David E. Sanger e William J. Broad
13 fev 2019 -New York Times
O Globo 14 Fev 2019
VARSÓVIA E NOVA YORK – A Casa Branca retomou um programa secreto para sabotar os mísseis e foguetes convencionais do Irã, com o propósito de enfraquecer as Forças Armadas. Autoridades americanas disseram ser impossível conhecer com certeza o sucesso do programa, que nunca foi reconhecido publicamente. Somente no mês passado, duas tentativas iranianas de lançar satélites fracassaram minutos após a decolagem.
Os dois fracassos — um deles, dia 15 de janeiro, publicamente anunciado, e o outro, em 5 fevereiro, não reconhecido — fazem parte de um padrão nos últimos 11 anos. No período, 67% dos lançamentos iranianos falharam, um número alto em comparação com as tentativas de outros países.
Os reveses não detiveram o Irã. Nesta semana, o presidente Hassan Rouhani ressaltou a importância do arsenal de foguetes de Teerã para o país.
O governo Trump, depois de romper unilateralmente o acordo sobre o programa nuclear iraniano, alega que o país tem o objetivo de desenvolver um míssil balístico intercontinental. Em janeiro, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, observou que os lançadores de satélites do Irã têm tecnologias "praticamente idênticas e intercambiáveis com as usadas em mísseis balísticos".
Pompeo está em Varsóvia nesta semana com o vice-presidente Mike Pence para liderar uma reunião de 60 países, que foi criada com o objetivo de se contrapor ao Irã, mas, após encontrar desaprovação europeia, precisou se reformular como um encontro sobre a paz no Oriente Médio. Segundo o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o encontro mantém o objetivo de se opor a Teerã.
Sob condição de anonimato, o New York Times escutou mais de seis ex-funcionários e agentes do governo americano que trabalharam no programa de sabotagem nos últimos 12 anos. Eles descreveram que o programa foi criado pelo presidente George W. Bush, inicialmente com o propósito de fornecer peças e materiais defeituosos para a cadeia aeroespaciai iraniana.
O programa se manteve ativo no início do governo Obama, mas tinha enfraquecido em 2017, até Pompeo assumir o cargo de diretor administrativo e revigorá-lo.
Teerã já desconfia da sabotagem. Mesmo antes de Trump sair do acordo nuclear, em maio de 2018, o chefe do programa iraniano de mísseis, Amir Ali Hajizadeh, acusou agências de inteligência americanas e aliadas de levarem adiante campanhas de “sabotagem nuclear”.
A CIA se recusou a comentar as iniciativas, e autoridades do governo pediram ao jornal que alguns detalhes fossem omitidos, porque o programa permanece em vigor.
Mísseis vulneráveis
Tantos detalhes podem atrapalhar o lançamento de um míssil — desde uma solda mal feita, até um clima adverso — que alguns dos problemas podem decorrer de um mal funcionamento normal. O recente aumento das falhas, no entanto, sugere que esforços para atrapalhar lançamentos espaciais e testes de mísseis do Irã podem ter se intensificado.
As ações secretas contra o programa de foguetes e mísseis do Irã estão sendo tomadas de países e empresas que fornecem peças para operações aeroespaciais de Teerã.
A motivação inicial do Irã para buscar mísseis poderosos foi o seu medo do Iraque, ainda na década de 1980. Na época, forças de Saddam Hussein lançaram projéteis contra cidades iranianas que mataram centenas de civis. O Irã revidou com mísseis de fabricação soviética, adquiridos da Líbia, da Síria e da Coreia do Norte.
Na década de 1990, o Irã passou a importar um míssil norte-coreano conhecido como No Dong, que rebatizou como Shahab-3, ou Shooting Star-3. O míssil poderia viajar cerca de 800 quilômetros, o suficiente para atingir Israel. Após a invasão do Iraque liderada pelos americanos em 2003, Washington e seus aliados intensificaram os esforços para frustrar as ambições nucleares e de mísseis de Teerã.
Em 2006, o Conselho de Segurança da ONU exigiu que o país parasse de enriquecer urânio, principal combustível das armas nucleares. A recusa do Irã provocou a imposição de sanções que proibiram a importação de materiais e tecnologias necessários para desenvolver combustível nuclear e também para produzir mísseis.
Bush desenvolveu então dois programas secretos contra o Irã, um focado em materiais nucleares e o outro em mísseis. A CIA, com a ajuda da Agência de Segurança Nacional, procurou maneiras de subverter fábricas, cadeias de suprimentos e lançadores.
Esta tarefa foi simples, de acordo com autoridades dos governos Bush e Obama. A interrupção de uma decolagem poderia voo poderia exigir apenas uma mudança pequena em uma válvula crucial, ou uma modesta alteração em uma peça do motor, ou uma liga metálica preparada para alterar a estabilidade aerodinâmica.
