Fabio Costa Pereira
Procurador de Justiça no Estado do RS, Presidente da Associação Brasileira dos Estudos da Inteligência e Contrainteligência (ABEIC) e especialista em Inteligência Estratégica.
Diário da Manhã
25 Novembro 2021
Confesso que cansei de certas coisas, na verdade quase todas as coisas, que os nossos “especialistas” em Segurança Pública falam e são passadas para o público em geral como verdades absolutas.
O rosário de lugares-comuns, desfiados em uma constante e aborrecida ladainha, apesar da ausência de empirismo e excesso de ideologia, quase nunca são contestadas.
Mantras como o Brasil é um país punitivista; prendemos demais; a prisão não resolve; as “causas” da criminalidade são a pobreza e a desigualdade social; a polícia brasileira é a que mais mata no mundo; os presídios são masmorras medievais; mais livros menos presídios; liberar as drogas é a solução dos problemas da criminalidade violenta; medidas alternativas ao revés da privação da liberdade; a ressocialização é a finalidade da pena; entre tantos outros, são repetidos à exaustão, ao ponto de acreditarmos ser verdade o que não passa de opinião.
Por esse motivo, a partir da coluna de hoje, nas que se seguirão, começarei a desconstruir as “ verdades” que tentam nos “enfiar garganta abaixo”.
Começaremos com o tema violência policial. Diz-se, ao quatro ventos, sem estudo comparativo algum é verdade, que as polícias brasileiras são as mais letais no mundo.
Reforçando o estereótipo indevidamente criado, as publicações especializadas em Segurança Pública, cujos números são analisados por aqueles “especialistas” que antes me referi, buscam comprovar a tese de letalidade de nossa força policial.
Recentemente o Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou o anuário de 2019, com a sintetização e a análise dos números da Segurança Pública relativos ao ano de 2018.
Como não poderia deixar de ser, a polícia brasileira foi apresentada como letal. Segundo o FBSP, no ano de 2018, ocorreram cerca de 57341 mortes violentas intencionais, o que significou 27,5 mortes por 100 mil habitantes, apontando pequeno decréscimo neste tipo de morte comparativamente ao ano de 2017.
Deste total de mortes, ainda segundo o FBSP, 6220 mortes foram cometidas por policiais, cerca de 11 a cada 100, ou, de outro ponto de vista, 17 por dia, em um crescimento de 19,6% , também comparativamente ao ano de 2017.
Os números assim apresentados, levam-nos a pensar que a nossa polícia é extremamente letal e que a sua virulência, ano a ano, vem recrudescendo.
Aqui, no entanto, um grande problema. Quando analisamos determinado fenômeno, não podemos o destacar do contexto onde verificado, pinçando uma ou algumas variáveis para chegarmos à conclusão que bem entendemos.
Se, de um lado, é verdade que os policiais neutralizaram 11 criminosos a cada 100 mortes violentas intencionais, como ensina o Procurador de Justiça do RS Silvio Munhoz, também é verdade que, nas demais 89 mortes, foram os criminosos que mataram as vítimas em regra indefesas, dentre elas 343 policiais, a razão de 62,2 mortes por 100 mil policiais, mais do que o dobro da população em geral.
Aliás, referida publicação, na esteira de outras análogas, não se preocupa em analisar a qualidade das neutralizações praticadas pelas polícias , pois, se cometidas sob o amparo das chamadas excludentes de ilicitude (em especial a legítima defesa própria e de terceiros a mais comum na atuação policial) além de justificadas, não poderiam figurar em estudos como se homicídios o fossem.
Tais neutralizações, jogadas no corpo do estudo, nominadas, genericamente como mortes violentas intencionais, da forma como apostas, dão a entender que a polícia brasileira é extremamente letal.
Como se descartar, de qualquer análise séria, de outro lado, a violência e a letalidade dos criminosos brasileiros? São eles os responsáveis primeiros pela absurda taxa de mortes violentas intencionais por nós experimentada nas últimas duas décadas.
A polícia responde aos criminosos na justa medida em que eles agem e reagem. Criminoso que não quer consequências relativamente aos seus atos, que não cometam crimes. Quem atira contra a polícia, tem aceitar que ela vai atirar de volta.
A Segurança Pública, no país, tornou-se questão de soberania nacional, exercida para evitar que as organizações criminosas violentas continuem a exercer o seu jugo , de forma draconiana, sob parcela de nossa população e em extensas faixas territoriais.
Nossas polícias combatem organizações criminosas que, ao seu dispor, contam com verdadeiros exércitos muito bem armados e combatentes dispostos a tudo.
Ao longo da última década, cerca de 600 mil brasileiros perderam as suas vidas por conta e obra dos criminosos violentos , dentre eles 3706 policiais, cerca de 0,6% de toda a corporação.
As polícias brasileiras, linha divisória entre a civilização e a barbárie que os criminosos brasileiros querem impor, antes da mais letal, é a que mais morre.
Honremos , pois, nossos policiais, verdadeiros heróis que empenham as suas vidas para nos proteger.
E que Deus tenha piedade de nós !