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General Santos Cruz está preocupado com divisão social do país

Por Sidney Rezende
Publicado O DIA 10 Maio 2020

 
O general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República e ex-secretário Nacional de Segurança Pública, costuma ser identificado pelos seus colegas de farda como um "militar diferenciado". Ele goza de grande prestígio nas Forças Armadas. O general comandou missões da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti e no Congo. Uma das suas características mais marcantes é sua franqueza. Ele sempre diz o que pensa, não tem medo de ser questionado sobre nenhum assunto e não veta perguntas no seu contato com a imprensa.

Nesta entrevista ao Informe do Dia, Santos Cruz repete o seu mantra predileto: as Forças Armadas são instituições de Estado e não participam de disputas político partidárias. Chamou a atenção sua crítica aberta à atual política externa brasileira. O general não polemizou sobre suas diferenças com o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e que foi tido como o responsável pela sua saída do governo.

No momento, o general Santos Cruz está bastante preocupado com a escalada das tensões internas. "Vemos situações de intolerância, tentativa de manipulação da opinião pública, notícias falsas, ataques coordenados de grupos se comportando como gangues virtuais, notícias de uso de robôs para influenciar na mídia", disse o ex-ministro. Ele também ressaltou o compromisso das Forças Armadas de respeitar a Constituição.

Muitos brasileiros estão inseguros quanto a possibilidade de um golpe. Como o senhor interpretou a fala do presidente Jair Bolsonaro: "as Forças Armadas estão comigo"?

Essa é uma expressão que pode causar confusão e dar uma ideia errada sobre a real posição das FA. O próprio ministro da Defesa soltou uma nota alertando sobre a manutenção do foco das FA: a destinação constitucional. É importante destacar que as Forças Armadas estão com a Constituição e com a sua finalidade constitucional. Não posso falar pelas FA, mas pela minha experiência de aproximadamente 47 anos no Exército, posso dizer que a instituição é muito bem comandada, em todos os níveis. O sistema de avaliação é excelente e seleciona sempre os melhores para as tarefas. Do sargento do Tiro de Guerra ao Comandante do Exército, todos são escolhidos entre os destaques do seu universo de seleção. Em consequência, a estrutura é muito sólida, a disciplina impera e o respeito hierárquico e funcional é muito consistente.

O foco institucional é mantido pelo comandante e todos os seus subordinados. O Exército, assim como as outras Forças, está sempre presente em todas as situações em que é chamado, mas não se mistura com assuntos de rotina de governo, discussões entre Poderes, disputas políticas e partidárias. Eu não tenho dúvida nenhuma de que não existe qualquer possibilidade de qualquer atitude que não seja aquela prevista na Constituição. Creio que não existe qualquer possibilidade do Exército (e das outras Forças) favorecer qualquer atitude inconstitucional. É um medo que a população não deve ter.
Vivemos um momento de repetidos exemplos de fanatismo. O que aconteceu para chegarmos a esta situação?
Infelizmente, é visível o fanatismo. Vemos situações de intolerância, tentativa de manipulação da opinião pública, notícias falsas, ataques coordenados de grupos se comportando como gangues virtuais, notícias de uso de robôs para influenciar na mídia, etc. O fanatismo elimina qualquer capacidade de análise. O fanático tem apenas a necessidade de alimentar o seu fanatismo. E muitas pessoas são fanáticas até mesmo por personalidade. Infelizmente, esse processo começou com os grupos de esquerda, grupos comunistas e socialistas, por crença e por demagogia, arrastando os fanáticos e pessoas crédulas, estimulando o culto à personalidade, o comportamento sectário, o vale-tudo para se manter no poder. Um dos grandes crimes que fizeram no país foi estimular e alimentar a divisão social. Atualmente, se vê um comportamento similar em vários grupos também no extremo oposto – se dizendo conservadores, “proprietários” do patriotismo, comportamento de seita, etc.

