Santiago Torrado,
Especial para O Estado / Bogotá
BOGOTÁ – Entre os caricaturistas colombianos, o elefante é, por motivos históricos, o símbolo máximo da corrupção. Depois de alguns anos de aposentadoria, quando os desenhistas o substituíram por pombas da paz disputadas pelo presidente Juan Manuel Santos e seu antecessor, Álvaro Uribe, o paquiderme está de volta a jornais e revistas, agora com o apelido Odebrecht, em razão dos escândalos da construtora brasileira.
Além dos subornos às duas campanhas que disputaram a Casa de Nariño em 2014, a informação de que a Odebrecht estaria entre as empresas que entregaram dinheiro às Farc ampliou a dúvida sobre como as autoridades colombianas lidarão com o tema das finanças da guerrilha.
Associações como as de plantadores de banana ou de pecuaristas se envolveram a fundo no conflito. Embora os vínculos das Farc com empresários não estejam tão documentados como os de paramilitares, a guerrilha exerceu controle territorial em amplas zonas e sabe-se que costumava cobrar “impostos revolucionários”. Portanto, é provável que muitas empresas, para operar, tenham pago as extorsões em troca de segurança. A Jurisdição Especial para a Paz (JEP), uma espécie de unidade paralela do Judiciário criticada por parte da população, deverá investigar a relação das Farc com empresários.
Segundo a revista Veja, dois diretores da Odebrecht admitiram à Justiça brasileira que, durante 20 anos, a empresa pagou entre US$ 50 mil e US$ 100 mil mensais às Farc para que lhes permitissem fazer suas obras – a Odebrecht e a guerrilha negam os pagamentos. De acordo com o setor de investigações do jornal El Tiempo, de Bogotá, “a Odebrecht era mesmo alvo de extorsões e pressões”. Várias obras da construtora foram feitas em zonas submetidas ao controle da guerrilha. Seria estranho se a empresa fosse uma exceção. A construtora nega ter feito esses pagamentos à guerrilha.
Entre 1995 e 1997, a Odebrecht reparou 191 quilômetros de via férrea entre os departamentos de César e Magdalena. Nesses anos, a guerrilha sequestrou um engenheiro brasileiro, tomou um acampamento de obra e sequestrou um engenheiro espanhol e dois colombianos, além de realizar atentados que obrigaram a suspensão da exportação de carvão. A construtora também operou projetos em Casanare, Antioquia e Boyacá – todos foram alvo de atentados.
Fontes do Ministério da Justiça disseram ao Estado que, se for verdade, o tema pode terminar na JEP, que busca a verdade e a reparação às vítimas.
Uribe, maior crítico da negociação de paz, apressou-se em condenar os supostos pagamentos. Esquivando-se da parte do escândalo que lhe toca, ele disse que esse é outro fator de “ilegitimidade” do acordo de paz. “O financiamento estrangeiro ao terrorismo não é exclusivo da Odebrecht. Farc e ELN, não contentes com sequestros, extorsões e narcotráfico, receberam vultosas somas de fora”, disse.
Muitos recordaram casos famosos no meio do conflito, como os pagamentos ao ELN pela multinacional alemã Mannesmann, expulsa do país, ou os da indústria bananeira Chiquita Brands, que se declarou culpada de financiar os paramilitares e pagou uma multa de US$ 25 milhões ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
O alcance da JEP, que se aplicará a guerrilheiros, agentes do Estado e terceiros, foi um dos temas sensíveis da negociação. Embora o governo tenha assegurado que os que pagaram extorsões são vítimas e, portanto, não têm nada a temer, setores empresariais temem ser julgados como financiadores e cúmplices, por exemplo, dos paramilitares. Traçar uma linha clara entre o que é pagamento de extorsão e o que é financiamento voluntário de grupos armados ilegais é um desafio.