‘Lançamentos invalidados’
Militares americanos pressionaram os congressistas a colocar mais recursos nos programas aos quais, em depoimentos públicos, se referiram, de modo indireto, como “lançamentos invalidados” — assim chamados porque dependem que a sabotagem aconteça antes da decolagem.
Para fazer isso no caso do Irã foi necessário identificar as redes de fornecedores que vendiam peças e materiais aeroespaciais para o país. As sanções da ONU também significaram que o país dependia do mercado negro e de intermediários, alvos que a CIA encontrou com relativa facilidade, de acordo com dois ex-agentes.
A principal estratégia, várias pessoas disseram, foi frustrar o lançamento de novos mísseis. Se os testes dessem errado, o Irã não iria produzir armamentos em massa. Durante o governo de Barack Obama, os alvos se expandiram, não se restringindo a mísseis, mas incluindo também foguetes espaciais, que o país utiliza para pôr satélites em órbita.
Segundo a primeira secretária de Estado de Obama, Hillary Clinton, o desenvolvimento de um foguete poderia ajudar o desenvolvimento de mísseis.
Alguns especialistas em foguetes questionam esses argumentos, dizendo que qualquer tecnologia comum é insignificante. O Irã, por sua vez, afirma que seus lançamentos de satélite não têm valor militar e que não busca produzir armas nucleares.
Quando Pompeo assumiu, havia pouca atividade nuclear em andamento no Irã. A maioria das centrífugas de Teerã foram desmanteladas pelo acordo de 2015, e 97% do combustível nuclear do país havia sido enviado para a Rússia.
Mas o Irã havia aumentado seu programa espacial e de mísseis. Pompeo então imediatamente se dedicou a atacar a sua cadeia de produção.
Insucessos em série
O Irã conseguiu colocar um pequeno satélite em órbita em 2009. Repetiu o feito em 2011, 2012 e 2015. Segundo o astrônomo de Harvard Jonathan McDowell, especializado em monitoramento orbital, aqueles quatro lançamentos foram os únicos sucessos claros de uma dúzia de tentativas.
Ao menos uma vez, um foguete iraniano explodiu na plataforma de lançamento, deixando uma destruição tão vasta que podia ser vista de um satélite. Autoridades iranianas mantiveram silêncio sobre o desastre, em 2012.
Até agora, o Irã não conseguiu testar com êxito a mais nova geração de seu lançador de satélites, um foguete maior e mais poderoso, conhecido como Simorgh ou Phoenix. O veículo, de aproximadamente nove andares, foi inaugurado abril de 2016, em um teste envolto em segredo. Sabe-se, contudo, que com certeza nenhum satélite entrou em órbita.
Em julho de 2017, outro Simorgh foi lançado no Centro Espacial Imam Khomeini, um complexo a leste de Teerã. O Irã disse que o teste foi um sucesso. Mas, mais uma vez, nenhum satélite foi visto por monitores do céu. Washington disse que houve um "fracasso catastrófico".
Em janeiro, Pompeo alertou o Irã contra o lançamento de um Simorgh, detectado por satélites espiões. Após a decolagem, em janeiro 15, as autoridades iranianas declararam que sofreram o que chamaram de um fracasso de terceiro estágio.
Outros fatores?
Alguns especialistas atribuíram o fraco desempenho do Irã a outros fatores, incluindo embargos comerciais que bloqueiam a melhor tecnologia.
— Não é um grande histórico, mas não é anormal, especialmente dadas as sanções — disse McDowell, o astrônomo de Harvard. — Torna mais difícil conseguir peças.
O programa americano secreto é paralelo a um esforço de sabotagem contra a Coreia do Norte, que sofreu uma série de falhas de mísseis em 2016, antes de suspender seus testes de voo um ano depois.
A Coreia do Norte desde então desenvolveu mísseis movidos a combustível sólido, um esforço que Teerã agora se apressa para imitar. Os foguetes de combustíveis sólidos são menos vulneráveis a ataques secretos que as engrenagens dos movidos a líquido.
No lançamento de uma nova estratégia antimísseis no Pentágono no mês passado, Trump fez referência ao mais recente lançamento fracassado de Teerã. Se tivesse logrado sucesso, disse o presidente, o Irã obteria "informações críticas" que poderia usar "para perseguir mísseis balísticos intercontinentais”, capazes, afirmou, “de alcançar os Estados Unidos".
— Não vamos deixar isso acontecer — disse Trump.
Brigadeiro General Amir Ali Hajizadeh, chefe do Programa de Mísseis do Irã tem afirmado que as atividades continuarão de qualquer maneira.