Analista de Assuntos Estratégicos e consultor internacional, Mestre em Direito com área de concentração em Direitos Humanos (UniRitter) Especialista em Ciências Penais (UFRGS), diplomado em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra (ESG). Ex-analista da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Recentemente, o Governo Federal promulgou o Decreto nº 9.527, de 15 de Outubro de 2016, que dispõe sobre a criação de uma Força-Tarefa de Inteligência em conjunto com outros órgãos para o enfrentamento do crime organizado que segundo o texto, afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições.
Pelo conceito de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, este enfrentamento será tanto contra organizações ligadas ao narcotráfico como o Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e facções similares espalhadas por todos os estados federativos como contra as redes criminosas que promovem a corrupção, composta pelo conluio de agentes públicos e privados.
Sem dúvida, trata-se de uma necessária e estratégica medida governamental para identificação e neutralização destas organizações, a muito aguardada pela sociedade. Todavia, algumas medidas complementares deveriam ser aprovadas simultaneamente para possibilitar a plena efetividade dos órgãos de inteligência, atualmente sem uma regulamentação que proteja as ações sigilosas e instrumentalize as operações, a exemplo de outros países. Tal deficiência impacta diretamente nas operações de investigação e meios para a obtenção de provas, elencados no artigo 3º da lei que define organização criminosa.
Outro discussão paralela debatida por profissionais de inteligência a décadas é a efetivação da integração dos organismos de segurança e defesa no intercâmbio de dados e informações o que acarretará em maior fortalecimento do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) além da implementação de instrumentos de segurança no compartilhamento de bancos de dados, face as ações da ciberespionagem e outras ações invasivas.
De outro modo, para o cumprimento desta tarefa, a inteligência deverá atuar em conjunto com outros órgãos num processo interligado, baseado no eixo estratégico, Inteligência – Defesa – Segurança, onde as medidas adotadas por cada órgão ou instituição, em particular, devem estar vinculadas para a obtenção de êxito. Sendo assim, como exemplo, podemos citar, no campo da defesa, a necessidade da ampliação da fiscalização e do controle de fronteiras marítimas e terrestres, ação relevante para a minimização das ações patrocinadas por organizações ligadas ao narcotráfico e ao tráfico de armas, produtos estes que adentram em território nacional e abastecem logisticamente tais facções.
Da mesma forma, será relevante uma restruturação no sistema carcerário nacional para fazer frente a demanda dos órgãos durante as operações, incluindo, a neutralização das comunicações digitais das lideranças encarceradas com seus subordinados. Estes são alguns exemplos num cardápio relativamente extenso e complexo de ações que devem ser implementadas caso o objetivo da Lei seja realmente o enunciado que consta em sua disposição.
Neste sentido, uma questão que merece ser explorada é percepção superdimensionada de que a atividade de inteligência é a solução exclusiva para a resolução de todos os problemas. Muitos discursos de autoridades governamentais repousam, não raras vezes, em dotar órgãos de segurança e defesa de maior inteligência.
Contudo, nas palavras do historiador britânico, John Keegan, dentre outros especialistas, inteligência não ganha a guerra, tampouco minimiza problemas de segurança pública. É necessário uma força capaz de tirar proveito dos conhecimentos produzidos pela atividade. Ele ressalta, com razão, que até a melhor informação será inútil se a defesa estiver demasiado fraca para dela tirar proveito. Neste particular, a expressão defesa deve ser compreendida latu sensu, ou seja, como o conjunto de ações interligadas das forças armadas, policiais, de inteligência, decisões políticas e amparo legal, somadas a uma infraestrutura institucional, sem as quais, não haverá efetividade da lei ora em questão, a exemplo de muitas outras leis de papel.
Por derradeiro, o último desafio estabelecido no decreto é saber como os profissionais do poder executivo, escalados para tal missão, considerada prestação de serviço público relevante, irão arcar com suas despesas pessoais durante as operações uma vez que a tarefa é não remunerada, conforme previsão estabelecida no texto da norma.