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Cúpula no Panamá pode marcar nova era na América Latina

O anúncio foi claro: "A próxima cúpula não seria realizada sem Cuba", declararam os 35 membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) em sua última reunião, em 2012, em Cartagena, na Colômbia. E eles tinham razão. Desta vez, a América Latina prevaleceu, e não os Estados Unidos.

A sétima edição da Cúpula das Américas, realizada nesta sexta e sábado no Panamá, vai entrar nos livros de história. Pela primeira vez, um presidente americano e um cubano vão apertar as mãos no encontro, do qual o país caribenho nunca participou.

O fórum reúne, desde 1994, os líderes dos países que integram a OEA, da qual a ilha foi suspensa em 1962. Em 2009, a decisão foi revogada, mas Cuba se abstinha de participar. Agora, depois de mais de 50 anos, os dois arqui-inimigos políticos estão em processo de reatar as relações diplomáticas.

"A Guerra Fria no Caribe chega ao fim. Para Cuba, foi um triunfo político quando Obama declarou fracassada a política americana dos últimos 55 anos para a ilha", avalia Bert Hoffmann, do instituto alemão Giga, sediado em Hamburgo. O especialista em Cuba, que acompanha o desenvolvimento político e econômico no país desde a década de 90, se diz convencido de que ambos os lados têm "intenções sérias".

Desafio para Havana

Mas por trás do aparente triunfo de Cuba, não se esconde, na opinião de Hoffmann, fraqueza alguma de Washington, e sim um desafio político para Havana. "Até agora, o confronto com os Estados Unidos era fundamental para a legitimidade do sistema de partido único de Cuba", explica. O conflito exterior parecia não permitir o pluralismo no interior do país. "O relaxamento em relação aos EUA aumenta agora as expectativas de participação política e transparência na ilha", prevê.

A cúpula não será importante apenas para a reaproximação histórica entre os dois arqui-inimigos ideológicos, mas também para o realinhamento das relações interamericanas como um todo. Porque a imagem dos EUA como um inimigo em comum está empalidecendo. O apoio às ditaduras militares latino-americanas por parte de Washington virou coisa do passado.

"A reaproximação elimina um dos grandes temas da esquerda latino-americana", opina o especialista em América Latina Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas. "Isso vai fortalecer o papel dos EUA na América Latina e melhorar as dinâmicas regionais."

Relações com o Brasil

Ponto central dessa melhora é também a reaproximação entre os EUA e o Brasil. As relações entre os dois países tinham se deteriorado de forma dramática, quando foi revelado, em outubro de 2013, que a NSA grampeara telefonemas da presidente Dilma Rousseff. Ela e Obama marcaram uma conversa a dois durante a cúpula.

A relação tensa entre Brasil e Estados Unidos também é um dos exemplos para as discordâncias entre os EUA e o restante do continente. As sanções impostas pelos EUA contra sete políticos de alto escalão do governo da Venezuela não são criticadas só por Dilma, mas também por outros países latino-americanos.

Eles defendem o princípio da não ingerência em assuntos internos de seus vizinhos e não querem se submeter aos ditames de Washington em relação a quem pode ou não fazer negócios ou manter relações diplomáticas – seja democrata ou ditador.

Não só o líder cubano Raúl Castro se beneficia desta diretriz, como também seu aliado Nicolás Maduro. O presidente da Venezuela vai usar a cúpula para atiçar a velha hostilidade em relação aos Estados Unidos. Ele já planejou com antecedência grandes protestos contra as sanções americanas.

Fim de velhos estereótipos

Mas a realidade política e econômica do continente já se emancipou há muito tempo dos velhos estereótipos. A Venezuela reduziu drasticamente o fornecimento de petróleo a Cuba, pois não quer mais ser paga com serviços, e sim com dólares. Já o Brasil passou a ser o segundo maior exportador para Cuba, depois da China. Pequim, por sua vez, já tomou o lugar dos EUA como mais importante parceiro comercial do Brasil.

Bert Hoffmann não tem dúvida de que uma nova era está começando, mesmo que Havana insista em pisar, vez por outra, nos freios. "Raúl Castro está tentando abafar as expectativas de mudança do sistema político", diz o especialista. "Mas o que vai acontecer com a lógica da fortaleza sitiada, quando o inimigo desistiu do cerco e se torna agora vizinho, parceiro comercial e investidor? O que acontecerá com Davi, quando Golias não mais ameaçar, mas tentar atraí-lo com dólares?"

Ideologia ou pragmatismo?

Os presidentes dos Estados Unidos, Barack Obama, e de Cuba, Raúl Castro, vão se encontrar no Panamá. Trocarão cumprimentos e conversarão, num ato planejado como ápice da cúpula da Organização dos Estados Americanos (OEA). O momento, por si só, justifica o adjetivo de "histórico".

As relações diplomáticas entre EUA e Cuba foram suspensas em 1961, ano da construção do Muro de Berlim. No ano seguinte, Havana teve a sua participação na OEA suspensa. Que o país comunista, visando o fim do embargo econômico americano, esteja de volta à cúpula sem qualquer concessão, pode ser compreendido como um triunfo da ideologia. Ou como pragmatismo de um presidente americano que ainda precisa lidar com alguns ideólogos em seu próprio Congresso para a execução de seus planos.