A divisão social está sendo mantida e muitas vezes agravada. Isso é uma grande insensatez. O que tem que ser promovido é a união, a paz social, o trato pacífico das diferenças. Sociedade dividida sempre acaba em conflito, em violência. A população brasileira quer paz social, solução dos problemas, desenvolvimento, redução da desigualdade social e o fortalecimento dos princípios da democracia. O fanatismo vai na direção contrária do que precisa e o que deseja a sociedade brasileira. Acho que por conta do fanatismo, a classe média, de direita, conservadora, está perdendo a oportunidade de mostrar do que ela é capaz de fazer pelo Brasil.
Qual o significado da saída de Sérgio Moro, da Justiça, e o seu relato de interferência do presidente na Polícia Federal? Quando o senhor era ministro acontecia este tipo de conduta do Planalto?
Acho que o governo e o Brasil perderam muito com a saída do Dr. Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Mais do que um juiz, ele foi um símbolo de trabalho sério, de combate à corrupção, de perseverança, de persistência. Imagine o volume de trabalho e os riscos de ter trabalhado durante anos para julgar os casos de corrupção e sentenciar dezenas de pessoas influentes na nossa sociedade, mas que se apropriaram ilegalmente do dinheiro público. O Dr. Sérgio Moro era e é um ícone do combate à corrupção no Brasil e no mundo. Ele mostrou que é possível combater esse câncer no Brasil.

O relato do Dr. Sérgio Moro deu origem a um inquérito que eu desejo que seja elucidativo, transparente e público. Não posso dizer que comigo aconteceram interferências diretas para fazer alguma coisa contrária aos meus princípios.

O senhor construiu uma carreira militar sólida e sabe a importância da PF nas investigações que exigem alta qualificação. O porto de Itaguaí é a porta de entrada para os mais diversos ilícitos que interessam a traficantes, milicianos e contrabandistas. Como ter a garantia que no Rio se estará realizando um trabalho sério e técnico? Como controlar isso?
 
Como eu fui secretário Nacional de Segurança Pública por mais de um ano (2017/2018), eu tenho algum conhecimento da situação do Rio de Janeiro. O problema não é só o porto de Itaguaí, e as soluções para o Rio de Janeiro não passam só pela Polícia Federal. No RJ, ao longo do tempo, foram se consolidando muitos esquemas ilegais de tráfico de drogas, de armas, corrupção em grande dimensão, controle de comunidades por traficantes e por milícias, roubo de cargas, etc. Alguns problemas chegam a ser históricos, como a falta de urbanismo nas comunidades, facilitando a formação e o controle do crime organizado.

Assim, a solução é uma ação coordenada de combate ao crime em muitas áreas, no combate à corrupção, começando pelos níveis mais altos e a prestação de serviços públicos de qualidade para a população menos assistida. Esse combate só será eficiente se tiver a participação coordenada dos órgãos policiais, órgãos de controle e administrativos federais, estaduais e municipais. Só o trabalho da Polícia Federal no porto de Itaguaí pode resolver a situação pontual, mas o problema é muito mais amplo.

Quando o senhor aceitou ser ministro, deve ter levado em conta, além da missão e dever para com país, imaginar que poderia construir um país melhor. Olhando para o atual, o país melhorou?

Eu aceitei o convite para ser ministro unicamente por acreditar em um projeto de melhoria para o país. Não existe mais nenhuma razão para a minha aceitação. O período da esquerda, representado pelo PT, estava se encerrando marcado por corrupção, demagogia e deterioração de alguns valores que acho importantes para a nossa sociedade. Havia uma grande expectativa positiva e eu estava motivado pelo trabalho para isso. Acho que o encerramento daquele período foi importante, mas a oportunidade para recuperar valores, promover a paz social, melhorar a paz social, reduzir a desigualdade social, entre outras realizações, não está sendo bem aproveitada. Essa oportunidade pode ser muito melhor aproveitada.

A sua saída é atribuída à pressão de um dos filhos do presidente Bolsonaro. Qual a sua sugestão para se desmontar a máquina de fake news que alguns chamam de "gabinete do ódio"?

Eu saí do governo por decisão do Presidente. Não tem nada de ilegal. É uma prerrogativa da autoridade. Se ele levou em consideração pressões familiares ou de grupos próximos, se considerou acusações criminosas feita de maneira grosseira, infantil, medíocre, isso é problema dele. Eu fui convidado para ser ministro e aceitei. Também não tenho nenhuma razão para lastimar a minha saída. Tenho princípios que não vou deixar de lado por conta de posição funcional ou título. Não é minha característica. Nunca me importei com qualquer opinião de familiares, pois o Brasil votou numa pessoa e não numa família. Assim como eu, acho que a sociedade brasileira não aceita interferência familiar em assuntos funcionais.

Qual a sua visão sobre a aproximação do país com os Estados Unidos, sua forma de viver, seus símbolos e sua cultura?

