É característico de seus líderes tratar de seguir uma estratégia de aos que lhe parecem mais aos seus interesses.
Pinto Silva Carlos Alberto[1]
1. IDEIAS GERAIS
Choque de civilizações é uma teoria proposta pelo cientista político Samuel P. Huntington, segundo o qual as identidades culturais e religiosas dos povos serão a principal fonte de conflito no mundo pós-Guerra Fria.
“Cultura é um termo usado para denotar a manifestação da maneira como pensamos, nos comportamos e agimos. Civilização refere-se ao processo pelo qual uma região ou sociedade estende-se a um estágio avançado de desenvolvimento e organização humana” [2].
Enquanto os povos vão diferenciando-se por sua civilização, os países com aglomerados de pessoas de diferentes civilizações ou ideologia, serão candidatos a um possível desmembramento ou a atuar em defesa de interesses contrários à sua a comunidade, ou áreas geográficas, contestando a denominada “Síndrome do País Próximo [3]”, e, possivelmente tornando-se, “Países Desgarrados [4]”.
Não é propósito deste texto sustentar que as identidades de civilização substituíram as demais identidades, que os estados-nações vão desaparecer, que cada civilização se converterá em uma só entidade política coerente, que os grupos no interior de uma civilização não entrarão em conflito e que inclusive não lutarão entre si.
2. POSIÇÃO DO BRASIL.
O Brasil tem tentado desempenhar um papel relevante, mesmo que com pouco sucesso, como mediador em questões internacionais, buscando fortalecer laços com diferentes regiões do mundo e atuando como uma voz para os países em desenvolvimento.
“Imagina ter uma identidade híbrida norte-sul que lhe permite defender os interesses do mundo em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, ser ouvido pelas grandes potências”. (Por que o povo brasileiro é bem diferente?) [5]
Busca fortalecer os laços com nações da América Latina, África, Ásia e do Oriente Médio, além de mediar conflitos, como recentemente se insinuou nas negociações entre Rússia e Ucrânia, e Israel e os terroristas do Hamas.
Parece que o papel do Brasil, como um mediador em questões internacionais, buscando fortalecer laços com diferentes regiões do mundo, e atuando como uma voz para os países em desenvolvimento, tem sido ignorado pelo mundo ocidental.
A presença do vice-presidente do Brasil, Geraldo Alkmin, como representante oficial do governo na posse do novo presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, em 30 de julho passado; a postura do governo brasileiro, evitando críticas à reeleição contestada internamente e por diversos países, de Nicolas Maduro na Venezuela; e a abstenção do país na votação de resolução do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) que exigia maior transparência em relação à reeleição de Maduro, repercutiram negativamente na América e na Europa.
Contudo, esses fatos não fazem do Brasil um País Desgarrado.
3. PAÍSES DESGARRADOS.
É característico de seus líderes tratar de seguir uma estratégia de aos que lhe parecem mais aos seus interesses.
3.1. TURQUIA.
O país desgarrado mais óbvio é a Turquia, Estado moderno e laico.
Aliou-se ao ocidente na OTAN (1952) e na Guerra do Golfo; solicitou ser membro da Comunidade Europeia (1987). Na Turquia, existem elementos significativos da sociedade que resistem à redefinição da coletividade nacional.
3.2. MÉXICO.
O México, no início de 1990, cessou de definir-se por oposição aos Estados Unidos e, ao contrário, tentou imitá-lo integrando-se, em 1994, ao Tratado de Livre Comércio para América do Norte, substituído em 2018 por um novo acordo chamado de Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) (em 2023, o México superou a China como o maior exportador para os EUA, com US$ 475,6 bilhões).
Os dirigentes mexicanos ficaram entregues à grande tarefa de redefinir a identidade mexicana e introduziram reformas econômicas fundamentais que, a longo prazo, desembocaram em uma mudança política fundamental.
No México, como na Turquia, existiram elementos significativos da sociedade, que foram contrários à redefinição da identidade nacional.
3.3. RÚSSIA.
A questão de se a Rússia forma parte do Ocidente ou é a líder de uma civilização eslava ortodoxa distinta, retoma constantemente na história russa. O tema foi escurecido pela vitória comunista, que importou uma ideologia ocidental, a adaptou às condições russas e depois, em nome dessa ideologia, desafiou o Ocidente. O domínio comunista se fechou ao debate histórico sobre “ocidentalização contra russificação”. Desacreditando o comunismo, os russos se enfrentam outra vez com a questão.
No início da década de 90, o presidente Yeltsin adotou princípios e metas ocidentais e se esforçou por fazer da Rússia um país normal que formasse parte do Ocidente.
Com Putin, vozes mais extremistas manifestam uma dissidência mais descaradamente nacionalista e opiniões antiocidentais e antissemitas, e instam a Rússia a desenvolver sua potência militar e a estabelecer laços mais estreitos com a China e os países islâmicos. O povo russo está tão dividido como sua elite.
3.4. VENEZUELA.
Seria a Venezuela um País Desgarrado?
3.4.1. ENVOLVIMENTO COM O IRÃ.
A parceria entre esses dois países, com apoio da China, abrange diversas áreas, como política, energia e defesa, e tem sido objeto de interesse internacional. A assinatura de um acordo de cooperação de 20 anos em 2022 é um marco significativo nessa relação.
