JOÃO VALADARES
GRASIELE CASTRO
A menos de quatro meses para o início da Copa do Mundo, os Centros Integrados de Comando e Controle (CICCs), os cérebros que vão interligar todas as forças de segurança envolvidas com o evento para execução de planejamento e táticas operacionais, ainda não ficaram prontos. Das 13 unidades previstas, que já poderiam estar funcionando para que os agentes públicos tivessem mais tempo de se adaptar à nova estrutura, 10 delas ainda estão praticamente pela metade. O ritmo lento agrava o já criticado e ineficaz trabalho de inteligência do governo para conter as violentas manifestações de rua, que sacudiram capitais brasileiras no ano passado e apresentam fortes sinais de recrudescimento. O fato é que o Brasil ainda carrega uma interrogação do tamanho do próprio território quando o assunto é a segurança na Copa.
Em 2013, o atraso no cronograma dos CICCs foi grande. São Paulo, por exemplo, apresentava apenas 17% de execução. Agora, o Governo Federal corre contra o tempo, mas garante que todos os centros serão entregues até abril. Dados oficiais da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos (SESGE) apontam que a chamada "infraestrutura não técnica", que engloba as instalações necessárias para o funcionamento dos equipamentos, anda em ritmo lento. Das 12 sedes da Copa, nove apresentam menos de 35% de execução nesse quesito. Em alguns casos, a exemplo do Paraná, até a semana passada, por exemplo, ainda não havia energia elétrica no local. Para iniciar o trabalho de integração das redes, os técnicos dependeram de um gerador.
É justamente pelo ritmo lento que as soluções tecnológicas ainda não foram implementadas completamente. Minas Gerais, por exemplo, só tem 11% do que o governo chama de solução integradora implantada. Quem tem a situação mais avançada é o Distrito Federal, com 44%, onde ficará o centro de controle nacional. Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo instalaram apenas 25% em relação à parte tecnológica da estrutura. As salas-cofres, entretanto, onde os servidores ficam guardados, estão prontas.
Nos bastidores, comenta-se que alguns estados, a exemplo de São Paulo, criaram problemas para repassar a base de dados para a integração das redes. Há até quem diga que a "má vontade" foi motivada por um possível boicote eleitoral do governo tucano para prejudicar os planos da presidente Dilma Rousseff. O governo paulistano nega. No início do ano, São Paulo apressou o passo e, mesmo assim, só tem metade da obra pronta até o momento. A Receita Federal também dificultou o repasse de algumas informações. O Palácio do Planalto foi acionado, e o problema, resolvido.
"Engrenagem"
Em entrevista ao Correio, o secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos, delegado federal Andrei Augusto Passos Rodrigues, afirmou que o grande desafio é justamente fazer com que as forças consigam trabalhar de forma integrada. "O grande êxito vai ser conseguir fazer a integração entre as instituições, que cada uma cumpra seu papel e que essa engrenagem se mova de maneira perfeita", afirmou.
Rodrigues reconheceu que o maior temor é com a violência durante as manifestações. "A grande preocupação da segurança pública não é com manifestações pacíficas. Nosso país é democrático, livre, e é um dever da segurança pública garantir essa normalidade do processo democrático. O foco da segurança pública e a preocupação é com a violência nos protestos. São os atos de vandalismo, depredações, saques, furtos e casos como esse lastimável episódio do Santiago", salientou.
O secretário explicou a estratégia do governo para tentar evitar episódios violentos. "Nosso foco é esse: em primeiro lugar, tentar evitar que isso aconteça, com ações de inteligência e capacitação dos profissionais que atuam nesses eventos e, em segundo lugar, coibir, quando identificados, essa atuação criminosa de pequenos grupos que se usam do protesto para cometer crimes", afirmou.
Obras
Confira o andamento da construção dos centros de monitoramento nas unidades da Federação
Brasília (centro nacional) – 64%
Rio de Janeiro (centro nacional alternativo) – 60%
Amazonas – 48%
Bahia – 53%
Ceará – 53%
Distrito Federal – 61%
Minas Gerais – 45%
Mato Grosso – 53%
Pernambuco – 55%
Paraná – 56%
Rio Grande do Norte – 53%
Rio Grande do Sul- 49%
São Paulo – 49%
Implantação da tecnologia de interligação das redes
Brasília (nacional) – 44%
Rio de Janeiro – 28%
Amazonas – 25%
Bahia – 25%
Ceará – 25%
Distrito Federal – 39%
Minas Gerais – 11%
Mato Grosso – 25%
Pernambuco – 28%
Paraná – 28%
Rio Grande do Norte – 25%
Rio Grande do Sul – 25%
São Paulo – 25%
Despreparo policial
Especialistas em segurança pública apontam as ações de inteligência das polícias brasileiras como o ponto mais fraco na hora de inibir atos de violência. O professor Luis Flávio Sapori, coordenador do Centro de Pesquisas de Segurança Pública da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), afirma que a força policial no Brasil não está tecnicamente preparada para atuar nas manifestações de rua.
