Thiago Bronzatto e Felipe Frazão
Pouco antes de embarcar para Portugal, na segunda-feira passada, o presidente Michel Temer convocou o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General-de-Exército Sergio Etchegoyen, para uma reunião na Base Aérea de Brasília. Queria informações atualizadas sobre a crise nos presídios. Etchegoyen tem sob seu comando a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o serviço secreto do governo.
Ainda no ano passado, ele alertou Temer sobre o risco de explosão da violência nas prisões do país. Menos de dois meses depois, vieram os massacres em Manaus e Boa Vista, que deixaram 93 presos mortos. Gaúcho, 64 anos, o general ingressou no Exército em 1971. Uma de suas principais missões se deu em 2016, já no GSI: ele coordenou as ações antiterrorismo durante a Olimpíada do Rio.
Na entrevista a seguir, concedida em seu gabinete, no 4º andar do Palácio do Planalto, Etchegoyen traçou um quadro sombrio da segurança pública no Brasil, contou segredos do trabalho nos Jogos do Rio e fez uma acusação: o governo Lula retirou as câmeras de segurança do Planalto.
O senhor alertou sobre a guerra entre as facções, mas o governo não fez nada. Por quê?
Eu vinha alertando sobre o fato de o foco explosivo da criminalidade estar nos confrontos das facções. Temos hoje uma constelação de facções, com duas ou três grandes estrelas. Esses grupos se ajustam em associações de ocasião. Quando a expansão começa a virar disputa de mercado pelo negócio ilícito, resulta no que resultou. Mas esses problemas não se limitam aos presídios.
Eles podem acontecer nas ruas também. Não quero diminuir a tragédia, mas, se focamos apenas os presídios, perdemos o todo.
Mas os presídios não são a expressão mais aguda do problema?
Sei que vou ser mal compreendido, mas quantas vidas foram perdidas até agora nos presídios? Foram 103, 104? Vamos exagerar: morreram 110. Quantos morrem por dia de crimes violentos no Brasil? Então, temos uma doença muito maior do que aquilo lá. A esta hora, as organizações estão do lado de fora das prisões, traficando e negociando. A crise carcerária é uma tragédia, obviamente, mas é só uma parte de uma crise aguda de um quadro sistêmico, de uma septicemia geral no sistema.
E por que o governo não age com mais efetividade?
Sem dúvida o Estado falhou. Mas a sociedade tem responsabilidade nisso também. Quem consome droga? É o Estado, é o governo? Temos a mania muito cômoda de apontar para o governo e dizer: "O governo vai resolver". O que a União pode fazer neste momento está sendo feito.
Estamos diante de um problema de segurança nacional?
Não tem como não ser. É uma preocupação nossa.
Por que os cuidados com a segurança do Palácio do Planalto foram ampliados nos últimos meses?
Isto aqui é a sede do Poder Executivo. Mas, até recentemente, não havia nem câmeras. Na verdade, não existem câmeras de segurança aqui dentro. Nenhuma. Na reforma que foi feita em 2009, no governo Lula, as câmeras foram todas retiradas. Depois, impediram que fossem recolocadas. O palácio passou anos em que, convenientemente, não se registrou nada.
Por que "convenientemente"?
Recebo de vez em quando pedidos da Justiça para mostrar as imagens de fulano, mas não tem imagem. Não sei se a decisão de retirar as câmeras foi para obstruir a Justiça, mas pode ter sido para evitar esses registros.
No inquérito que apura se a ex-presidente Dilma Rousseff tramou no Planalto para obstruir a Lava-Jato, a Procuradoria pediu as imagens.
Mas não tem câmera, então não tem imagem.
"A crise carcerária é uma tragédia, mas é só uma parte de uma crise aguda de um quadro sistêmico, de uma septicemia geral no sistema" |
O senhor acha que as câmeras foram retiradas propositadamente?
Acho que sim. A situação era de descontrole.
E o que está sendo feito agora?
Estamos fazendo uma licitação para instalar novas câmeras de segurança.
A ABIN sempre foi criticada por não cumprir a contento seu papel. Qual a raiz da incompetência?
A ABIN me surpreendeu positivamente. A agência tem papéis importantes a desenvolver, legalmente. Hoje a ABIN é anódina politicamente, não tem orientação política. Nosso projeto é fortalecê-la para que chegue ao presidente a melhor informação possível. Não estou nem pensando em uma coisa romântica de espionagem. Muitas vezes são apenas informações de analistas experientes com base em fontes abertas.
A agência ainda monitora movimentos sociais?
Nem temos condições de fazer isso. Monitoramos episódios. Onde houver possibilidade de distúrbios, de perturbação, acompanharemos.
Houve, de fato, possibilidade de atentados na Olimpíada do Rio?
Sim, tanto é que houve gente presa. Mas também houve muito oba-oba, muita gente aproveitando a oportunidade para ter seus quinze minutos de fama. Mas atuamos. Foram explodidas mais de cinquenta mochilas por suspeita de conter explosivos. Houve muitas denúncias, da abertura ao encerramento. E ameaças de diversas naturezas, mas todas foram neutralizadas.
Alguma preocupou seriamente?
Os americanos alugaram um navio de cruzeiro onde ficaram os jogadores da seleção de basquete. Uma mochila foi esquecida em uma das entradas da embarcação. Levaram um cão farejador para averiguar, que ficou agitadíssimo. Levaram" outro cachorro para confirmar, e foi a mesma coisa. Os agentes radiografaram, viram um fio e concluíram que ali poderia haver uma bomba.
Explodiram a mochila e descobriram que o fio era de um carregador de telefone e, eis a razão da agitação dos cães, havia uma picanha na mochila… Houve também episódios gaiatos. Um deles foi o de um atleta neo-zelandês, que sumiu. Recebemos a informação da embaixada. Ele estava desaparecido havia treze ou catorze horas. A Polícia Federal e a ABIN foram atrás e levantaram a história do cara: ele tinha ido ao aeroporto pegar a namorada ou noiva que estava chegando. Dali, foram para o motel, obviamente.
Passada a Olimpíada, ainda estamos sob ameaça terrorista?
O tema está sendo acompanhado, mas sem ameaça visível no horizonte.
Qual a crise mais aguda vivida pelo Brasil em sua visão: a de segurança ou a política?
O Brasil está vivendo um momento muito difícil. Talvez o mais difícil que já atravessou. Estamos vivendo a coincidência de crises muito extensas e profundas: a política, a econômica e a moral. A Lava-Jato está mostrando isso: governador preso, ex-ministro preso, empresas quebradas, a política tendo como objetivo o enriquecimento pessoal.
O senhor faz parte de um governo em que até o presidente foi citado na Lava-Jato. Isso incomoda?
A delação é parte de um processo judicial. São as instituições funcionando.
No processo de impeachment, o governo petista tentou que o Exército entrasse em cena?
Essa consulta pode ter sido feita ao comandante do Exército. Não tive conhecimento. Mas não podemos ter soluções que não sejam institucionais. As soluções de todos os problemas que o Brasil viveu, está vivendo e vai viver são das instituições que têm legitimidade para resolvê-los: Legislativo, Executivo e Judiciário. As Forças Armadas não deram um passo fora dos limites legais.
Deixamos um belo exemplo para as gerações futuras. Nenhum general disse: "Peraí, que eu quero entrar nesse baile". Estamos caminhando bem. Amadurecemos tremendamente.