A colaboração entre o Irã e a Venezuela levanta questões sobre possíveis atividades hostis na região, especialmente considerando a capacidade ofensiva dos drones [6] em poder da Venezuela.
A presença de barcos com mísseis da classe Zolfaghar[7] da Venezuela perto do Golfo de Paria em 25 de fevereiro de 2024 é um fato relevante e que merece atenção.
Essa relação entre os dois países certamente tem implicações geopolíticas e no tabuleiro da política internacional importantes, e pode afetar, também, a situação na região.
3.4.2. ENVOLVIMENTO COM A RÚSSIA.
É importante destacar que a Rússia e a Venezuela têm mantido uma estreita relação, especialmente no campo militar. Há informações que sugerem a presença de tropas russas na Venezuela, e há relatos de que a Rússia possua bases militares no país sul-americano.
A Venezuela opera 21 aviões Sukhoi Su-30 de fabricação russa e possui três baterias de mísseis antiaéreos de longo alcance S-300VM, considerado um dos melhores sistemas de defesa aeroespacial da região por especialistas europeus.
O ex-diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional, Sebin, Manuel Cristopher Figuera, afirmou em uma carta aos meios de comunicação que a Rússia já possui duas bases militares na Venezuela.
Além disso, o presidente Nicolás Maduro já declarou que pretende manter uma parceria estreita com o presidente russo Vladimir Putin, como forma de avançar em direção a um mundo “multipolar”.[8]
Essa relação entre a Venezuela e a Rússia certamente tem implicações significativas do ponto de vista geopolítico e militar, e é um tema de interesse global.
3.4.3. ENVOLVIMENTO COM A CHINA.
A atuação da China na Venezuela é um tema complexo que envolve relações diplomáticas, acordos comerciais e investimentos. A China tem mostrado apoio ao governo venezuelano em questões de soberania nacional e estabilidade social. Empresas chinesas têm participado de projetos de infraestrutura na Venezuela, como a construção de uma linha de trens rápidos. No entanto, esses investimentos podem aumentar a dívida do país para com a China, tornando-a potencialmente impagável no futuro.
3.4.4. “SÍNDROME DO PAÍS PRÓXIMO”
Na evolução pós-Guerra Fria, a comunidade entre culturas ou áreas geográficas, denominada “Síndrome do País Próximo”, está substituindo a ideologia política e as tradicionais considerações sobre balanço do poder, base principal para cooperar ou formar coalizões. (H.D.S GREENWAY)
A Venezuela tem buscado o apoio da Rússia, Irã e China e tem discordâncias sérias com países ocidentais, e os próprios vizinhos.
3.4.5. A VENEZUELA – UMA CONSIDERAÇÃO
Quebra da “Estabilidade Estratégica”, que é o equilíbrio alcançado entre nações na medida em que cada lado evite realizar gastos em armamento tal que possa causar apreensão no lado oposto e uma consequente e preventiva ação armada.
Com suas ações armamentistas, e de relações internacionais de “País Desgarrado”, a Venezuela alimenta uma desconfiança nos seus vizinhos que buscam o aumento da sua capacidade bélica, como forma de evitar guerras (Estabilidade Estratégica).
4. CONCLUSÃO.
É importante ressaltar que as relações internacionais, um jogo jogado historicamente dentro da civilização ocidental, se “desocidentalizará”, e cada vez mais isso transformará em um jogo onde as civilizações não ocidentais serão atores e não simples figurantes.
Historicamente, a Turquia foi o país mais profundamente desgarrado. Para os Estados Unidos, o México é o país desgarrado mais imediato. Para o ponto de vista global, o país desgarrado mais importante é a Rússia. A Venezuela é o País Desgarrado da América do Sul.
“Os grupos ou os Estados envolvidos em conflito, uma guerra, contra gente ou Estados de uma cultura ou área geográfica diversa, tendem de forma natural a buscar apoio de outros membros de sua própria cultura ou área geográfica”[9].
[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.
[2] Um Choque De Civilizações – Samuel p. Huntington
[3] Na evolução pós-Guerra Fria, a comunidade entre culturas ou áreas geográficas, denominada “Síndrome do País Próximo”, está substituindo a ideologia política e as tradicionais considerações sobre balanço do poder, base principal para cooperar ou formar coalizões. (H.D.S GREENWAY). Os grupos ou os Estados envolvidos em uma guerra, contra gente ou Estados de uma cultura, ou área geográfica diversa, tendem de forma natural a buscar apoio de outros membros de sua própria cultura ou área geográfica.
[4]Exibe um bom grau de homogeneidade cultural, mais se divide em torno de sua sociedade se sentir pertencer a uma cultura ou outra.
[5] https://www.portalinsights.com.br/perguntas-frequentes/por-que-o-povo-brasileiro-e-bem-diferente
[6] Detém drones com capacidade ofensiva; parceria com o Irã começou por volta de 2006 e deslanchou em 2011.
[7] É uma classe de embarcações de patrulha rápida operadas, no Irã, pela Marinha do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica.
[8] https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/maduro-afirma-que-permanecera-unido-a-putin-para-avancar-em-direcao-a-um-mundo-multipolar/
[9] Um Choque De Civilizações – Samuel p. Huntington