Obama reconheceu que os mais de 50 anos de bloqueio diplomático e comercial a Cuba não trouxeram melhorias. Pelo contrário, apenas arranharam gradativamente a imagem dos Estados Unidos na América Latina. Ao mesmo tempo, China e Rússia conquistaram mais influência em vários países da região.

Diante desse cenário, a nova política de aproximação de Obama é lógica, especialmente num momento em que o declínio econômico da Venezuela não pode mais ser negado. O país – que, com um governo populista, se tornou porta-voz dos críticos dos EUA na região – não tem mais como se dar o luxo de manter sua "petrodiplomacia". Como consequência, Cuba, em especial, precisou procurar por novos financiadores – e aqui se fecha o círculo do pragmatismo, algo que não é estranho nem para comunistas de Havana.

No entanto, a Venezuela poderia se desenvolver numa ameaça para a harmonia da cúpula. As recentes sanções dos EUA contra sete autoridades venezuelanas não são mais do que uma alfinetada, mas forneceram ao presidente Nicolás Maduro material para campanhas de propaganda – com as quais ele pretende continuar no Panamá.

Especular sobre os motivos – provavelmente domésticos – das sanções de Obama é desnecessário. Fato é que, nos últimos dias, ele se viu forçado a tentativas retóricas de aproximação. O presidente americano precisa de um sucesso no encontro. E as chances são boas, sobretudo pelo fato de a grande maioria dos outros líderes latino-americanos também querer isso (tanto por receio de um conflito com os EUA, quanto para evitarem criticas públicas à opressiva política interna da Venezuela).

O regime cubano aparenta já ser o grande vencedor da cúpula, embora ainda não tenha feito concessões em questões de direitos humanos. Isso preocupa a oposição em Cuba e no exílio e indigna Washington. No entanto, há razões para nutrir a esperança de que, no longo prazo, os moradores da ilha caribenha sejam os vencedores.

A aprovação do acordo final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), de Helsinque, completa 40 anos em 2015. Vale relembrar a discussão da época: os opositores do pacto viam nele um sucesso unilateral do Bloco do Leste, que receberia vantagens econômicas em troca de meras promessas na questão dos direitos humanos. Espero que também desta vez a História dê razão ao pragmatismo, pois assim ele derrotaria os ideólogos de ambos os lados.

A opção entre ideologia e pragmatismo será decisiva também para o futuro da OEA. Com a reincorporação de Cuba, ela poderá novamente trabalhar como uma organização autenticamente pan-americana, que zele pelo intercâmbio pacífico em todo o continente, do Alasca à Terra do Fogo.

O eterno (e justificado) rechaço ao papel hegemônico dos EUA sobre o organismo poderá chegar ao fim se tanto o sul quanto o norte da América derem menos peso a suas diferenças ideológicas. Há problemas e desafios suficientes, para os quais os países poderiam encontrar melhor solução juntos e além das fronteiras: desde a criminalidade relacionada com as drogas e o tráficos de pessoas, até uma política energética comum e uma proposta sustentável de exploração de matérias-primas.

Venezuela obstrui documento final da Cúpula das Américas

A Cúpula das Américas deve terminar neste sábado (11/04) sem uma declaração conjunta dos chefes de Estado, em razão da falta de consenso entre os chanceleres. O motivo seria a intenção da Venezuela de incluir no documento final críticas aos Estados Unidos.

A chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, confirmou a exigência de seu país para que o documento incluísse um parágrafo referente às sanções americanas impostas a Caracas. Fontes diplomáticas afirmam que a posição venezuelana teria sido respaldada pela "enorme maioria" dos governos da América Latina e Caribe.

Esta será a terceira vez consecutiva que o encontro termina sem um comunicado final por falta de consenso. Nas últimas vezes, o obstáculo foi a exigência da maioria dos países pela participação de Cuba, então rejeitada pelos Estados Unidos.

O documento final será substituído por um relatório feito pelo presidente do Panamá, Juan Carlos Varela, com os pontos de consenso entre os países. Conhecido como chair's summary, o relatório não tem o mesmo peso de uma declaração final conjunta.

Discurso brando

Ainda assim, o presidente venezuelano Nicolás Maduro afirmou na quinta-feira que vê oportunidades para a melhora das relações entre os dois países. Apesar de reforçar a crítica às sanções, Maduro exaltou Obama por afirmar que a Venezuela não deve ser vista como uma ameaça.

Um dia antes do início da Cúpula das Américas, Obama procurou atenuar as críticas ao país, ao afirmar que os americanos "não acrediram que a Venezuela represente uma ameaça aos EUA, nem que os EUA sejam uma ameaça ao governo venezuelano", embora tenha destacado que o país continua preocupado com a intimidação de opositores políticos e a violação de direitos humanos.

Maduro afirmou que as declarações do presidente americano poderão "temporariamente abrir as portas para iniciar uma nova era" nas relações entre as duas nações soberanas.

 

 

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