perigo. Pois quero que se lixem as explicações. Para mim, o herói, como o santo, é aquele que vive sua vida até as últimas consequências. O herói redime a humanidade à deriva. Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua mulher. Acabaria capitão, major. Está morto. Um belíssimo sargento morto. E todavia. Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias. O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel – onde se reúnem os ciganos e as pombas do entardecer – oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. Ao povo desgosta o herói de bronze, irretocável e irretorquível, como as enfadonhas lições repetidas por cansadas professoras que não acreditam no que mandam decorar. O povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um sargento que dê as mãos aos filhos e à mulher, e passeie incógnito e desfardado, sem divisas, entre seus irmãos. No instante em que o sargento – apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher – salta no fosso das simpáticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos. Esse sargento não é do grupo do cambalacho. Esse sargento não pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidadão deve ser civil ou militar. Duvido, e faço pouco, que esse pobre sargento morto fez revoluções de bar, na base do uísque e da farolagem, e duvido que em algum instante ele imaginou que apareceria na primeira página dos jornais. É apenas um homem que -como disse quando pressentiu as suas últimas quarenta e oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua última viagem- não podia permanecer insensível diante de uma criança sem defesa. O povo prefere esses heróis: de carne e sangue. Mas, como sempre, o herói é reconhecido depois, muito depois. Tarde demais. É isso, sargento: nestes tempos cruéis e embotados, a gente não teve o instante de te reconhecer entre o povo. A gente não distinguiu teu rosto na multidão. Éramos irmãos, e só descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te enterramos. O herói e o santo é o que derrama seu sangue. Esse é o preço que deles cobramos. Podíamos ter estendido nossas mãos e te arrancando do fosso das ariranhas – como você tirou o menino de catorze anos – mas queríamos que alguém fizesse o gesto de solidariedade em nosso lugar. Sempre é assim: o herói e o santo é o que estende as mãos. E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis – tarde demais. *Lourenço Diaféria respondeu a processo nos tribunais militares, foi absolvido em 1979. Morreu em 2009. |
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