Francisco Leali
O Glob publicado 01 JAN 2017
BRASÍLIA – Cinco anos após aprovação da Lei de Acesso à Informação, o Comando do Exército, que responde pelo maior volume de documentos classificados no Poder Executivo e vinha impondo restrições à liberação do acervo mais antigo, já admite revelar parte dos seus segredos.
Desde a edição da lei, pelo menos 30 registros ultrassecretos tornaram-se públicos. Protegidos por 25 anos, boa parte dos documentos contém informações burocráticas. Mas há algumas pérolas. Uma delas tem só três páginas e resume diretriz emitida pelo então Ministério do Exército em 1991. Havia eclodido a Guerra no Golfo e pairava o receio de que ações terroristas pipocassem mundo afora, inclusive no Brasil.
Liberado pelo Exército a partir de pedido via Lei de Acesso, o documento foi tarjado em alguns trechos, incluindo o nome da autoridade que o assina. Mas ali está expressa a preocupação clara dos militares que, por determinação do então presidente da República, Fernando Collor, queriam se preparar para prevenir ou até mesmo reagir a ataques terroristas. Segundo o texto, a diretriz ministerial tinha o objetivo de “prevenir, neutralizar ou minimizar os efeitos de virtuais ações terroristas contra edificações e pessoas, nacionais ou estrangeiras, no território brasileiro ou contra missões diplomáticas do Brasil, em face do conflito no Golfo Pérsico”. (Leia a íntegra do documento sobre o alerta sobre terrorismo)
Há um item cujo título é “reflexos do conflito para o Brasil”. O texto de apenas uma linha, no entanto, foi tarjado, como também o que lista os órgãos envolvidos com o tema no Brasil. Logo abaixo, a missão definida pelo comando do Exército está exposta: “manter um efetivo especializado em condições de atuar face eventuais necessidades de emprego nos trabalhos de proteção física aos alvos dos atentados; planejar e executar, mediante ordem, medidas de resposta armada às ações perpetradas, se for o caso de desdobramento da situação de segurança pública para segurança da nação”. A diretriz incumbiu o Comando de Operações Terrestres do Exército (COTER) de manter um efetivo em condições de atuar e reagir a atentados terroristas.
No meio dos documentos ultrassecretos, liberados após vencimento do prazo de proteção, há ainda um minucioso plano de deslocamento de 385 militares, todos armados, em 122 viaturas do Batalhão Barão de Capanema no Rio de Janeiro até Porto Alegre. Com 49 páginas, o documento de agosto de 1988 mostra como o Exército prepara-se para enviar uma tropa a um exercício de “concentração estratégica”.
Na época, a operação era organizada pelo Comando Militar do Sul. Em 1992, o mesmo batalhão foi acionado para atuar na proteção da reunião de cúpula sobre meio ambiente no Rio; há dois anos atuou na segurança da Copa do Mundo.
SIGILO RENOVADO ATÉ 2038
Em outro trecho, o Ministério do Exército cogita preparação de reação armada – Reprodução
O plano divide o trajeto até Porto Alegre em cinco etapas e indica os pontos de parada. Foi dada orientação expressa para que oficiais, subtenentes e sargentos viajassem com armas carregadas em todo o percurso.
Os documentos divulgados pelo Exército são uma parte do acervo de ultrassecretos — o mais alto grau de sigilo previsto na legislação brasileira — que poderiam estar abertos ao público.
Em 2014, quando foi enviado ao comando o primeiro pedido de informação, via Lei de Acesso, sobre quantos eram os registros ultrassecretos que, passados 25 anos, já tinham sido desclassificados, alegou-se, na primeira resposta, que o pedido era genérico. Essa justificativa costuma ser um dos argumentos para rejeitar pedido de informação.
O processo tramitou por mais de um ano, até que, após entendimentos com a Controladoria Geral da União (CGU), o Exército informou que havia desclassificado um total de 78 documentos. Ao receber o pedido para liberar acesso aos papéis, o Comando considerou que era necessário reavaliar a decisão de desclassificação de parte da papelada.
Assim 36 documentos tiveram o sigilo renovado automaticamente pelo próprio Exército por mais 25 anos. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) concordou com o Exército, reconhecendo que os documentos produzidos entre 1988 e 1990 ainda precisavam ser preservados. Assim, os papéis só serão conhecidos a partir de 2038.
Adidos militares no Paraguai venderam
carros ilegalmente
Relato diplomático expôs constrangimento com caso, que poderia ter ‘graves consequências’
por Francisco Leali
BRASÍLIA – Em 21 de novembro, o telegrama 416 completou 25 anos. O documento carregava o carimbo de ultrassecreto. Se dependesse do Itamaraty, as quatro páginas do texto escrito pelo então embaixador do Brasil no Paraguai ficariam guardadas por mais 25 anos. Não ficaram. O telegrama de 1991 traz o relato de um aparentemente constrangido diplomata.
Ele narra ter descoberto que os três adidos militares brasileiros estavam envolvidos em compras de carros importados com isenção e revenda ilegal para cidadãos do país. Na época, jornais locais denunciaram o esquema. Citavam políticos do Paraguai, sem menção a brasileiros.
A investigação cresceu, e nomes de diplomatas estrangeiros entraram na lista. Num encontro casual, relata o embaixador, foi avisado que um coronel do Exército, adido na embaixada, estaria na mesma situação. O diplomata relata então os diálogos que teve com o militar. O coronel admitiu ter comprado um BMW modelo 850 Coupe para uso pessoal, mas que fez um documento particular de promessa de venda em nome de um terceiro
“O coronel… manifestou-me o dissabor por essa situação, de cuja gravidade passou a dar-se conta. Disse-me que encontrou instaurado esse sistema vigorando de longuíssima data em Assunção entre os adidos e que, meio à prática absolutamente generalizada que todos os paraguaios fazem de suas facilidades, deixou-se levar por ela”, contou o embaixador, acrescentando que a prática era comum no país. Foi, então, que o diplomata resolveu chamar os adidos da Marinha e da Aeronáutica que teriam feito “francos relatos”, confirmando a mesma prática, com uma diferença: os veículos continuaram registrados em seus nomes.
O diplomata conta ainda que a prática é tratada de maneira diferente no Paraguai e defendeu a atuação profissional dos adidos. Ele avisou que iria mostrar o texto do telegrama aos adidos e que os três fizeram um apelo para que, em virtude de “graves consequências às suas carreiras”, o caso não fosse formalizado no Brasil. Os nomes dos militares foram expostos, mas a identidade foi preservada pelo GLOBO.
Links para os Documentos
Leia a íntegra do documento sobre o alerta sobre terrorismo pdf Link
Leia a íntegra do cocumento sobre deslocamento de tropas em 1988 pdf Link