“Para a JEP deveriam ir aqueles casos que são realmente evidentes. Os juízes não vão analisar todos os casos, mas selecionar os mais graves”, afirmou María Victoria Llorente, diretora da Fundación Ideas para la Paz. “No caso da Odebrecht, ela (a JEP) não só teria de provar que houve pagamentos, mas que eles foram determinantes para uma violação grave dos direitos humanos.”
Independentemente de ter havido pagamentos às Farc ou não, o escândalo da Odebrecht cresce. Embora as cifras na Colômbia sejam menores do que em outros países, elas sacudiram todo o espectro político. Segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a Odebrecht pagou US$ 11,2 milhões em subornos na Colômbia. As investigações já colocaram atrás das grades um ex-vice-ministro dos Transportes de Uribe (Gabriel García, que recebeu US$ 6,5 milhões) e um ex-senador (Otto Bula, que recebeu US$ 4,6 milhões).
Existem 11 investigações relacionadas e o procurador-geral, Néstor Humberto Martínez, advertiu que elas vão além das cifras mencionadas pela Justiça americana. A Procuradoria anunciou na semana passada que a partir de investigações próprias, pois ainda não recebeu provas do Brasil e dos EUA, estabeleceu que a Odebrecht pagou despesas de campanha de Santos e de Zuluaga em 2014 “por meio do Departamento de Operações Estruturadas da empresa brasileira”. Não há menção a pagamentos às FARC.
Consequências. No caso de Zuluaga, que pretende se candidatar também em 2018, a Odebrecht assumiu o pagamento de US$ 1,6 milhão ao marqueteiro Duda Mendonça, o que levou o apadrinhado de Uribe a se retirar da disputa pela presidência na quarta-feira.
Sobre a campanha de Santos, a Odebrecht contratou uma pesquisa por US$ 1 milhão, segundo a Procuradoria, para se aproximar do governo em meio à licitação de uma autoestrada. A denúncia afeta ainda mais a imagem do presidente, respeitado no mundo, mas com baixa popularidade em casa. “Não vamos permitir que essa maçã podre possa prejudicar essa grande revolução da infraestrutura que estamos realizando na Colômbia”, disse Santos, sem mencionar a construtora.
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Em um país dividido entre defensores e detratores da negociação entre Santos e as FARC, que hoje se encontra em sua fase de desarmamento, o escândalo alterou os cálculos políticos. Os observadores esperavam que a campanha para as eleições presidenciais de 2018 girasse em torno do acordo de paz, mas vários pré-candidatos já anunciaram como bandeira a luta contra a corrupção.
Segundo uma medição recente do Gallup, pela primeira vez em 12 anos os colombianos consideram a corrupção o principal problema do país, acima de segurança e economia.
A figura do elefante converteu-se num exemplo da disseminação do chamado “dinheiro quente”, desde os tempos do governo de Ernesto Samper (1994-1998). Diante das acusações de que o cartel de Cali financiou sua campanha, Samper disse que o fato havia ocorrido sem que ele soubesse. Em resposta, um monsenhor afirmou que isso era como ter um elefante na sala e não perceber. Hoje, o paquiderme na sala é a Odebrecht. /
Para entender: Críticas à Justiça especial
Após o presidente Juan Manuel Santos divulgar detalhes do acordo de paz com as Farc, os colombianos perceberam que as concessões à guerrilha não seriam poucas. Entre os itens mais criticados pelo grupo de Álvaro Uribe, que se opôs ao acordo, estava a anistia geral para quem cometeu crimes menores, como roubos, extorsões ou delitos políticos considerados de baixa gravidade.
Segundo o texto negociado pelo governo, seriam julgados apenas aqueles guerrilheiros que tivessem cometido crimes contra a vida ou a humanidade (assassinato, tortura, sequestro, estupro e recrutamento de menores) – mesmo assim, caso confessassem algum desses crimes, eles teriam as penas reduzidas ou receberiam uma sentença mais leve. Esses casos ficariam a cargo da Jurisdição Especial para a Paz (JEP) e seriam submetidos a tribunais superiores em caso de recurso. Os aliados de Uribe acusam a JEP de favorecer a impunidade