Os Estados Unidos da América é um grande país. Tive a oportunidade de morar lá e fazer curso de alto nível em política e estratégia. Conheço muito bem os Estados Unidos. Eles têm todas as razões para serem um dos maiores países do mundo. São líderes mundiais em muitas coisas. Não tem problema nenhum em fortalecer as relações do Brasil com os EUA. A política dos Estados Unidos é baseada nos interesses deles. Agora, o que não pode é fazer alinhamento automático, pois o Brasil tem que cuidar dos nossos interesses como nação, da nossa cultura, das nossas aspirações, do nosso desenvolvimento, etc. Alinhamento automático, eu considero submissão, mediocridade. E a grandeza do Brasil não permite isso.

E sobre a nossa política externa, qual a sua avaliação? Estamos no rumo certo?

Acho que não estamos no rumo certo. Acho que a política externa está sofrendo de consequências ideológicas, se afastando da nossa tradição diplomática, perdendo prestígio no ambiente internacional. Existe um quadro diplomático tradicional e reconhecidamente competente, que é capaz de implementar as diretrizes que forem estabelecidas. No entanto, falta uma diretriz clara, que esteja de acordo com os princípios que regem constitucionalmente nossa política exterior. Se percebe algumas guinadas em direção mais pragmática, no entanto, os posicionamentos ideológicos predominam.

Vivemos um ambiente onde a ideologia ganhou enorme espaço. Isto é bom para quem se esforça pela união de todos os brasileiros?

As pessoas podem até ter posicionamentos ideológicos. O que eu sou contra é o fanatismo. Isso elimina a capacidade de análise. Com a facilidade de comunicação e a liberdade de expressão, que graças a Deus temos em nosso país, grupos fanáticos passaram a ter possibilidade de tentar manipular a opinião pública e desenvolver projeto de poder. Ataques pessoais, organizados, e grande quantidade de notícias falsas prejudicam a qualidade da informação. Isso prejudica a paz social, o equilíbrio e a união necessária em torno de objetivos nacionais. É negativa a evolução da ideologia para o fanatismo, a intolerância e os projetos de poder. Acho que aos poucos vamos para o ponto de equilíbrio. A população vai cansando do clima de conflito permanente.

O senhor conhece bem o Rio de Janeiro. Se lhe fosse pedido um projeto de recuperação, não só econômico-financeiro, mas geral, quais seriam as suas prioridades?

Mesmo para a recuperação social, econômica e financeira, o Rio de Janeiro precisa recuperar valores. As prioridades seriam:

1) Combate à corrupção, começando pelo mais alto escalão detectado, com transparência total na administração pública. A corrupção que se instalou nos últimos anos, instalada no Palácio do governo estadual, causou um estrago na sociedade. É um mau exemplo que produz efeitos colaterais terríveis – crime organizado de todas as formas, mau funcionamento nos serviços públicos, segurança pública precária, saúde e ensino públicos precários, enfim, em todas as áreas da sociedade;

2) Prestação de serviço público de qualidade, começando pelos mais necessitados. Essa é a forma do estado estar presente e auxiliar os mais vulneráveis. As comunidades estão dominadas pelo crime organizado por conta da ausência do estado. Para isso, também tem que valorizar o servidor público, e,

3) Combate ao crime organizado. Não é possível aceitar a população do Rio de Janeiro refém de criminosos. Isso é inaceitável. Tudo isso se constrói com liderança e determinação.

E, por fim, as Forças Armadas brasileiras precisam mudar de rumo, ou, na sua concepção, ela atende hoje aos anseios na nação e os ditames da Constituição?

Eu não posso falar pelas Forças Armadas, nem pelo Exército. Mas, como disse, pelo longo tempo no serviço ativo, posso falar alguma coisa pela minha percepção. Vou falar o meu sentimento pelo Exército. Acho que não precisa de correção de rumo. Está no rumo certo. É uma Força que tem nobreza, que tem princípios. É absolutamente democrática, pois tem um sistema de avaliação excelente, que valoriza o mérito, sem considerações políticas e ideológicas. Para todas as funções, desde os praças até os oficiais generais, as escolhas são sempre selecionando os melhores. Para as funções de comando, em todos os níveis, são escolhidos aqueles com o perfil profissional adequado.

O Comandante do Exército mantém o foco na missão constitucional da Força. Todos os demais comandantes, chefes e diretores seguem o foco do comandante, de maneira disciplinada, com liberdade absoluta de expressão, dentro de uma estrutura hierárquica absolutamente sólida. Mesmo afastado da rotina militar desde o início de 2016, posso dizer que a população pode ter certeza que o Exército, e estendo para a Marinha e a Força Aérea, com certeza, é focado na sua missão constitucional e sempre estará presente em todos os momentos difíceis. Todas as outras considerações, inclusive orçamentárias, são secundárias, quando se observa a qualidade do pessoal, do soldado mais novo ao comandante.

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