"É um fenômeno novo no nosso país. É diferente da violência urbana a que estamos acostumados. Não tenho dúvida de que o nível de policiamento será enorme na Copa. Os cidadãos brasileiros vão se sentir seguros como nunca. Mas as manifestações são imprevisíveis. A grande preparação de inteligência tinha que já ter sido feita", afirma.
Para ele, as polícias precisavam ter identificado os principais integrantes do grupo black bloc. "Esse era o trabalho que teria que ter sido feito. Para evitar abusos e mortes indevidas tem que agir de forma inteligente", ressaltou.
O cientista político e pesquisador do Laboratório de Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), João Trajano Sento Sé, afirma que as polícias do Brasil sempre investiram na força. "Esses protestos podem redundar em violência em qualquer parte do mundo. Isso não é um privilégio negativo do Brasil. Lamentavelmente, o problema é que as polícias de Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre, só para citar alguns exemplos, não são preparadas para lidar com esse tipo de fenômeno. A gente sempre pensou polícia desse jeito. Investimos pouco e aumentamos o uso da força. É o único recurso de que ela (a polícia) dispõe", declara. (JV e GC)
Agentes estrangeiros atuarão no país
CICC nacional de Brasília: centro principal funciona no edifício da Polícia Rodoviária Federal. Já a unidade regional fica na sede da SSP-DF
GRASIELE CASTRO
Na reta final da preparação para a Copa do Mundo, o esquema de segurança começou a ser traçado com a ajuda das polícias dos países que atuam no Mundial. Assim como ocorreu no planejamento de segurança do torneio promovido na África do Sul em 2010, o Brasil contará com pelo menos dois agentes de cada delegação. Eles vão atuar em duas frentes, tanto nas ruas quanto nos centros de monitoramento. Apesar da participação de polícias estrangeiras, elas não estarão livres para exercer função plena no país. O titular da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (Sesge), Andrei Augusto Passos Rodrigues, esclarece que esses agentes estarão desarmados e serão supervisionados por um oficial brasileiro.
Mesmo com a expectativa de protestos durante o evento esportivo, esses profissionais não são classificados como reforço policial, embora o trabalho deles seja considerado como uma espécie de reforço na área de inteligência. A ideia é que toda a segurança envolvida no evento trabalhe em conjunto. De acordo com Rodrigues, representantes das 32 seleções terão assento no centro de cooperação policial internacional. "Lá, ocorrerá a troca de informações. O agente de segurança receberá dados e informações de seu país e retransmitirá para a operação no Brasil", diz. O trabalho realizado em solo nacional também será repassado para as bases de segurança e inteligência das demais delegações.
Além desse tipo de cooperação com agentes que ficarão nos centro de monitoramento, as delegações poderão enviar policiais para atuar nas ruas, chamados de spotters. Eles estarão livres para fazer a segurança em locais como as Fun Fest — festas que serão feitas nas imediações dos estádios. A intenção, segundo Rodrigues, é fazer com que o turista estrangeiro se sinta mais à vontade no trato com os policiais. "Eles farão a interlocução com seus nacionais. Para o torcedor estrangeiro, é uma ação importante ter a referência do próprio policial", destaca o secretário.
De acordo com Rodrigues, a reação dos brasileiros na África do Sul ao encontrar um policial conterrâneo era de surpresa pela proximidade. "Eles conversavam com os policiais e se sentiam seguros por saber que, se algo acontecesse, poderiam recorrer à polícia brasileira", destaca. A ideia é que eles também identifiquem alguma situação que possa ser útil para a base. O modelo de trabalho desses policiais de ligação começou a ser discutido na última quinta-feira, em uma reunião com representantes das embaixadas dos países classificados para o Mundial.
Mesmo com a relação com o Brasil estremecida por causa das denúncias de espionagem internacional, os Estados Unidos já declaram interesse em atuar nessa cooperação. No início do mês, o diretor do Centro Nacional de Contraterrorismo dos EUA, Matthew Olsen, disse, no Congresso norte-americano, que esse tipo de operação costuma ser replicado nos grandes eventos, como ocorreu com os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi. Cerca de um mês antes de os jogos começarem, quando foram registrados atentados na cidade de Volgogrado, os Estados Unidos reforçaram o apoio à segurança russa por temer ataques terroristas nos jogos. (GC)